sábado, 30 de abril de 2022
Historia magistra vitae est. Cícero (106-43 a.C.)
A anatomia do Davi não é totalmente realista, mas decorre da observação minuciosa de corpos reais, vivos e mortos. É obra de alguém que prestou muita atenção, por exemplo, na estrutura dos mamilos, no umbigo que adentra a parede muscular do abdome com uma delicada reentrância da pele à sua volta, a arquitetura delicada da pele, os músculos do peito e as costelas - não claramente destacadas, como nos nus de artistas mais velhos, como Pollaiuolo e Signorelli, mas delicadas e vivas -, o modo como as veias sobressaem sobre os ligamentos e ossos da mão.
GAYFORD, Martin. Michelangelo - Uma Vida Épica. Tradução de Donaldson M. Garschagen e Renata Guerra. São Paulo: Cosac Naify, 2015, p. 170.
As casas em Astura e Tusculum eram apenas duas das vinte propriedades que Cícero possuía na Itália em 45 a.C. Algumas eram mansões elegantes. Em Roma, ele tinha uma grande casa nas encostas baixas do Monte Palatino, a alguns minutos a pé do Fórum, e era vizinho de muitas das grandes figuras da elite romana, incluindo Clódia; suas outras casas estavam espalhadas por toda a península, de Puteoli na baía de Nápoles, onde recepcionou César naquele famoso jantar, até Formiae, mais ao norte, onde tinha outra villa à beira-mar. Algumas eram casas pequenas de férias ou alojamentos, estrategicamente situados em estradas entre suas propriedades maiores mais distantes, onde podia pernoitar para evitar dormir em pousadas ou alojamentos precários, ou incomodar amigos. Algumas, incluindo as propriedades da família em Arpinum, eram fazendas ativas, embora tivessem residências de luxo anexadas. Outras eram propriedades de aluguel, voltadas exclusivamente para renda, como as construções de baixo nível das quais "até os ratos" haviam fugido; dois blocos grandes, e ainda mais lucrativos, no centro de Roma haviam sido parte do dote de Terência, e em 45 a.C. provavelmente foram devolvidos em razão do divórcio.
BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga. Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta, 2017, p. 314.
A maioria da população [romana] deveria ser de agricultores, não as criações fantasiosas dos escritores romanos, mas pequenos proprietários de terras espalhados pelo Império, lutando para cultivar o suficiente para seu próprio sustento, às vezes saindo-se melhor, conseguindo um pequeno excedente. Para essas famílias, o domínio romano contava pouco, exceto por implicar um coletor de impostos diferente, uma economia de maior porte onde podiam vender sua produção e uma gama maior de bugigangas para comprar se tivessem algum dinheiro sobrando. Na Britânia, por exemplo, até onde podemos afirmar pelos vestígios arqueológicos, houve poucas mudanças significativas na vida dos agricultores durante mais de um milênio, do final da Idade do Ferro até imediatamente antes da bem-sucedida invasão romana em 43 d.C., e passando pelos anos de ocupação romana até a Idade Média. Mas não há praticamente evidência sobrevivente quanto às atitudes, aspirações, esperanças ou medos desses agricultores e suas famílias. Nesse sentido, as únicas pessoas comuns do mundo romano que podemos conhecer, ou cujo estilo de vida é possível tentar começar a reconstruir, são aquelas que viveram nas vilas e cidades.
BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga. Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta, 2017, p. 436.
(...) Quaisquer que sejam as visões de Suetônio e outros escritores antigos, as qualidades e personalidades individuais de cada imperador não importavam muito para a maioria dos habitantes do Império, ou para a estrutura essencial da história romana e seus principais desdobramentos.
Isso provavelmente era importante para alguns membros da elite metropolitana, para os conselheiros do imperador, o Senado e o pessoal do palácio. O trato diário com o adolescente imperador Nero pode muito bem ter sido mais desafiador do que lidar com Cláudio ou Vespasiano. E a ausência de Tibério, em seu retiro em Capri, ou de Adriano em uma de suas muitas viagens pelo mundo romano (ele foi um turista inveterado, passando mais tempo no exterior do que em casa) deve ter tido um impacto sobre a administração para aqueles diretamente envolvidos - incluindo a certa altura o próprio Suetônio, que trabalhou por um breve período no secretariado de Adriano.
Fora desse pequeno círculo, porém, e certamente fora da cidade de Roma, já que apenas nela os efeitos da generosidade de um imperador podiam ser espargidos sobre homens e mulheres nas ruas, dificilmente faria muita diferença quem estivesse no trono, ou quais fossem seus hábitos pessoais ou intrigas. E não há qualquer indício de que a personalidade do governante tenha afetado o modelo básico de governo no plano doméstico ou no exterior de alguma maneira significativa. Se Caio [Calígula] ou Nero ou Domiciano eram realmente tão irresponsáveis, sádicos, e malucos como são pintados, isso fez pouca ou nenhuma diferença no funcionamento do Império Romano, ficando restrito apenas ao campo do anedótico. Por baixo das histórias escandalosas e dos relatos de sodomia (que obscurecem tanto quanto vivificam), e para lá dos aforismos cuidadosamente construídos de Gibbon, havia uma estrutura de governo notavelmente estável e - como veremos - um conjunto de problemas e tensões também estável por todo o período. São eles que precisamos entender para que o domínio imperial faça sentido para nós, e não as idiossincrasias de cada governante. Afinal, nenhum cavalo chegou de fato a ser nomeado cônsul.
BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga. Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta, 2017, p. 398-399.
Em 61 d.C., um destacado senador [Lucius Pedanius Secundus] foi assassinado por um de seus escravos, e o Senado decidiu seguir a regra tradicional para esse tipo de crime, que exigia que todos os escravos da vítima fossem mortos com o culpado (a ameaça de tal punição tinha o propósito de incentivar a delação entre os escravos). Dessa vez, eram quatrocentos no total, todos inocentes. As pessoas tomaram as ruas, inconformadas com o rigor daquilo que estava sendo proposto e demonstrando que havia solidariedade entre escravos e população livre, composta também por muitos ex-escravos. Mas embora um bom número de senadores apoiasse as manifestantes, o imperador Nero mandou os soldados intervirem para evitar problemas e fez cumprir a sentença.
BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga. Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta, 2017, p. 461.
A Batalha de Ácio também teve um papel-chave nas representações posteriores. Foi transformada em um encontro muito mais impressionante do que deve ter sido, e engrandecido para se tornar o momento fundador do regime de Augusto, que ainda se costuma dizer que começou em 31 a.C.; um historiador posterior foi ao ponto de sugerir que "o dia 2 de setembro", dia exato do confronto, é uma das poucas datas romanas que vale a pena relembrar. Uma nova cidade chamada Nicopolis ("Cidade da Vitória") foi construída perto do local da batalha, assim como um grande monumento em frente ao mar, decorado com as carrancas dos navios capturados e com um friso retratando a procissão triunfal de 29 a.C. Roma foi também saturada de lembranças disso, de esculturas monumentais a preciosos camafeus, e muitos soldados comuns que haviam lutado do lado vencedor orgulhosamente acrescentaram ao seu nome o adicional Actiacus, ou "homem de Ácio". Além disso, na imaginação romana a batalha foi quase que instantaneamente transformada em um conflito entre soldados firmes e disciplinados e hordas selvagens de orientais. Apesar de Antônio ter tido o convicto apoio de várias centenas de senadores, toda a ênfase recaía sobre a ralé exótica, com - segundo Virgílio - "sua riqueza bárbara e estranhas armas", e também sobre Cleópatra, expedindo comandos e brandindo uma matraca egípcia.
BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga. Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta, 2017, p. 346.