A Condição da Igreja no Séc. XV
domingo, 25 de setembro de 2016
A venda de indulgências foi uma das principais causas da Reforma de Lutero.
"A fim de equilibrarem o orçamento pontifício, os papas venderam cada vez mais dispensas (e indulgências) e estabeleceram organizações completas de cargos para venda. (...) Os peregrinos que visitavam Roma não podiam deixar de ficar consternados com a ausência de espiritualidade, por muito que os impressionasse a magnificência da corte romana.
Esta podridão alastrara por toda a parte na Igreja. Testemunhos imparciais, colhidos muitos deles em relatórios de visitas episcopais, apontam-nos em quantidade aterradora casos de simonia, nepotismo, acumulação de cargos e benefícios, não residência, imoralidade e desleixo no cumprimento dos deveres. Embora concílio após concílio combatesse esses males, eles disseminaram-se por toda a Igreja no século XV. O Conclave do Sacro Colégio que elegia os papas era tão suscetível de suborno como o Colégio Eleitoral do Império."
GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 125.
«O Que é Cristianismo?», de Harnack
sábado, 24 de setembro de 2016
No mestrado eu tive a oportunidade de ler o Militia Christi, uma obra primorosa de Adolf von Harnack (1851-1930), o último grande representante da Teologia Liberal e um dos principais historiadores do cristianismo de todos os tempos. Desta vez eu tive a oportunidade de ler uma obra mais conhecida - A Essência do Cristianismo, traduzida pela paulista Reflexão em 2014 com o título O Que é Cristianismo.
A obra na verdade é uma compilação de 16 conferências públicas dadas por Harnack na Universidade de Berlim entre 1899 e 1900. Por volta de 1927 o livro já havia passado por catorze reimpressões e fora traduzida em diversos idiomas. No começo do século passado exerceu grande influência sobre a nova geração de teólogos, bem como sobre as pessoas cultas.
Na primeira conferência, Harnack deixa claro que seu objetivo é "responder a questão mais simples, embora, importante: O que é cristianismo? Como foi no passado e como é agora?" (p. 26). Assim, deixa claro que a questão só pode ser respondida em sentido histórico. E de onde o grande historiador parte? "A resposta é simples e completa. Partiremos de Jesus Cristo e seu evangelho" (p. 28). Contudo, ele não se detêm por aí. "Ouvir" a primeira geração de Seus discípulos, bem como os desenvolvimentos que o cristianismo produziu nos espíritos em todas as épocas. Portanto, o leitor pode também esperar uma análise séria (mas não enciclopédica) sobre o "cristianismo primitivo", o catolicismo, o cristianismo ortodoxo, a Reforma Protestante e um breve resumo da situação do protestantismo à época de Harnack.
O Que é Cristianismo? é uma obra imperdível para todos os cristãos, especialmente os protestantes. Opondo-se ao relativismo (um dos males da nossa época), Harnack destaca que "seria desesperador supor que Jesus pregara uma mensagem provisória capaz de ser interpretada de maneira diferente depois de sua morte e ressurreição, com elementos descaráveis. Não! Sua mensagem é mais simples do que gostariam as igrejas; bem mais simples, mas por isso mesmo mais severa e universal" (p. 109).
O Despotismo Papal
terça-feira, 20 de setembro de 2016
"Afirmar que Cristo fundou um reino, e que esse reino é a Igreja Romana, equivaleria a dizer que lhe deu duas espadas, uma espiritual e outra temporal e que, portanto, secularizou o evangelho. Tampouco se pode sustentar que o espírito de Cristo tem a intenção de governar os reinos terrenos. O evangelho diz: 'O reino de Cristo não é deste mundo.' Mas a igreja estabeleceu um reino neste mundo. Cristo não ordenou aos discípulos que reinassem, mas que servissem. Mas na Igreja Romana os ministros governam o mundo. Cristo afasta seus discípulos da religião e das cerimônias políticas e põe os seres humanos diante de Deus: Deus e a alma, a alma e Deus, mas aqui acontece o contrário, o ser humano situa-se numa instituição cujas cadeias não podem ser quebradas, mas obedecidas. Somente quando obedece, o fiel aproxima-se de Deus. Houve um tempo em que os cristãos romanos derramaram sangue porque se recusavam a prestar culto a César, e rejeitavam a religião política. Hoje não agem mais dessa forma. Na verdade, não oram a um governador terreno, mas se submetem às ordens despóticas do soberano papal romano."
HARNACK, Adolf von. O Que é Cristianismo? São Paulo: Reflexão, 2014, pp. 180-181.
Indico o meu mais recente artigo: O Decreto Dominical: Uma Miragem Adventista?
Indico o meu mais recente artigo: O Decreto Dominical: Uma Miragem Adventista?
Um Perfil de Jesus de Nazaré
segunda-feira, 19 de setembro de 2016
Bom Pastor nas catacumbas de Calisto, em Roma (séc. III).
"Jesus viveu a religião que o conduziu sempre no temor de Deus. Sua vida, pensamentos e sentimentos foram sempre dependentes dessa relação. Não obstante isso, não falava como os fanáticos nem como os que se deixam arrebatar por êxtases estranhos, incapazes de perceber além de sua limitada experiência. Pregou sua mensagem e contemplou o mundo e a vida com novos olhos para as pessoas a seu redor, grandes e pequenas. Disse que não adiantava ganhar o mundo e perder a alma, embora mostrasse simpatia por todos. Este foi o mais notável e grandioso fato a seu respeito! Seus discursos, geralmente em forma de parábolas e ditos, deixavam transparecer todos os graus da fala e das emoções humanas. Quando era necessário, falava com indignação apaixonada e reprovava os hipócritas, empregando ironia, às vezes. Mas eram momentos de exceção. Orientava seu comportamento a um único alvo, com calma, uniformidade e profundidade. Nunca usava linguagem estranha e suas profecias eram raras. Incumbido da maior de todas as missões, prestava atenção à vida ao seu redor - prova de muita calma e absoluta certeza."
HARNACK, Adolf von. O Que é Cristianismo? São Paulo: Reflexão, 2014, p. 42.
Sou 9º Ano
sábado, 17 de setembro de 2016
Quando criei este blog, não existia domínio disponível relacionado ao meu nome ou profissão. Assim, após quebrar a cabeça, lembrei-me de uma frase memorável do general que cruzou o Rubicão para transformar a República romana. Após derrotar os inimigos e concentrar os poderes em suas mãos, Júlio César foi questionado se pretendia se tonar rei de Roma. A resposta dele segue abaixo (interpretada pelos bravos alunos do 9º ano, juntamente com o Leonardo Gubert):
A Moderna Babilônia
sexta-feira, 16 de setembro de 2016
No dia 24 de setembro de 2015, o papa Francisco foi o primeiro pontífice a discursar no Congresso da "Moderna Babilônia".
"Hoje está bastante claro para todos, católicos e não católicos, cristãos e não cristãos, que vivemos numa época de crise. Talvez seja perigoso definir a natureza dessa crise com muita precisão, uma vez que os assuntos são demasiado complexos e de grande amplitude. Não obstante, creio ser possível dizer que neste país e no presente século chegamos a um ponto decisivo no movimento rumo à unidade cristã. Como tenho dito, durante três séculos, desde a Reforma até o século XIX, o catolicismo e o protestantismo permaneceram em campos opostos e hostis, um empenhado na destruição do outro. (...) Todo católico em um país protestante ou todo protestante em um país católico era visto como potencial traidor e inimigo público.
No entanto, hoje, nos Estados Unidos encontramos uma situação completamente diferente. Em uma mesma sociedade vivem todas as diferentes formas de religião e a falta de religião coexiste e partilha de uma cultura comum. (...) Igrejas e ritos que no passado e no Velho Mundo existiam tão isolados que dificilmente tinham consciência da existência da alteridade, foram confrontados e colidiram nas ruas da moderna Babilônia."
DAWSON, Christopher. A Formação da Cristandade - das Origens na Tradição Judaico-cristã à Ascensão e Queda da Unidade Medieval. São Paulo: É Realizações, 2014, p. 99.
Nota: Christopher Dawson (1889-1970) foi um dos historiadores mais influentes do século XX na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. A Formação da Cristandade foi publicada originalmente em 1967. Embora tenha recebido uma formação anglicana, Dawson tornou-se um católico engajado a partir de 1914, quando foi batizado em Oxford. Segundo consta em sua biografia, em 1909 ele fez uma viagem a Roma e lá, nos degraus do Capitólio, "no lugar mais sagrado das sete colinas da antiga Roma", sentiu-se desafiado a escrever sobre a história da cultura. Tal inspiração lhe acompanhou ao longo da vida.
A Resistência dos Nativos Americanos
quinta-feira, 15 de setembro de 2016
Touro Sentado (Sitting Bull), em 1885.
"Por todo o oeste, os índios se defenderam, muitas vezes em pequenos bandos que atacavam a casa de um fazendeiro ou o acampamento de um mineiro. Mas nos anos 1860 e 1870, nações indígenas inteiras estavam entrando em guerra contra os brancos. Os rumores de novas jazidas de ouro nas Black Hills, na Dakota do Sul, levaram garimpeiros para terras que um tratado dos Estados Unidos havia reservado para os sioux. Aqui, os animais eram abundantes, e a madeira para os alojamentos podia ser cortada de árvores, que nas Planícies eram tão escassas. As Black Hills eram sagradas para os sioux. Um general do exército vaidoso e ávido por publicidade liderou uma expedição a essas terras que só aumentou os rumores sobre o ouro. Os brancos o conheciam como general George Armstrong Custer. Os sioux o chamavam de Long Hair ["Cabeludo"] por causa de seus cachos loiros à altura do ombro; também o chamavam de 'Chefe de Todos os Ladrões'. O governo federal tentou comprar a terra por tratado; quando os sioux se recusaram, os Estados Unidos ordenaram que eles deixassem a reserva. Custer partiu com sua cavalaria para cercar os índios, gabando-se de que podia conquistar toda a nação sioux com apenas seiscentos soldados. Ele subestimou os 7 mil sioux e seu chefe, 'Touro Sentado'. Custer avançou sobre eles à margem do rio Little Bighorn. Ele e todos os seus homens estavam perdidos. 'Aqueles homens que vieram com o 'Long Hair' estavam entre os melhores que já lutaram', admitiu Touro Sentado posteriormente. Mas o orgulho de Custer lhes custou a vida - e também a dele.
A vitória de Touro Sentado foi uma grande conquista para os índios. Eles não podiam dar as costas para as forças que estavam transformando sua terra. E tampouco o exército podia controlar os ávidos colonos e garimpeiros, embora alguns assim desejassem. (...) O exército norte-americano perseguiu os sioux até que, exaustos e morrendo de fome, a maioria deles se rendeu. Histórias similares foram contadas em todo o oeste: nas florestas do Minnesota e de Washington e no território do Arizona, onde os apaches, sob seu líder Gerônimo, resistiram até 1886."
DAVIDSON, James West. Uma breve história dos Estados Unidos. Tradução de Janaína Marcoantonio. Porto Alegre, RS: LP&M, 2016, pp. 202-203.
Quiz histórico
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
Neste bimestre, iniciamos uma nova experiência no aprendizado de História: atividades avaliativas a partir da plataforma Kahoot!.
Por enquanto, iniciamos a experiência com apenas o 3º ano do Ensino Médio. Na quinta-feira da semana que vem (22/09), contudo, todas as turmas do Ensino Médio terão a oportunidade de responder às questões que formulamos. Os temas serão os seguintes:
1º ano A/B: Roma Monárquica e Republicana; Estados Modernos e Expansão Marítima; Renascimento e Humanismo.
2º ano: A América Portuguesa (séculos XVI-XIX); História dos Estados Unidos (da colonização ao século XIX); Revoluções dos séculos XVII-XIX (Revolução Inglesa, Revolução Industrial, Revolução Americana, Revolução Francesa, ondas revolucionárias do séc. XIX e guerras de unificação da Itália e da Alemanha).
3º ano: Renascimento e Humanismo; História dos Estados Unidos (da colonização ao século XIX); Brasil Império (1822-1889).
Vale lembrar que na próxima segunda e terça (19 e 20/09) será aplicado o simulado, e até lá todos deverão se concentrar nos conteúdos desse exame (alguns deles coincidem com os conteúdos acima). Este blog conta com vários posts que poderão ser úteis à preparação para esses testes. Basta procurá-los a partir das "categorias" ou do campo de busca, ambos ao lado.
Bons estudos a todos!
Bons estudos a todos!
O Exemplo da Nova Zelândia
segunda-feira, 12 de setembro de 2016
Um país nos píncaros da prosperidade. Auckland Sky Tower, Nova Zelândia.
Ao final da década de 1950, a Nova Zelândia era a terceira maior economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Canadá. Em 1984, contudo, sua economia era protegida e ineficiente; sem grandes perspectivas, o país amargava uma renda per capita equivalente às de Portugal e Turquia (a 27ª posição no mundo). Foi então que um governo reformador foi eleito, e imediatamente identificou três problemas: gastos e impostos excessivos e governo grande demais. A prioridade passou a ser diminuir o governo, torná-lo mais eficiente e reduzir sua interferência na economia. Consequentemente, a Nova Zelândia voltou a ser um país próspero e hoje é a terceira economia mais livre do mundo.
Saiba mais em: Mises Brasil
Pérola de Mlodinow
domingo, 11 de setembro de 2016
AS PESSOAS BEM-SUCEDIDAS EM TODAS AS ÁREAS QUASE SEMPRE FAZEM PARTE DE UM CERTO CONJUNTO - O CONJUNTO DAS PESSOAS QUE NÃO DESISTEM.
Leonard Mlodinow
História em Quadrinhos
sexta-feira, 9 de setembro de 2016
Ao clicar na imagem acima, você verá que se trata de uma iniciativa bem criativa para facilitar a revisão de diversos conteúdos de História. Saiba mais em: História em Quadrinhos.
Uma Fantástica História
quinta-feira, 8 de setembro de 2016
Nas últimas semanas eu fiz alguns posts com trechos selecionados da formidável história norte-americana. Após completar a sua leitura, meu sentimento é de enorme satisfação. Assim, eis a referência completa da obra:
DAVIDSON, James West. Uma breve história dos Estados Unidos. Tradução de Janaína Marcoantonio. Porto Alegre, RS: LP&M, 2016. 327 páginas.
[Preço: R$ 29,20, no site da Saraiva]
Como bem destacou o Library Journal, poucas vezes uma história foi escrita de forma tão deliciosa. Em 40 capítulos (todos eles com belas ilustrações de abertura), o Dr. Davidson condensou 500 anos de história de forma magistral (ele inicia a sua narrativa com a descoberta da América). Com o auxílio de nove mapas e um índice remissivo, aliando precisão e rigor acadêmico a uma leveza notável, o texto "dá vida" aos personagens que construíram os Estados Unidos. Discussões teóricas ou o "rosário" de estatísticas, tão comuns nas produções acadêmicas tupiniquins, não têm lugar no livro de Davidson. Não faltam reflexões ou dados ao seu texto, mas seu foco foi tornar acessível ao grande público a história de uma das mais fantásticas nações do mundo.
Uma breve história dos Estados Unidos é uma compilação de histórias individuais. Nela poderemos conhecer os feitos dos "Pais Peregrinos", dos "Pais Fundadores", de presidentes, generais, inventores e empreendedores, mas também das pessoas comuns. Um desses "heróis desconhecidos" é Oliver Brown, afro-americano que em 1954 processou o conselho escolar porque sua filha, Linda, era forçada a caminhar por um pátio de manobras perigoso diariamente para chegar à sua escola segregada, sendo que existia uma escola para brancos bem perto de sua casa. Todos os nove juízes da Suprema Corte concordaram que a segregação era inconstitucional. Assim, como histórias tão instigantes, Davidson consegue prender a atenção do leitor do início ao fim.
Enfim, trata-se de uma obra que se recomenda a si própria. Além de tudo, tem o mérito de suprir a falta de obras sobre a história americana no Brasil (um país que, infelizmente, padece com um antiamericanismo crônico).
"Duas grandes ideias ecoam pela história norte-americana, dando voltas e sempre retornando: liberdade e igualdade. E as duas são unidas, como a própria nação, pelo lema gravado pela primeira vez no Grande Selo em 1782: E pluribus unum. Somos livres, somos iguais, somos um. As palavras ecoam com tanta frequência que são tidas como fato consumado." (pp. 303-304)
"Os Estados Unidos são excepcionais porque sua união continental é política. Acolhe a diversidade. Não é uma união baseada em todos os cidadãos pensando da mesma forma." (p. 309)
José Bonifácio de Andrada (1763-1838)
quarta-feira, 7 de setembro de 2016
Santos, 1763 - Niterói, 1838.
O estadista José Bonifácio pertencia a uma família aristocrática portuguesa que o alfabetizou em casa. Em 1783, partiu para Portugal, onde estou Direito e Filosofia na Universidade de Coimbra. De volta ao Brasil, prestou concurso para servir na magistratura do Desembargo do Paço. Em 1790, contudo, recebeu financiamento da Coroa portuguesa para retornar à Europa para estudar Mineralogia, Filosofia e História Natural.
Seu primeiro destino foi Paris, onde testemunhou a efervescência do movimento revolucionário que derrubou o Antigo Regime. Acabou então aderindo à militância jacobina. Na Alemanha, conheceu os irmãos Wilhelm (filósofo) e Alexander Von Humboldt (cientista). Seguiu para a Áustria, Hungria, Itália, Dinamarca, Noruega e Suécia. Após uma década de estudos pela Europa, estava preparado para servir à Coroa portuguesa em diversas funções, sobretudo administrativas. Após a invasão de Portugal pelas tropas francesas em 1807, chegou a comandar o Corpo Militar Acadêmico.
De volta ao Brasil, instalou-se em Santos em 1819. No ano seguinte, D. João VI outorgou-lhe o título de conselheiro. Devido à Revolução Liberal do Porto, o rei teve que retornar à metrópole. José Bonifácio candidatou-se então ao governo da província paulista, saindo vencedor. O processo de independência do Brasil estava em curso, e José Bonifácio teve participação decisiva no seu desenrolar. Mobilizou apoio em favor da permanência de d. Pedro no Rio de Janeiro e ganhou a confiança do regente, que o nomeou a ministro da Corte (16 de janeiro de 1822).
Nesse cargo estratégico, Bonifácio passou a articular o respaldo de lideranças políticas regionais para seu projeto de Estado brasileiro conformado em monarquia constitucional. Empreendeu negociações com grupos políticos cariocas, paulistas e mineiros e, antes mesmo do Sete de Setembro (que não representou uma ruptura definitiva com Lisboa), designou diplomatas para representar o Brasil em Buenos Aires e nas principais capitais europeias. O poder no território brasileiro era então comandado por ele e seus irmãos, Martim Francisco (na pasta da Fazenda) e Antônio Carlos Ribeiro (influente deputado na Assembleia Constituinte de Lisboa iniciada em 1821, bem como na de 1823, tendo sido o autor do primeiro projeto de Carta Magna do Brasil).
Por ocasião da declaração da Independência, José Bonifácio permaneceu à frente dos cargos ministeriais, e o Brasil, antes Reino, passou a ser Império, desligando-se formalmente de Portugal. Entre as ideias que defendeu no cargo estavam o fim da escravidão, a incorporação dos índios à sociedade brasileira, a miscigenação das raças e a restrição dos latifúndios em prol das pequenas e médias propriedades. Divergências com o imperador, contudo, provocaram a sua demissão em julho de 1823, e o seu exílio, quatro meses depois. Ele e sua família passaram a viver então na França, onde criticou fortemente o autoritarismo do monarca brasileiro. Somente em 1829, aos 66 anos de idade, pôde retornar ao Brasil, numa época de grande instabilidade política. No auge da crise, em 1831, D. Pedro I abdicou ao trono e indicou José Bonifácio para ser o tutor do seu filho e herdeiro do trono, então com cinco anos de idade. Todavia, políticos de tendência liberal e absolutista desencadearam uma campanha que culminou em sua destituição da tutoria em dezembro de 1833. O septuagenário José Bonifácio passou então à reclusão de sua residência na Ilha de Paquetá, na Baía de Guanabara. Faleceu no dia 6 de abril de 1838.
De seus escritos, constata-se que no tocante ao pensamento político-econômico inclinava-se ao liberalismo clássico, tal como expressam suas críticas ao intervencionismo do Estado nos assuntos empresariais. Considerava também o desmatamento das áreas verdes brasileiras um erro irreparável. Graças aos seus conhecimentos científicos, integrou a Sociedade de História Natural de Paris e a Sociedade Filantrópica de Paris, além de pertencer ainda às principais academias científicas europeias. Participou também da alta hierarquia da Ordem Maçônica no Brasil.
**********************************************************************
Fonte: ERMAKOFF, George (org.). Dicionário Biográfico Ilustrado de Personalidades da História do Brasil. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2012, pp. 73-74.
O Outro Lado da Madre
segunda-feira, 5 de setembro de 2016
É provável que você conheça a religiosa da foto acima. Trata-se da Madre Teresa de Calcutá (1910-1997), recém-canonizada pelo Vaticano. Contudo, a maioria das pessoas nem faz ideia de quem é o cavalheiro que a cumprimenta. Trata-se de James Keating, um nebuloso investidor do setor imobiliário de quem a mais nova santa católica aceitava doações.
A vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 1979 é celebrada no mundo inteiro por sua dedicação no cuidado dos órfãos, doentes e demais desafortunados. O que muitos desconhecem, no entanto, é sua moral dúbia, seu descaso para com os doentes e suas ligações com ditadores (como Jean-Claude Duvalier) e corruptos. Essas são as revelações chocantes da pesquisadora Geneviève Chénard, da Universidade de Montreal.
Segundo a pesquisadora, além da falta de critérios na captação de recursos, as obras de caridade da madre eram mau geridas e se notabilizavam pela falta de higiene e cuidados para com os doentes. Geneviève acredita que isso se relaciona com a ética religiosa, que via no sofrimento dos outros uma oportunidade para aproximá-los de Cristo. Entretanto, quando a madre adoecia, procurava tratamento em hospitais conceituados da Índia e dos Estados Unidos. Revelações pra lá de desconfortáveis para a sua legião de admiradores.
Fonte: Isto É
Xadrez Verbal
domingo, 4 de setembro de 2016
Este blog existe para servir aos alunos e a todos os demais interessados pelo conhecimento. Eu, inclusive, sempre aprendo com os alunos e com outras pessoas. Assim, graças ao Arthur (aluno do 3º ano), recentemente tive contato com o Xadrez Verbal, um projeto do historiador Filipe Figueiredo. A partir de hoje essa página integrará a lista de sites indicados deste blog.
Aproveito para sugerir o último podcast: #62 Impeachment
«O Último Império», de V. Dorneles
sábado, 3 de setembro de 2016
O editor da CPB, Vanderlei Dorneles, publicou O Último Império em 2012 a fim de mostrar como o processo de fundação dos Estados Unidos da América (EUA) provê importantes dados para elucidar a interpretação adventista de Apocalipse 13. Sua análise dos "textos" (o conceito envolve toda sorte de produção cultural política e artística que um país produz ao longo do tempo) é interessante para explicar como se desenvolveu a identidade norte-americana e sua vocação para construir e universalizar uma nova ordem que pretende ser a realização do "Novo Céu" e da "Nova Terra" prometidos no derradeiro livro da Bíblia. Tal visão messiânica projeta os EUA como imprescindíveis à ordem no mundo e serve como um manto de "cordeiro" para camuflar a "voz de dragão" (sua faceta agressiva, identificável nos inúmeros conflitos promovidos por essa nação, da colonização aos dias atuais).O livro é oportuno e atende a uma necessidade do público adventista brasileiro. Infelizmente, porém, o autor comete uma série de equívocos ao lidar com conceitos e fatos históricos. Ainda na introdução, sustenta que os EUA alcançaram, no decorrer do séc. XX, a condição de um império, "tanto do ponto de vista do poderio econômico e militar quanto de seu concorrente modelo de relacionamento com as demais nações, no sentido de interferir no mundo e até de 'organizá-lo' à sua própria maneira" (pp. 11-12). Como já lhe é usual, apela para o argumento da autoridade (o que lhe exime de provar o que quer que seja). Assim, respalda-se em algumas "figuras carimbadas" da esquerda, tais como os ativistas políticos Sidney Lens e Noam Chomsky, além de um professor brasileiro, o Moniz Bandeira, que também não tem formação em História. Ainda que o livro não tenha a pretensão de ser uma tese historiográfica, seu autor deveria ter tido um cuidado maior com um conceito tão importante para a ideia central que procura defender. Do ponto de vista teológico, seu desconforto é evidente: ele sabe que, de acordo com a profecia de Daniel 2, o "último império" é o Romano. Os "reinos divididos" constituem os pés da estátua, e não há como negar isso. Assim, Dorneles tenta explicar que o "Império" Americano na verdade deve ser visto como uma "reminiscência" dos poderes de Roma e do papado. Ora, não seria melhor então escolher um outro conceito? Afinal, um "império" que sequer conseguiu controlar o Iraque talvez não mereça esse epíteto...
O autor ainda comete alguns deslizes grotescos, desta vez sem se respaldar em qualquer "autoridade". Por exemplo, afirma que "no século 16, apesar da realização de Colombo, ainda havia na Europa a crença numa Terra plana, sustentada por séculos pela igreja" (p. 68). Como já é amplamente conhecido hoje, a convicção de que os líderes eclesiásticos medievais defendiam um Terra plana não passa de um mito (criado provavelmente no início do séc. XIX, pelo escritor de ficção Washington Irving). Basta pesquisar por imagens do imperador Carlos Magno, o maior dos soberanos do Ocidente medieval, para ver que ele segura um globo, o símbolo do seu poder. Em com relação à reunião de Salamanca, quando Colombo defendeu o seu projeto de traçar uma rota para as Índias navegando em direção ao Ocidente, a preocupação era simplesmente com relação à distância do percurso que ele estava propondo. Nada foi dito sobre o suposto achatamento do planeta. Assim, é importante ser cuidadoso com relação às acusações que estão sendo imputadas à Igreja Católica, primeiramente para não incorrer em falso testemunho, e depois para não cair em descrédito perante um público bem informado. O catolicismo cometeu muitos erros ao longo da História: não é preciso recorrer à ficção para desqualificá-lo.
Em outros momentos, o "pecado" é a imprecisão: por exemplo, quando menciona-se um discurso de Franklin D. Roosevelt pronunciado no dia 6 de janeiro de 1941. Dorneles menciona que ele foi proferido "antes da Segunda Guerra Mundial" (p. 123). Na verdade, o discurso foi proferido antes do envolvimento dos EUA no conflito (a Segunda Guerra Mundial começou em 1939, com a invasão da Polônia pelo Exército Alemão). Nessa mesma página (123), comete um outro absurdo factual, qual seja, que os norte-americanos promoveram os ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki "quando a guerra já estava vencida". Qualquer pessoa minimamente informada sobre a Segunda Guerra Mundial sabe que o Japão imperial estava longe de desistir do conflito, como prova a tenacidade dos seus pilotos kamikazes. Foi por isso que o governo estadunidense justificou os ataques: eles, na verdade, serviriam para poupar vidas, tanto do lado americano quanto do lado japonês. Não fazia sentido prolongar o conflito indefinidamente. Outro erro factual é mencionado na p. 164: na verdade os EUA invadiram o Iraque em 2003, e não em 2002, como é informado.
Para finalizar, é preciso mencionar que Dorneles não consultou as fontes históricas americanas diretamente, e sim através da bibliografia, o que prejudica a qualidade da sua análise. Assim, considerando a importância do tema e todos os erros acima expostos, só nos resta torcer para que a CPB publique uma segunda edição livre dessas "impurezas" que, infelizmente, maculam a obra.
Corrida do Ouro na Califórnia (1848-55)
sexta-feira, 2 de setembro de 2016
Brancos, nativos americanos e negros trabalham na prospecção de ouro na margem ocidental do rio Sacramento, c. 1850.
Beinecke Rare Book & Manuscript Library, Yale University.
"Em 1848, pepitas de ouro foram descobertas em uma serraria à margem do rio Americano, na Califórnia. No forte Sutter, o assentamento mais próximo, o capitão John Sutter não sabia exatamente o que fazer com a notícia. Ele estava endividado havia muito, e a descoberta de ouro poderia significar grandes riquezas. Mas também poderia significar hordas de recém-chegados e caos. Os índios colomas que viviam nessas terras contaram a Sutter uma lenda segundo a qual 'o ouro era uma mau remédio porque pertencia a um demônio ciumento em um lago montanhoso margeado de ouro.' Para os índios, o ouro de fato se mostrou um mau remédio. Para o homem branco, fez muitos agirem como demônios. Na pacata cidade de San Francisco, um mercador correu pela rua agitando uma garrafa de vidro cheia de pepitas brilhantes e gritando: 'Ouro! Ouro! Ouro do rio Americano!'. Em poucos dias, a maioria dos homens deixou a cidade rumo à serraria de Sutter. Quando a notícia chegou ao leste, em 1849, milhares de pessoas partiram para a Califórnia atrás de ouro."
DAVIDSON, James West. Uma breve história dos Estados Unidos. Tradução de Janaína Marcoantonio. Porto Alegre, RS: LP&M, 2016, p. 200.