“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Pérola de Scruton (II)

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A Administração Colonial Espanhola

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

1. O vasto império que os espanhóis conquistaram em menos de meio século durou mais de 300 anos. Os resultados de sua administração se comparam com vantagem aos de outras nações europeias. Os administradores, juristas e eclesiásticos espanhóis preocuparam-se com os fundamentos morais do poder imperial.

2. Em parte, isso pode ter sido uma "racionalização do desejo de adquirir novas terras e riquezas. Nesse sentido, os reis católicos apelaram para o papa Alexandre VI, que definiu o primeiro limite entre as terras espanholas e portuguesas do Novo Mundo na Bula Inter Coetera (1493). Tal divisão nunca foi aceita pelos franceses e pelos ingleses, e foi questionada pelos portugueses. Assim, os dois povos ibéricos firmaram o Tratado de Tordesilhas (1494). A demarcação definitiva das terras de Portugal e Espanha só se estabeleceu no Tratado de Saragoça (1529).  
  
3. Nem mesmo os espanhóis aceitaram que a aprovação pontifícia, por si só, bastava para justificar a anexação de territórios nativos. Assim, o dominicano John Major, influenciado por Aristóteles, concluiu em 1511 que os espanhóis tinham o direito de governar os índios porque estes lhes eram naturalmente inferiores. Sepúlveda chegou a uma conclusão análoga. Entretanto, suas opiniões tinham pouco peso junto do governo central. O bispo Las Casas (ver adiante), ardoroso advogado dos direitos dos índios, considerou a encomienda colonial "onerosa, injusta, tirânica e abominável". O jurista Francisco de Vitória defendeu que os índios estariam tão sujeitos à lei internacional como os espanhóis. Os nativos deviam escutar o Evangelho, ainda que não desejassem aceitá-lo.   

4. Na prática, a política da autoridade local se sobrepunha frequentemente aos decretos do rei da Espanha e do Conselho das Índias. O idealismo do governo espanhol e a sua falta de senso prático são exemplificados pelo Requerimento, um documento que os conquistadores deviam ler aos indígenas antes de começarem a fazer-lhes guerra. Tal documento pedia aos nativos que reconhecessem a supremacia do papa e a soberania do rei de Castela. As bulas do papa Paulo III de 1537, especial a Sublimis Deus, declaravam que os índios eram seres racionais, plenamente capazes de se tornarem bons cristãos. Estes mesmo princípios surgiram nas "Leis Novas" (1542), de Carlos V.      

5. O governo dos novos territórios moldou-se no de Castela. Cada parcela do império formava uma entidade legal independente, sobre a qual o rei espanhol reinava. O Conselho das Índias, formado a partir de 1524, veio a ter completa autoridade sobre todos os aspectos da administração colonial. Só a Inquisição espanhola escapava, de certo modo, da sua jurisdição.   

6. O Conselho das Índias emitia leis e decretos, fazia as nomeações importantes para os cargos da Igreja e do Estado, censurava todas as publicações coloniais e funcionava como tribunal de apelação de última instância. O sistema de inspeções que o Conselho criou para proteger a autoridade real acabava por sufocar todas as iniciativas. Dois vice-reis representavam o rei da Espanha nas Américas - o da Nova Espanha, que governava da Cidade do México, e o da Nova Castela, que governava de Lima. Este tinha precedência sobre o primeiro.  

7. A seguir, vinham distritos, governados por um governador, orientado por uma audiencia (tribunal administrativo e judicial). A audiencia constituía o primeiro nível de fiscalização da autoridade do vice-rei; normalmente as relações entre um e outro eram tensas. Outra fiscalização era a residencia, uma revisão judicial da conduta dum funcionário no termo do exercício do seu cargo. A visita não era muito diferente; tratava-se de uma inspeção específica às atividades de qualquer dos agentes da Coroa empreendida por determinação do Conselho das Índias. Existiam ainda corregidores e alcaldes.  

8. O espanhol médio considerava degradante o trabalho manual. Assim, o colono espanhol, desde o início, recorreu ao trabalho indígena. A questão que se colocava era: esse trabalho seria assalariado ou escravo? Os Reis Católicos relutaram inicialmente, mas acabaram por permitir o trabalho obrigatório. Contudo, ordenaram que os trabalhadores nativos fossem bem tratados, recebessem um bom salário e fossem em tudo o mais como "pessoas livres". 

9. Consequentemente, surgiram duas instituições: encomienda e repartimiento. No primeiro caso, um grupo de aldeias indígenas era "encomendado" a um colono espanhol. Este então se comprometia a fornecer-lhes padres e professores e a proteger os índios. Estes, em troca, deviam-lhe um tributo (normalmente o trabalho forçado). Tal sistema foi duramente criticado desde o início, especialmente pelos frades dominicanos. 

10. O repartimiento, por sua vez, referia-se às aldeias "encomendadas" à Coroa. Cada pueblo fornecia semanalmente um certo número de trabalhadores que eram empregados, mediante um salário fixo, pelos colonos espanhóis, sob a fiscalização dum magistrado local. A escravidão era ilegal, mas o trabalho compulsório era um seu equivalente. 

11. O campeão da defesa dos índios foi Bartolomeu de las Casas. Em Hispaniola, em 1502, ele recebeu uma encomienda de índios. Foi o suficiente para se indignar contra esse sistema. Em 1521, devido a ataques de índios, fracassou ao tentar estabelecer uma colônia modelo em Cumana, Venezuela. Depois disso, tornou-se frade dominicano e passou a defender os índios junto à Coroa. Sua influência apareceu nas "Leis Novas" (1542), mas protestos de colonos e uma guerra civil no Peru fez com que algumas de suas medidas mais importantes fossem revogadas.     

12. A partir de meados do século XVII, o governo central espanhol se tornou cada vez mais ineficaz, embora sempre continuasse vigilante e cioso da sua autoridade. Embora inspecionasse tudo, não possuía meios para obrigar que as suas instruções fossem fielmente executadas. Desconfiados de ideias originais, os seus funcionários tendiam a tornar-se meros burocratas, frequentemente incapazes e corruptos. 
  
13. As fronteiras das colônias eram extremamente difíceis de serem guardadas, razão pela qual desde cedo começaram a se fixar estrangeiros nas colônias. Até o comércio colonial, que o governo também procurou limitar aos seus nacionais, foi passando cada vez mais para as mãos de estrangeiros.

14. A cultura e a sociedade do Império colonial espanhol eram estáticas, o que se refletiu numa hierarquia social impregnada de distinções de classes. No topo, espanhóis europeus (os chapetones) detinham todos os principais cargos seculares e eclesiásticos; a seguir, vinha a nobreza colonial e também os comerciantes; os criollos, descendentes de espanhóis nascidos na América, eram abastados mas não tinham acesso aos cargos mais elevados; na base da sociedade estavam os mestizos, os índios, os negros e os zambos (mestiços de índio e negro). 

15. Apesar de suas belas igrejas, seus nobres palácios e suas universidades ilustres, a sociedade colonial espanhola não estava à altura de forjar uma civilização realmente progressista. Bem antes da morte de Filipe IV, em 1665, o império espanhol já estava em declínio.  
  
Bibliografia consultada: GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 249-255.

#15Fatos O Nascimento do Artista

domingo, 22 de setembro de 2019

Giorgio Vasari (1511-1574) e sua obra As Vidas dos Artistas, importante documento histórico sobre diversos artistas do Renascimento.

1. As gerações de humanistas, munidas de imprensa, passaram a instruir o mundo em todas as artes e ciências. Da anatomia à aritmética e da pintura à metalurgia, os prelos não mais cessaram de imprimir tratados. O vernáculo (a língua comum de cada povo) facilitava o trabalho do impressor e o público leitor já não era exclusivamente eclesiástico.  

2. A partir de fins do século XV, em consequência do individualismo emergente e do declínio do espírito corporativo, os trabalhadores intelectuais passaram a apoiar-se no talento, mais do que em segredos (como nas corporações de ofício medievais), para protegerem o valor dos seus serviços. A partir das invenções de outros, publicavam as suas próprias invenções em manuais que informavam o público das últimas novidades da técnica.  
  
3. Um dos primeiros a sentir a necessidade de ensinar foi o escultor Ghiberti, em meados do século XV. Foi também o primeiro a acreditar na importância de registrar a vida dos artistas pelas lições técnicas que esse tipo de documentos incluía. Nascia, assim, o Artista. O maior e mais prolífico sucessor de Ghiberti foi Leone Battista Alberti, o arquiteto do século XV que acreditava que a arquitetura, a pintura e a escultura constituíam uma só arte. Alberti traçou o projeto que, com algumas alterações, veio a ser executado por Bramante, Miguel Ângelo, Maderno e Bernini com vista à criação do mais magnífico monumento da Roma moderna, a Catedral de São Pedro.    

4. Outro italiano, Giorgio Vasari, dividiu-se entre a profissão de pintor e construtor de Florença e a atividade de biógrafo dos mestres modernos das três grandes artes. O seu volumoso conjunto de Vidas é uma fonte inestimável para o historiador cultural. O poder do livro enquanto meio de divulgação de métodos e triunfos artísticos criou a tentação que tem desde então acompanhado qualquer avanço técnico: a superabundância de guias, manuais e "vidas" instrutivas. Cf. as obras de Benvenuto Cellini, o tratado sobre a construção de Palladio, o tratado sobre desenho de Piero della Francesca, o ensaio de Dürer sobre pintura e figura humana e os livros de Leonardo.   

5. Os editores de manuais da Idade Moderna dedicavam atenção nas obras à importância da genuína fé e da moral austera dos artistas. A virtude e a boa arte eram inseparáveis. Partia-se do princípio de que a obra revelava não só a mente, como também a alma do artista. A obra de arte deveria refletir também a ordem hierárquica do mundo, que era de caráter moral. Por intuição ou convenção, o artista devia saber transmitir essa realidade.     

6. Precisamos compreender as condições que levam à emergência, aparentemente arbitrária, de um grande período artístico, neste ou naquele local e durante um segmento de tempo relativamente curto. Não se trata da prosperidade ou de um período de paz e tranquilidade - Florença, no seu auge, estava imersa em conflitos internos e também com o exterior. O primeiro requisito é, certamente, a reunião de mentes ávidas em determinado local.       

7. Os tratados renascentistas afirmam que, além da missão moral, o dever do artista (e, desse modo, a sua intenção) é imitar a natureza. Isso o coloca numa posição análoga à do cientista. Na Idade Média as formas da natureza serviram como ponto de partida aos artistas gráficos, mas estes não se sentiam obrigados a copiá-las fielmente. Além disso, os templos antigos, o Coliseu e os grandes arcos comemorativos já não eram considerados como lamentáveis resíduos do paganismo. Eram agora como criações majestosas que deviam ser estudadas e copiadas.   

8. Giotto baseava-se naquilo a que Vasari chama "a verdadeira forma humana" e reproduzindo-a tão minuciosamente quanto pôde. Tal estilo é por vezes descrito como "realista", ainda que os diferentes artistas tenham representado aspectos reconhecíveis do mundo, bem como características comuns da própria arte da pintura, diferindo nos efeitos globais.  

9. Os diferentes tipos de tinta dão uma aparência diversa a imitações igualmente fiéis. O pintor cria a sua ilusão favorecendo certas cores e ajustando as suas intensidades à imagem daquilo que gosta de ver. No Renascimento partia-se do princípio de que as artes gráficas tinham de "contar" qualquer coisa, além de agradarem aos olhos e ao sentido de composição e de obedecerem às regras de perspectiva. A mitologia era muito apelativa, mas os temas cristãos não perderam terreno, apenas secularizaram-se de diferentes formas.        

10. No século XVI, a arte não tinha renunciado à moralidade ou ignorado os gostos existentes, mas as raízes da autonomia já estavam lá. A apreciação estética envolve também a capacidade de julgar e falar sobre estilo, técnica e originalidade. Tal exigência deu origem a uma nova figura pública: o crítico. Isso levou à separação, em última análise, entre os sabedores e ignorantes. No século XVI, contudo, tanto uns quanto os outros estavam em paz entre si porque comungavam da mesma opinião sobre o papel da arte na sociedade. Até ao final do século XVIII, a opinião pública sustentava que a pintura religiosa e histórica eram os gêneros mais elevados - uma edificava, a outra recordava.   

11. Os retratos vieram a seguir. A natureza ainda não era amada só por si mesma, servindo apenas de pano de fundo no início do Renascimento, e mesmo então era "humanizada" pela presença de templos, colunas ou outros elementos arquitetônicos, juntamente com seres humanos. Á medida que o tempo passou, os motivos seculares ganharam em importância. Em parte isso ocorreu por causa de uma nova técnica: a pintura sobre tela com pigmentos dissolvidos em óleo. 

12. O gosto geral pela reprodução da "vida" impulsionou ainda a ilustração de livros - a princípio, a gravura em madeira; em seguida, a gravura em metal, mais adequada a acompanhar os tipos mais finos. Igualmente popular era a arte da tapeçaria, fundamental tanto para o isolamento das paredes nos climas frios como para efeitos decorativos. A imitação fiel requeria um estudo exaustivo da anatomia humana e da forma e da textura dos objetos inanimados. O nu tornou-se então parte regular da aprendizagem e a natureza precisou ser reformulada para a composição e a harmonia, e ainda mais para a força dramática. O pintor precisava pensar - sua imitação não devia ser servil.

13. A descoberta das leis da perspectiva foi a grande inovação que deu aos pintores do Renascimento a certeza de que estavam no caminho certo para a arte. Para alguns, a Natureza tinha sido redescoberta; para outros, a civilização tinha sido restaurada. Graças à geometria plana, é possível identificar o tamanho e lugar que deve ser dado numa pintura a um objeto a qualquer distância para fazer com que surja com o aspecto que tem na realidade. Um tratado de pintura do início do Renascimento apontou que pintar consiste em desenho, medida e cor.  
  
14. O artista já não era anônimo como tinha sido quase sempre na Idade Média. O arquiteto, o escultor, o pintor assinavam agora as suas obras, ou eram reconhecidos em letra de forma. O artista era também ocasionalmente escritor. Descreve a sua obra e os seus pontos de vista, relata as suas lutas, publica as suas notas aos seus patrões. Não se deve pensar que, ao tornarem-se artistas, os pintores e outros do gênero deixavam de ser artesãos no sentido físico. As artes gráficas são enraizadas na matéria e a mínima competência requer habilidade e conhecimentos sobre pigmentos, óleos, cola, madeira, cera, gesso - e como manipular ovos crus. 

15. O verdadeiro homem do Renascimento não deve ser definido pelo gênio, que é raro, nem mesmo pelos numerosos talentos performativos de um Alberti. Define-se melhor pela variedade de interesses e pelo seu cultivo na qualidade de amador proficiente. Era-lhe exigido pelo menos a base do Humanismo, "as belas letras". Evidentemente, nos séculos XVI e XVII, era mais fácil do que hoje ser um generalista nas artes e, até certo ponto, na ciência.    
  
Extraído de: BARZUN, Jacques. Da Alvorada à Decadência - 500 anos de vida cultural no Ocidente (de 1500 à actualidade). Tradução de António Pires Cabral e Rui Pires Cabral. Lisboa: Gradiva, 2003, p. 82-96.

Os Índios e os Escalpos

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

"(...) O costume de escalpelar o inimigo morto foi observado no primeiro contato entre as tribos da Nova Inglaterra até a Califórnia e de partes do Subártico até o Norte do México. Escalpos e o ato de fazer o escalpo estavam imersos em mitos e rituais de tantas tribos que as raízes autóctones desse costume na América do Norte estão além de questionamento sério. Por exemplo, entre os pueblos do Sudoeste, 'sociedades de guerreiros' ou 'sociedades de escalpos' desempenhavam importantes funções cerimoniais, sociais e militares; a admissão como sócio nelas era restringida aos homens que tivessem tomado o escalpo de algum inimigo. Em contraste, o costume era desconhecido na Europa Antiga e Medieval e no início da Era Moderna, onde os troféus preferidos eram, em geral, as cabeças inteiras." 

KEELEY, Lawrence H. A Guerra antes da Civilização - o Mito do Bom Selvagem. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 217-218.

Inovações da Baixa Idade Média

domingo, 15 de setembro de 2019

© British Library: The Luttrel Psalter, Add MS 42130 fol 181r

Na Baixa Idade Média (séculos XI ao XV), uma série de mudanças nas técnicas agrícolas promoveram a gradual transição da economia de subsistência feudal para uma economia volta ao mercado. Dentre essas inovações se destacam a invenção do arado de ferro (charrua), e a nova forma de atrelá-lo ao animal (pelo peito, e não mais pelo pescoço); o início da roda d'água (acima), que liberava para o trabalho agrícola animais que até então eram usados nos moinhos como força motriz; o arroteamento de novas áreas para o cultivo e a drenagem de pântanos; e, finalmente, a rotação trienal das culturas. Tudo isso contribuiu para elevar a produção e a produtividade agrícola.   

O Monopólio Monetário do Estado

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O dinheiro é um requisito indispensável para o funcionamento de uma ordem ampliada de cooperação entre pessoas livres. Apesar disso, quase desde o seu surgimento o dinheiro tem sofrido tantos abusos vergonhosos por parte dos governos que se tornou a principal causa de perturbação de todos os processos auto-ordenáveis dessa ordem. Com exceção de breves períodos de tranquilidade, a história da administração do dinheiro pelo governo tem sido marcada por fraudes e logros incessantes. Assim, os governos revelaram-se muito mais imorais do que seria possível a qualquer entidade privada que fornecesse diferentes tipos de dinheiro concorrentes entre si. A economia de mercado estaria mais apta a desenvolver suas potencialidades se o monopólio monetário do Estado fosse abolido.   

Adaptado de: HAYEK, Friedrich A. von. Os erros fatais do socialismo. Tradução de Eduardo Levy. Barueri: Faro Editorial, 2017, p. 142-143.

"Justiça Social" e "Direitos Sociais"

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

A expressão "justiça social" não passa de uma fraude semântica da mesma linha de "democracia popular". O conceito induz as pessoas a acreditarem que existe uma "justiça privada". 

"Social" se aplica a tudo o que reduz ou elimina as diferenças de renda. Nesse sentido, todo apelo para que sejamos "sociais" é, na prática, uma exortação para que se avance rumo à "justiça social" do socialismo. Isso, porém, é irreconciliável com uma ordem de mercado competitiva e com o desenvolvimento e mesmo a manutenção da população e da riqueza. Desta forma, por meio desses equívocos, as pessoas passaram a chamar de "social" o que constitui o principal obstáculo à manutenção mesma da "sociedade". O "social" deveria, na realidade, chamar-se "antissocial". 

Todo o conceito por trás da expressão justiça distributiva - segundo a qual cada indivíduo deveria receber o que merece moralmente - é desprovido de sentido na ordem ampliada da cooperação humana, pois o produto disponível depende de uma forma de alocar suas partes que é, em certo sentido, moralmente indiferente. O mérito moral simplesmente não pode ser determinado de forma objetiva e, seja como for, a adaptação do todo maior aos fatos ainda a descobrir exige que aceitemos que o sucesso não se baseia na motivação, e sim nos resultados. 

Se o interesse comum é de fato nosso interesse, não devemos ceder a esse aspecto instintivo demasiado humano, mas, ao contrário, permitir que o processo do mercado determine as recompensas. Ninguém é capaz de avaliar, exceto por intermédio do mercado, a dimensão de uma contribuição individual ao produto global. 

Uma ética anticapitalista continua evoluindo com base em erros cometidos por pessoas que condenam as instituições geradoras de riqueza, às quais devem a própria existência. Fingindo-se amantes da liberdade, elas condenam a propriedade privada, o acordo, a concorrência, a propaganda, o lucro e até o próprio dinheiro. Imaginando que sua razão pode lhes mostrar como organizar os esforços humanos para melhor servir aos seus desejos inatos, elas mesmas representam uma grave ameaça à civilização.   

Adaptado de: HAYEK, Friedrich A. von. Os erros fatais do socialismo. Tradução de Eduardo Levy. Barueri: Faro Editorial, 2017, p. 160-162.

«A Grande Depressão Americana»

domingo, 8 de setembro de 2019

Baixe essa obra gratuitamente aqui.

«Encyclopedia of Jewish Humor»

sábado, 7 de setembro de 2019

Baixe essa obra gratuitamente aqui.

Amor e Ódio ao Dinheiro

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

"O dinheiro, a verdadeira 'moeda' da interação comum, é, pois, a menos conhecida de todas as coisas e - talvez junto com o sexo - objeto das fantasias mais irracionais; e, como o sexo, ao mesmo tempo fascina, intriga e repele. A literatura que versa sobre essa matéria talvez seja mais ampla do que aquela dedicada a qualquer outra; e sua leitura faz com que as pessoas se sintam levadas a concordar com o escritor que há muito tempo declarou que nenhum outro tema, nem mesmo o amor, levou mais homens à loucura. 'O amor o dinheiro', declara a Bíblia, 'é a raiz de todos os males' (I Timóteo, 6:10). Mas a ambivalência a respeito dele talvez seja ainda mais comum: o dinheiro aparece ao mesmo tempo como o mais poderoso instrumento de liberdade e o mais sinistro instrumento de opressão. Esse que é o meio de troca mais amplamente difundido evoca todo o mal-estar que os indivíduos sentem em relação a um processo que não podem compreender, que amam e odeiam ao mesmo tempo e de cujos efeitos desejam com tanta intensidade alguns ao passo que detestam outros que são inseparáveis dos primeiros."   

HAYEK, Friedrich A. von. Os erros fatais do socialismo. Tradução de Eduardo Levy. Barueri: Faro Editorial, 2017, p. 140.

Dia Mundial da Amazônia

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Neste Dia Mundial da Amazônia, minha singela homenagem aos militares brasileiros que atuam na defesa desse grande bioma e de nossa soberania sobre ele. De forma especial, minha homenagem ao Centro de Instrução de Guerra na Selva.    

Homenagem à Cidade de Vitória

terça-feira, 3 de setembro de 2019

#15Fatos O Império Otomano

domingo, 1 de setembro de 2019

Sultão Maomé II entrando em Constantinopla, pintura de Fausto Zonaro (1854-1929). Saiba mais: A Queda de Constantinopla

1. O Império Otomano foi "um despotismo militar trazido por uma série de sultões competentes da Ásia Menor para Constantinopla, e daí até às portas de Viena." Apesar disso, os otomanos não eram bárbaros, e em certos aspectos foram os "herdeiros conscientes" do Império Bizantino. O sultão Maomé II, após ter conquistado Constantinopla (1453), assumiu também título de Kaisar-i-Rum (imperador romano). O esclarecido sultão sabia grego e preservou os monumentos da sua nova capital, além de ter poupado Atenas. 

2. Especiarias, sedas e ouro sudanês eram trazidos de lugares distantes da Ásia e da África até ao porto de Alexandria, para daí ser embarcado para a Europa setentrional e ocidental. A posse de Constantinopla, "uma das grandes encruzilhadas comerciais do mundo conhecido", tornou os turcos uma potência marítima. Além de passarem a controlar os bens equipados estaleiros da antiga capital de Bizâncio, os turcos passaram a utilizar carpinteiros navais gregos e italianos para a construção das suas imponentes galeras. Embora diverso na religião, na raça e na cultura, o Império Otomano era uma parte da Europa. 
  
3. O estado otomano era constituído por duas autoridades, o governo e a instituição moslémica (igreja). Ambas se fundamentavam na Lei sagrada maometana (Xeri) ou Kanuns, do próprio sultão, do adet (costumes estabelecidos) e do urf (vontade soberana do sultão). A instituição governante era formada pelo sultão, pelos altos funcionários (chefiados pelo grão-vizir) e pelo exército permanente     

4. Em relação à instituição moslémica, ela era constituída por professores, teólogos e juristas, que tinham como principal função a interpretação da Lei Sagrada. Os murfis incorporavam e fortaleciam aquele conservantismo e imutabilidade basilares da fé islâmica. O sultão era o chefe tanto do governo quanto da instituição moslémica, e, em tese, sua vontade só era limitada pelo Xeri e pelos costumes reconhecidamente aceites do estado. Verdadeiro autocrata, o solo dum território conquistado passava a ser sua propriedade pessoal.    

5. O Império Otomano estava dividido em duas partes, a Turquia europeia (ou Rumélia) e Turquia asiática (ou Anatólia). Cada uma dessas partes era constituída por províncias administradas por governadores. Os servidores do sultão recebiam as terras conquistadas num regime de vassalagem com estritas obrigações de serviço militar. Ainda assim, cada membro da instituição governante era kul (escravo pessoal do sultão). Embora a escravidão pessoal significasse absoluta dependência ao sultão, também implicava em certos privilégios judiciais e em isenção de impostos.

6. As mulheres do harém e os filhos do sultão estavam subordinados à vontade imperial. Apesar disso, a valida sultão (princesa-mãe) podia exercer um domínio poderoso sobre um sultão fraco ou menor, como ocorreu durante o século XVII. Segundo um kanun de Maomé II, o filho que sucedesse no trono tinha o direito de mandar executar os irmãos (geralmente por estrangulamento com um cordão de seda). Tal ação era justificada pelos teólogos mediante um versículo do Corão onde se declara que "a revolução é pior que as execuções". Esta "lei do fratricídio" diminuiu a quantidade de lutas internas, evitou o predomínio duma aristocracia de sangue e deu certa estabilidade ao império.       

7. Os janízaros constituíam a faceta mais notável e única da instituição governante. Eles eram inicialmente meninos cristãos, recrutadas entre dez e vinte anos, de modo a poderem vir a ser o núcleo do exército turco. O método mais habitual de obtê-los era mediante tributo (devchurmé). Alguns pais detestavam-no, uma vez que implicava em abandono do cristianismo pelos filhos, mas outros aceitavam-no por ele permitir aos filhos a possibilidade de ascensão aos mais altos cargos do império. Isso foi o que ocorreu a Ibrahim, grego cristão de nascimento, aprisionado por piratas e recrutado como janízaro. Ele alcançou o posto de grão-vizir de Solimão I, o Magnífico (1520-1566).     

8. Os escravos eram divididos em duas classes. Os que tinham melhor intelecto recebiam uma educação perfeita, a fim de poderem ocupar altos postos administrativos. Os demais recebiam uma educação predominantemente física e ingressavam depois no corpo dos janízaros, ou infantaria. Em ambos os casos as promoções dependiam do mérito e da capacidade. A meritocracia no Império Otomano deslumbrava até mesmo observadores cristãos que deploravam a devchurmé, tais como o bailo veneziano Marcantonio Barbaro e o representante do Sacro Império em Constantinopla, Ogier Ghiselin de Busbecq.  

9. Todos os coetâneos reconhecem a disciplina, a coragem e a força dos exércitos turcos, ainda que talvez se tenha exagerado sobre seu talento militar. A instituição governante estava subordinada às necessidades do exército, e era principalmente uma "máquina militar", ainda que não fosse necessariamente uma tirania. Por exemplo, a administração das províncias usufruía de boa dose de liberdade, os camponeses das terras recentemente conquistadas podem até ter achado os seus novos senhores mais generosos e justos e a lei moslémica protegia os súditos cristãos contra as conversões forçadas, enquanto eles pagassem o imposto conhecido como kharaj.        

10. O sultão era investido de tamanha autoridade autocrática que ele ou não confiava nos seus ministros, ou se tornava um mero instrumento deles. Até Solimão I foi vítima dessa fraqueza. Ele permitiu que sua esposa russa, Roxelana, o malquistasse com o competente grão-vizir Ibrahim, e ordenou que o matassem. O poder absoluto era mais perigoso quando a degenerescência e a incapacidade se juntavam à desconfiança. Selim II, o Ébrio (1566-1574), era um incapaz que só foi salvo da ruína pelo competentíssimo grão-vizir Maomé Sokoli. Após ele, vários sultões foram destronados e um deles foi assassinado.

11. Em 1595, assim que chegou ao poder, Maomé III mandou executar seus dezenove irmãos. No entanto, após a sua morte, em 1603, a "lei do fratricídio" foi suspensa. Em geral, de 1617 a 1924, o filho mais velho foi quem sucedeu no trono. Em meio às turbulências, um grão-vizir competente podia manter a unidade do império. Contudo, seus poderes eram grandes mas também os riscos de sua posição, uma vez que era o centro de todas as invejas da corte. Uns vinte dos cerca de duzentos vizires que atuaram como primeiros-ministros ao longo da história do império foram executados, e muitos mais caíram em desgraça.  

12. As galeras turcas adequaram-se apenas a uma estratégia restrita e a servirem no Mediterrâneo. Além disso, como o exército era o governo, as vicissitudes da guerra afetaram, mais do que qualquer outra coisa, o futuro do país. Os janízaros podiam decidir uma sucessão disputada ao trono, e destronar e nomear sultões. Outras fraquezas que condenaram o Império Otomano a um lento declínio foi a ausência de um funcionalismo civil eficiente, um tesouro recheado e o desenvolvimento cultural e econômico necessários à manutenção dum grande império.  

13. A política turca sempre se fundamentou mais nas conveniências do momento do que numa diplomacia prudente. Com frequência, as guerras eram extraordinariamente indecisas. Quatro temas dominaram a política externa da Turquia: 
1º) A hostilidade dos persas (muçulmanos xiitas, ao contrário dos turcos, sunitas);
2º) A aliança com a França contra o imperador Habsburgo ("Francisco I ter-se-ia sem dúvida aliado com o demónio se este combatesse contra Carlos V..."); 
3º) O comércio e a guerra com Veneza (esta mudou sua política em relação ao Império Otomano em diversas vezes; sozinha, pouco poderia fazer para derrotar os turcos);
4º) A oposição aos Habsburgos na Europa oriental e no Mediterrâneo.    

14. O momento mais crítico da Europa face à ameaça turca se deu sob o reinado do já citado Solimão I, o mais competente de todos os sultões. No verão de 1521, tomou Szabacs e Belgrado, abrindo assim o caminho para se apoderar das ricas planícies da Hungria. Um ano depois, forçou os Cavaleiros Hospitalários a lhe entregarem Rodes. Aproveitando-se da divisão das potências ocidentais, os exércitos turcos atravessaram o Danúbio (1526) e derrotaram decisivamente o exército do rei Luís II da Hungria e Boêmia. Três anos depois, em 1521, o exército de Solimão chegou a cercar Viena, por 24 dias.   
  
15. Solimão veio a sustar o cerco. Nos trinta anos imediatos, ocorreram três outras expedições. Quando Solimão morreu (1566), seu império era vasto e poderoso. No entanto, faltava-lhe um sucessor à altura. Em 7 de outubro de 1571, D. João de Áustria comandou uma grande esquadra da Liga Santa que praticamente aniquilou a frota turca de Ali Paxá em Lepanto. Tal derrota anunciou uma lenta decadência geral que os governos dos débeis sultões da primeira metade do século XVII patenteariam ao mundo. Em 1660, o Império Otomano já não representava ameaça à Cristandade ocidental.     
  
Bibliografia consultada: GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 401-415.