domingo, 31 de dezembro de 2023
HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 166.
Historia magistra vitae est. Cícero (106-43 a.C.)
Por uma questão de concisão, listarei, sem longo comentário, uma série de recomendações que, caso seguidas, devem aumentar a efetividade da instrução didática em sua forma oral.
1. Para estimular a escuta ativa, a apresentação deve atrair e prender a atenção. Ela só será bem-sucedida se os estudantes esperarem ser questionados pelo professor tanto durante a aula como posteriormente. O conteúdo nunca está "acabado".
No período de aula, nunca se deve dedicar mais da metade do tempo à exposição, permitindo, assim, que a outra metade seja reservada a perguntas. Desse modo, nenhuma aula se tornará uma sessão de escuta passiva e sonolenta, ou uma em que os alunos tomam notas a fim de memorizar o que esperam que se repita nas provas.
2. O discursivo instrutivo deve ter uma dimensão tanto retórica como lógica. Apenas a organização e o rigor não bastaram para que a instrução didática seja efetiva. Para que os professores sejam eficazes retoricamente, devem mostrar que possuem um interesse vívido no assunto como um todo e "reencenar" o tópico específico que estão abordando. O entusiasmo e o discurso imaginativo são contagiantes, por meio deles se prende a atenção dos ouvintes que precisam ser estimulados. Quando os professores apenas contam o que sabem e mostram-se entediados pelo que dizem, esse tédio também é contagioso.
3. O interesse enérgico, a mente ativa e a atenção fixa são causados, seja nos professores, seja nos alunos, pelas emoções do fascínio e da descoberta. Os professores devem tentar incluir, no começo das suas aulas, um certo elemento de fascinação e, então, incitar nos alunos o sentimento de excitação causado pela descoberta, que, por sua vez, requer o fascínio. Este pode ser gerado ao se apresentar a lição como uma espécie de quebra-cabeça; desse modo, o prazer da descoberta será a resposta do enigma.
4. Professores que já sabem aquilo que os estudantes devem aprender inevitavelmente colocam-se a uma certa distância dos seus alunos. Se, durante a exposição instrutiva, eles permanecerem nessa posição distante, não serão capazes de alcançar os alunos. Se tentarem eliminar essa distância supondo que o desconhecimento dos alunos é o mesmo da média da população, acabarão avançando muito pouco. Em vez disso, devem encontrar um ponto intermediário entre o seu conhecimento e a ignorância dos alunos.
Em outros termos, os professores devem evitar estes dois extremos: não devem falar muito acima do nível dos alunos, ou seja, além da capacidade deles de entender o que se diz, e também não devem simplificar demais a exposição e, assim, perder a atenção da classe ao serem óbvios, tediosos e terem ares de superioridade. O ponto intermediário está em dizer coisas que os estudantes podem facilmente compreender acompanhadas de coisas que lhes demandam certo esforço par se entender. Este esforço deve, então, ser "reencenado" no período de perguntas depois da exposição.
5. O período de perguntas e respostas que, em todas as aulas, vem depois da exposição instrutiva deve sempre ser uma conversa bilateral. Deve incluir perguntas feitas pelos alunos e respondidas pelo professor e também perguntas do professor aos alunos. O ensino didático, se não acompanhado dessa conversa autêntica, sempre deixa os professores num estado de ignorância sobre o que conseguiram de fato realizar. Se essa falta de contato crescer com o passar do tempo, o ensino será cada vez menos efetivo. A menos que o professor descubra, por meio de perguntas e respostas, o que se passa na mente dos seus ouvintes, ele não tem como direcionar os seus esforços didáticos.
6. Para que se obtenha máxima efetividade, no começo da aula deve-se dizer aos alunos o que se espera que aprendam e por que eles devem prestar atenção nisso. Esses comentários iniciais devem ser ditos clara e enfaticamente. Depois, o conteúdo principal da exposição segue as linhas gerais dadas no início, de modo que os ouvintes percebam como um ponto leva a outro. Se uma aula tem três pontos principais, cada um pode ser brevemente resumido depois de exposto. Talvez o professor precise repetir algumas coisas. A apresentação deve terminar com um resumo claro e breve que conduza à sessão de perguntas e respostas.
Ao longo de toda a apresentação, a linguagem empregada deve ser clara e simples, porém sem ser enfadonha, e também elevada sem ser obscura. Os professores não devem ter medo de ser eloquentes, ou até mesmo dramáticos, e não devem usar gírias ou baixo calão na tentativa de serem populares. Mudanças no ritmo da expressão e no tom de voz podem ser muito úteis para prender a atenção do público e, se puderem, os professores devem acompanhar a sua fala com gestos e outros tipos de linguagem corporal. Os melhores professores não têm medo de se verem como atores num teatro.
7. Por último, e mais importante, vem o conselho de que menos é mais. Em qualquer aula dedicada à exposição didática, o objetivo não é apresentar certo conteúdo pré-definido, mesmo se essa "apresentação" deixar os estudantes confusos. O objetivo sensato é apresentar tanto conteúdo quanto os alunos sejam capazes de absorver, o que pode ser medido por meio da conversa bilateral depois da "mini-palestra". Pode ser que se apresente menos conteúdo do que se esperava, mas, assim, os alunos aprenderão mais.
As sete recomendações oferecidas acima aplicam-se principalmente à exposição instrutiva acerca de assuntos não explicados nas leituras obrigatórias. Quando houver leituras obrigatórias, a exposição na sala de aula deve consistir num resumo breve (quinze minutos, por exemplo), porém claramente organizado, em que se detalha o que os alunos deveriam ter aprendido com o livro e, a seguir, deve vir uma sessão de perguntas e respostas mais longa que de costume.
MORTIMER, Adler J. A Proposta Paidéia. Tradução de Paulo Bonafina. Campinas, SP: CEDET, 2021, p. 242-245.
Pois se a Ilíada é um livro de origem, com a Odisséia é a literatura que começa, com tudo o que isso supõe de imitação - em grego, mímesis. Simone Weil tinha, de fato, razão ao escrever que a Odisséia é uma imitação da Ilíada. Uma imitação irônica, diria eu. Quando Aquiles explica a Ulisses que preferia "ser um tete a serviço de um camponês" a reinar sobre o império dos mortos, ele põe em dúvida o ideal da morte heróica, que é precisamente o ideal da Ilíada. A bela morte é o valor exemplar da Ilíada. A Odisséia nos ensina, magnificamente, a arte da sobrevivência. A morte, não custa lembrar, será doce para Ulisses, e é isso que ele fica sabendo no reino de Hades, no canto XI. A Ilíada, na Odisséia, tornou-se poesia; ela é cantada pelas sereias, por um aedo na terra dos feaces e em Ítaca.
VIDAL-NAQUET, Pierre. O Mundo de Homero. Tradução de Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 116-117.
Quando Ulisses, no canto XVII [da Odisseia], sob a aparência de um ancião, entra em seu palácio, "um cão estendido no chão estica as orelhas". É Argo, o cãozinho que Ulisses alimentara, sem ter podido fazer dele o seu companheiro de caça. Os pretendentes o haviam utilizado para caçar cabras selvagens, lebres e gamos. Agora, o velho cão, cheio de carrapatos, vive perto do lixo, diante da porta do palácio. Ulisses o reconhece e, com emoção, faz algumas perguntas sobre ele ao porqueiro Eumeu, que ainda não identificara o seu senhor. Eumeu explica: Argo era um galgo infalível na caça. Agora seu dono morreu, e ele não passa de um cão escravo.
Os servidores, desde o momento em que não têm mais um senhor,
não querem mais trabalhar como é preciso.
E Zeus, o ensurdecedor, tira a metade do valor
de um homem, a partir do dia em que é entregue à escravidão.
Argo reconhece o seu dono e morre em seguida.
Mas a morte negra se apossou de Argo
Assim que reconheceu o dono, que partira havia vinte anos.
VIDAL-NAQUET, Pierre. O Mundo de Homero. Tradução de Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 117-118.
Anne van der Bijl (1928-2022), internacionalmente conhecido como Irmão André, foi um missionário neerlandês que fundou a Portas Abertas. Seu ministério teve início em 1955, quando ele começou a contrabandear Bíblias para os países da então Cortina de Ferro. Anos depois, o Irmão André e seus apoiadores expandiram as suas atividades para além do Leste Europeu e da União Soviética, alcançando países do então chamado "Terceiro Mundo", na África, Ásia e América Latina. O testemunho abaixo é relativo à Guerra Civil de El Salvador, travada entre 1979 e 1992. O encontro entre o Irmão André e Alberto, um dos líderes guerrilheiros, ocorreu no início dos anos 1980.
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Um dos meus encontros mais memoráveis foi com Alberto, o comandante de um grupo de rebeldes que havia tomado totalmente determinada cidade. De boa aparência, extremamente carismático, ele usava uma boina preta, camisa cáqui, calça jeans azul enfiada nas botas militares e uma pistola na coxa. Dois guarda-costas não desgrudavam dele, com metralhadoras calibre cinquenta e bandoleiras trançadas no peito.
Também reparei que Alberto usava dois relógios. "Se um para, ainda tenho o outro para saber as horas", disse. Obviamente era uma pessoa bem treinada e disciplinada.
Primeiro ele nos contou seu passado e sua "juventude perdida", e como ele encontrou nova esperança nos ensinamentos marxistas. Depois do treinamento em Cuba, com direito até a um encontro com Fidel Castro, voltou a seu país com verdadeiro senso de propósito, pois, acreditava ele, a revolução traria justiça à vida em El Salvador. Impressionou-me esse jovem inteligente, e achei que seu zelo revolucionário daria um trecho interessante do vídeo.
- Alberto - disse eu -, gostaria de entrevistá-lo diante das câmeras, mas sob uma condição importante: você precisa falar a verdade. Vou lhe fazer uma pergunta, e quero que você me olhe bem nos olhos e me diga a mais absoluta verdade, de homem para homem. Concorda?
Ele refletiu por um momento e olhou em volta.
- Certo, vou lhe dizer a verdade - disse.
Algo em mim dizia que ele estava sendo sincero.
A equipe ligou o equipamento de filmagem. Então, encarando Alberto, fiz minha primeira pergunta.
- Esta revolução é de vocês ou importada?
Não creio que ele estivesse preparado para pergunta tão direta. O modo como ele me responderia teria importância crucial, e ele sabia disso. Veio um silêncio constrangedor. Ele olhou em torno, talvez para ver quanta gente podia ouvi-lo.
Continuei a encará-lo, e as câmeras continuaram gravando. O homem que um instante antes transpirava tamanha força e confiança, parecia agora bem vulnerável.
Finalmente ele se voltou e me olhou bem nos olhos, como havia prometido, respondendo:
- É importada.
Que tremenda confissão, especialmente para alguém de posto tão elevado na hierarquia da guerrilha. Por alguma razão, quando ele se viu confrontado com uma espécie de prova dos nove, não pôde mentir. Com essas duas palavras, ele revelara a verdadeira essência da revolução. Era fabricada, e estava sendo imposta às pessoas.
ANDRÉ, Irmão. O Contrabandista de Deus - desafiando os limites da fé: a missão continua além da cortina de ferro. Tradução de Eduardo Pereira E. Ferreira. São Paulo: Missão Portas Abertas, 2020, p. 174-175.