domingo, 29 de janeiro de 2023
Historia magistra vitae est. Cícero (106-43 a.C.)
A realização de medidas referentes à temperatura global apresenta dificuldades inextricáveis. Para avaliar corretamente a temperatura média do planeta são necessárias diversas aferições, efetuadas diariamente sobre toda a superfície. As principais dificuldades encontradas nessa atividade aparentemente simples, segundo o próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), são as seguintes:
1. Uma cobertura de espaço incompleta, que varia consideravelmente;
2. As modificações advindas dos diferentes horários e modos de aferição;
3. As alterações nos termômetros advindas de suas exposições;
4. Os deslocamentos das estações meteorológicas;
5. As modificações nos meios ambientes das estações, em especial o desenvolvimento urbano.
Para se ter uma ideia, citamos as grandes dificuldades de medição de temperatura da superfície do oceano. Os oceanos do Hemisfério Sul só são acessados em suas rotas marítimas. Suas temperaturas, que até pouco só eram aferidas por navios comerciais, são pouco conhecidas. Inicialmente, as medições eram realizadas com a ajuda de baldes destinados a extrair a água do mar. Diversos materiais foram utilizados em sua fabricação (madeira, metal, tecido e borracha). Isso certamente influenciou na aferição, gerando distorções. Posteriormente, a medição foi realizada nos tubos condutores de água do mar dos navios, o que introduzia um erro considerável. As variações de velocidade e altura dos navios - e, consequentemente, do vento aparente - são outra fonte de erros. As mudanças ocorridas no modo de aferição da temperatura da água, segundo as estimativas, já respondem por um erro da ordem de 0,3 a 0,7ºC. Algumas correções são aplicadas na tentativa de corrigir esses fatores, e elas se dão, frequentemente, por meio de decisões subjetivas que dão margem a todo tipo de contestação e manipulação.
Porém, o principal problema referente à medição da temperatura global é a influência da urbanização, que introduz um erro sistemático na alta. A contaminação dos dados pelas ilhas de calor urbanas é incontestável. Assim, em grande parte dos Estados Unidos, as aferições realizadas nas estações rurais revelam uma queda nas temperaturas entre 1920 e 1984. A influência das ilhas urbanas de calor sobre os dados, portanto, é considerável, e poderia falsear enormemente a medição do aumento da temperatura do planeta. O "aquecimento global" detectado pelo IPCC estaria entre 0,3 e 0,6ºC. Os números precedentes, comparáveis e por vezes até mesmo superiores, dão a entender que isso seria em grande parte ou totalmente devido ao aquecimento urbano.
Adaptado de BERNARDIN, Pascal. O Império Ecológico, ou A Subversão da Ecologia pelo Globalismo. Tradução de Diogo Chiuso e Felipe Lesage. Campinas, SP: Vide Editorial, 2015, p. 194-196.
O Selvagem suspirou profundamente.
- A população está ótima - disse Mustafá Mond - obedece ao modelo do iceberg: oito nonas partes abaixo da linha de flutuação e uma nona parte acima dela.
- E são felizes os que estão abaixo da linha de flutuação?
- Mais felizes do que os que estão acima dela. Mais felizes do que os seus dois amigos aqui, por exemplo - e apontou para eles.
- Apesar daquele trabalho horrível?
- Horrível? Eles não acham. Pelo contrário, até gostam. É leve, de uma simplicidade infantil. Nenhum esforço excessivo da mente nem dos músculos. Sete horas e meia de trabalho leve, de modo algum exaustivo, e depois a ração de soma, os esportes, a cópula sem restrições e o cinema sensível. Que mais poderiam pedir? É verdade - acrescentou - que poderiam pedir uma jornada de trabalho mais curta. E, por certo, nós poderíamos concedê-la. Do ponto de vista técnico, seria perfeitamente possível reduzir a três ou quatro horas a jornada de trabalho das castas inferiores. Mas isso as faria mais felizes? Não, de modo algum. A experiência foi tentada, há mais de século e meio. Toda a Irlanda foi submetida ao regime de quatro horas de trabalho diário. Qual o resultado? Perturbações e um acréscimo considerável do consumo de soma, nada mais. Essas três horas e meia de folga suplementar estavam tão longe de ser uma fonte de felicidade, que as pessoas se viam obrigadas a gastá-las em fugas pelo soma. O Departamento de Invenções está cheio de planos destinados a economizar mão de obra. Milhares de planos - Mustafá Mond fez um gesto largo. - E por que não os executamos? Para o bem dos trabalhadores; seria pura crueldade infligir-lhes folgas excessivas. O mesmo ocorre na agricultura. Poderíamos sintetizar cada um dos nossos alimentos, se quiséssemos. Mas não o fazemos. Preferimos conservar um terço da população trabalhando na terra. Para seu próprio bem, porque é preciso mais tempo para obter alimentos tirados da terra do que para fabricá-los numa usina. Além disso, temos de pensar na nossa estabilidade. Não queremos mudar. Toda mudança é uma ameaça à estabilidade. Essa é outra razão que nos torna pouco propensos a utilizar invenções novas. Toda descoberta da ciência pura é potencialmente subversiva: até a ciência deve, às vezes, ser tratada como um inimigo possível. Sim, a própria ciência.
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014, p. 268-269.
A existência na civilização correspondia à dependência do soma; era a possibilidade de ficar na cama e ter fugas sobre fugas, sem delas voltar com dor de cabeça ou vômitos; sem ter de sentir o que sempre sentia depois de tomar peyotl - a sensação de ter feito algo tão vergonhosamente antissocial que não poderia mais andar de cabeça erguida. O soma não trazia nenhuma dessas consequências desagradáveis. Proporcionava um esquecimento perfeito, e se o despertar era desagradável, não o era intrinsecamente, mas apenas em comparação com as alegrias desfrutadas. O recurso era tornar contínua a fuga. Avidamente, alguns usuários reclamavam doses cada vez mais fortes, cada vez mais frequentes. Com o consentimento do Dr. Shaw, Linda chegou a tomar vinte gramas por dia. Ao ser questionado se isso não lhe encurtaria a vida, o Dr. Shaw respondeu:
- Sob certo ponto de vista, sim. Mas, sob outro, nós realmente a estamos prolongando. O soma pode fazer perder alguns anos no tempo, mas pensem nas durações enormes, imensas, que ele é capaz de proporcionar fora do tempo. Todo sono produzido pelo soma é um fragmento daquilo que os nossos antepassados chamavam de eternidade.
Adaptado de HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014, p. 187-188.
Deram a volta à sala, uma procissão circular de dançarinos, cada um com as mãos nos quadris do dançarino precedente - e assim continuaram, volta após volta, gritando em uníssono, batendo com os pés ao ritmo da música, marcando vigorosamente a cadência com as mãos nas nádegas do que estava à sua frente; doze pares de mãos batendo como uma só; como uma só, doze pares de nádegas ressoando viscosamente. Doze em um, doze em um. "Ouço-o, ouço-o chegar!" A música acelerou-se, os pés bateram mais rápido, mais rápido, ainda mais rápido, bateram as mãos rítmicas. E subitamente uma poderosa voz sintética de baixo rugiu as palavras que anunciavam a expiação próxima e a consumação final da solidariedade, a vinda do Doze-em-Um, a encarnação do Grande Ser. "Orgião-espadão", cantou ela, enquanto os tantãs continuavam a martelar seu rufo febril:
Orgião-espadão, Ford e alegria a rodo,
Com beijos unir-se às moças num só Todo!
E cada rapariga vá com seu rapaz;
Orgião-espadão assim vos satisfaz.
"Orgião-espadão..." Os dançarinos retomaram o refrão litúrgico: "Orgião-espadão, Ford e alegria a rodo, com..." E, enquanto cantavam, as luzes iam amortecendo lentamente - amortecendo e, ao mesmo tempo, tornando-se mais quentes, mais ardentes, mais rubras, de tal modo que, por fim, eles dançavam na penumbra vermelha de um Depósito de Embriões. "Orgião-espadão..." Na sua obscuridade fetal e cor de sangue, os dançarinos continuaram por algum tempo a circular, a bater, a bater incessantemente o ritmo infatigável. "Orgião-espadão..." Depois a ronda oscilou, rompeu-se, desagregando-se parcialmente sobre os divãs que rodeavam - um círculo encerrando outro círculo - a mesa e suas cadeiras planetárias. "Orgião-espadão..." Ternamente, a Voz, profunda, cantarolava e arrulhava; na penumbra vermelha, seria possível dizer que um enorme pombo negro planava, benfazejo, acima dos dançarinos agora deitados sobre o ventre ou sobre o dorso uns dos outros.
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014, p. 109-111.
Um edifício cinzento e atarracado, de trinta e quatro andares apenas. Acima da entrada principal, as palavras CENTRO DE INCUBAÇÃO E CONDICIONAMENTO DE LONDRES CENTRAL e, num escudo, o lema do Estado Mundial: COMUNIDADE, IDENTIDADE, ESTABILIDADE.
A enorme sala do andar térreo dava para o norte. Apesar do verão que reinava para além das vidraças, apesar do calor tropical da própria sala, a luz tênue que entrava pelas janelas era fria e crua, buscando, faminta, algum manequim coberto de roupas, algum vulto acadêmico pálido e arrepiado, mas só encontrando o vidro, o níquel e a porcelana de brilho glacial de um laboratório. À algidez hibernal respondia a algidez hibernal. As blusas dos trabalhadores eram brancas, suas mãos estavam revestidas de luvas de borracha pálida, de tonalidade cadavérica. A luz era gelada, morta, espectral. Somente dos cilindros amarelos dos microscópios vinha um pouco de substância rica e viva, que se esparramava como manteiga ao longo dos tubos reluzentes.
- E esta - disse o Diretor, abrindo a porta - é a Sala de Fecundação.
No momento em que o Diretor de Incubação e Condicionamento entrou na sala, trezentos Fecundadores, curvados sobre os seus instrumentos, estavam mergulhados naquele silêncio em que se ousa apenas respirar, naquele cantarolar ou assobiar inconsciente que traduz a mais profunda concentração. Uma turma de estudantes recém-chegados, muito jovens, rosados e inexperientes, seguia com certo nervosismo, com uma humildade um tanto abjeta, os passos do Diretor. Todos traziam cadernos de notas, em que, cada vez que o grande homem falava, rabiscavam desesperadamente. Eles bebiam ali seu saber na própria fonte. Era um privilégio raro. O D.I.C. de Londres Central sempre fazia questão de conduzir pessoalmente seus novos alunos na visita aos vários serviços e dependências.
(...)
- Ao Processo Bokanovsky - repetiu o Diretor, e os estudantes sublinharam essas palavras em seus cadernos.
Um ovo, um embrião, um adulto - é o normal. Mas um ovo bokanovskizado tem a propriedade de germinar, proliferar, dividir-se: de oito a noventa e seis germes, e cada um destes se tornará um embrião perfeitamente formado, e cada embrião, um adulto completo. Assim se consegue fazer crescer noventa e seis seres humanos em lugar de um só, como no passado. Progresso.
- A bokanovskização - disse o D.I.C., para concluir - consiste essencialmente numa série de interrupções do desenvolvimento. Nós detemos o crescimento normal e, paradoxalmente, o ovo reage germinando em múltiplos brotos.
(...)
Um dos estudantes, todavia, cometeu a tolice de perguntar em que consistia a vantagem.
- Meu bom rapaz! - o Diretor virou-se vivamente para ele. - Não vê, pois? Não vê? - Ergueu a mão; sua atitude era solene. - O Processo Bokanovsky é um dos principais instrumentos de estabilidade social!
Um dos principais instrumentos de estabilidade social.
Homens e mulheres padronizados, em grupos uniformes. Todo o pessoal de uma pequena usina constituído pelos produtos de um único ovo bokanovskizado.
- Noventa e seis gêmeos idênticos fazendo funcionar noventa e seis máquinas idênticas! - sua voz estava quase trêmula de entusiasmo. - Sabe-se seguramente para onde se vai. Pela primeira vez na história. - Citou o lema planetário: - "Comunidade, identidade, estabilidade". - Grandes palavras. - Se pudéssemos bokanovskizar indefinidamente, todo o problema estaria resolvido.
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014, p. 21-26.
E o lar era sórdido psíquica e fisicamente. Do ponto de vista psíquico, era uma toca de coelhos, um monturo, aquecido pelos atritos da vida que nele se comprimia. Que intimidades sufocantes, que relacionamento perigoso, insensato, obsceno, entre os membros do grupo familiar! Insanamente, a mãe cuidava de seus filhos (seus filhos)... cuidava deles como uma gata cuida de seus filhotes... mas como uma gata que falasse, uma gata que soubesse dizer e repetir uma e muitas vezes: "Meu filhinho, meu filhinho!...". E ainda: "Meu filhinho, oh, oh, ao meu seio, as mãozinhas, a fome, este prazer indescritivelmente doloroso! Até que, finalmente, meu filhinho dorme, meu filhinho dorme com uma bolha de leite branco no canto da boca. Meu filhinho dorme...".
***
Nosso Ford - ou nosso Freud, como, por alguma razão inescrutável, preferia ser chamado sempre que tratava de assuntos psicológicos -, Nosso Freud foi o primeiro a revelar os perigos espantosos da vida familiar. O mundo estava cheio de pais - e, em consequência, cheio de aflição; cheio de mães - e, portanto, cheio de toda espécie de perversões, desde o sadismo até a castidade; cheio de irmãos e irmãs, tios e tias - cheio de loucura e suicídio.
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014, p. 59 e 60.
Admirável Mundo Novo é uma obra classificada como "distopia". O autor, Aldous Huxley (1894-1963), lançou-a em 1932 e, no prefácio de 1946, reconheceu: "... a promiscuidade sexual de Admirável Mundo Novo não parece tão distante. Já existem cidades norte-americanas em que o número de divórcios é igual ao de casamentos. Dentro de poucos anos, sem dúvida, licenças para casamento serão vendidas como as licenças para a posse de cães, válidas por um período de doze meses, sem nenhuma lei que proíba a troca de cães ou a posse de mais de um cão de cada vez. À medida que diminui a liberdade política e econômica, a liberdade sexual tende a aumentar como compensação. E o ditador (a não ser que precise de massa de manobra e de famílias para colonizar territórios despovoados ou conquistados) agirá prudentemente estimulando essa liberdade." (p. 17)
Promiscuidade. Vazio existencial. Controle de massas. Eis o nosso mundo, nu e cru. Nesse sentido, separei um trecho do romance bem revelador da nossa triste realidade distópica. Resta saber se os portadores de boas novas, os únicos que realmente têm algo a oferecer àqueles que sofrem com a falta de sentido na vida, estarão à altura de sua elevada missão.
***
Lenina meneou a cabeça.
- Não sei por que - disse, pensativa -, mas já faz algum tempo que não me sinto muito inclinada à promiscuidade. Há ocasiões em que isso acontece. Você nunca sentiu a mesma coisa, Fanny?
A outra inclinou a cabeça num gesto de simpatia e compreensão.
- Mas é preciso fazer o esforço necessário - disse em tom sentencioso. - É preciso portar-se convenientemente. Afinal, cada um pertence a todos.
- Sim, cada um pertence a todos - Lenina repetiu lentamente a fórmula e, suspirando, calou-se um momento; depois, tomando a mão de Fanny e apertando-a de leve:
- Você tem razão, Fanny. Como sempre. Farei o esforço necessário.
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014, p. 65.
Sete décadas de Educação UNESCO baniram o latim das escolas para entronizar o hip hop e incluir os oprimidos, excluindo a base clássica, a razão aristotélica, a moral judaico-cristã e a fonte primeira da cultura jurídica. Atenas, Jerusalém, Roma e três milênios de síntese cristã foram descartadas. Em compensação, entrou um pacote formado pela diversidade/igualdade/liberdade/tolerância.
Nada disso aconteceu num vácuo filosófico. Immanuel Kant (1724-1804) é o pivô da crônica. No contexto do Iluminismo, a razão foi colocado num pedestal, e Kant se afligia com isso. Chegara, portanto, a hora de julgar a juíza. De filosofar sobre a base mesma da filosofia e de fazer a crítica de quem tudo criticava.
Ora, tal era a mesma posição de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que peitou a onda materialista do racionalismo iluminista. Exaltando a emoção em meio à frieza enciclopedista, Rousseau desprezava o intelecto para exaltar sentimentos e paixão, idealizando um mundo impoluto, intocado pelos desvios da civilização, longe da artificialidade urbana e movido pela espontaneidade cândida de outrora. A razão mais atrapalharia do que ajudaria as pessoas.
A ruptura kantiana foi além. O professor de Königsberg quebrou a dogmática da razão, mas abriu as portas a todo tipo de idealismo, irracionalismo e antirrealismo para legitimar toda forma de subjetivismo. A realidade profunda estaria fora de alcance, o que a levaria a ser simplesmente qualquer coisa. Assim, Kant abriu as portas à intuição, restaurou o poder da emoção e resgatou os instintos com o intuito de salvar a fé. Porém, inoculou o vírus do subjetivismo, lançando as bases de uma tirania ideológica a massacrar a realidade objetiva para idolatrar o foro íntimo. Em síntese, quebrou a hegemonia do pensamento modernista para implantar o embrião do pós-modernismo.
O primado da razão engendrou, pois, Newton e a ciência, Adam Smith e o capitalismo, Montesquieu e a democracia representativa. Mas, ocasionou de quebra o reflexo ateísta a inspirar a contraofensiva kantiana; a semente desta germinaria no pós-modernismo, em meados do século XX.
O pós-modernismo leva o método científico a perder primazia, e lança suspeitas sobre a tecnologia. Idem em relação ao desenvolvimento econômico. Logo, as coisas retornam ao pensamento de Rousseau - a civilização corrompe. A racionalidade europeia legitimaria o imperialismo, que massacrou as demais culturas.
Para completar, o mérito pessoal sai de cena. A responsabilidade pessoal é reduzida. A ética é coletivista. O capitalismo é perverso e a solução seria alguma forma de socialismo ou, no mínimo, algum tipo de redistribuição de renda.
Nesse rescaldo, a escola UNESCO se tornou efetivamente o mais poderoso motor de propagação do niilismo.
Outros filósofos merecem menção. Hegel (1770-1831) se opôs a Kant, no ponto em que este via a contradição com maus olhos. A contradição, na verdade, seria a chave explicativa do universo. A realidade seria movida por forças contraditórias (tese x antítese). Além disso, Hegel pensa em termos coletivos, e não individuais. O homem não teria toda a independência que Kant imaginava. A mente é fruto do ambiente cultural.
Karl Marx (1818-1883) absorveu a dialética hegeliana, em detrimento da lógica aristotélica. E, igualmente, tomou de Hegel a primazia do grupo sobre o indivíduo; a ética coletivista; e a rejeição de qualquer verdade absoluta em favor de uma versão evolutiva da realidade.
Nietzsche (1844-1900), seguindo por uma linha parecida, defendia que estava na hora de libertar-se das arbitrárias categorias da lógica. Razão é artifício de covarde. Força e ousadia valeriam mais do que o intelecto. Arrematando, Schopenhauer (1788-1860) dizia que a realidade é profundamente irracional; a verdade estaria definitivamente fora do seu alcance. Vontade e emoção são bem mais sutis. Kierkegaard (1813-1855), por sua vez, dizia que não existe meio racional de acesso à essência das coisas. Não há como chegar lá sem um ato de fé.
Heidegger (1889-1976), já no século XX, foi mais além: a razão não só seria incapaz de penetrar a realidade, ela representaria um obstáculo ao conhecimento. A linguagem seria uma armadilha, e seu desmonte é condição para qualquer cognição digna do nome. Nesse raciocínio, a compreensão seria tributária de filtros linguísticos que direcionam a percepção. O que a mente captura é função do discurso. O objeto pensado pouco intervém no ato intelectivo. O sujeito pensante é que cria o mundo externo por meio de representações moldadas de forma arbitrária conforme as escolhas terminológicas e o sentido proclamado. Para modificar as relações de força, portanto, bastaria manipular o vocabulário.
Antirrealismo, subjetivismo, relativismo. Eis o pós-modernismo em sua essência. A verdade seria meramente instrumental e sempre visaria um fim político. Foi-se pelo ralo, para sempre, a lógica aristotélica.
A UNESCO sempre trabalhou dentro dessa matriz filosófica. Nesse sentido, por não dar lugar a pensamentos divergentes, produziu um deserto filosófico. A documentação produzida pela organização que prova isso é tão abundante que citá-la seria impossível. Difícil, sim, seria localizar uma só fonte que sugira o contrário.
Adaptado de LAMBERT, Jean-Marie. Educação Unesco - a clonagem das mentes. Londrina, PR: E.D.A., 2020, p. 167-177.
Parte I disponível AQUI.
O casal de lésbicas Ruth Benedict e Margaret Mead passaram a defender o jardim da infância como um espaço para se "corrigir muitos desvios adquiridos no contexto familiar", e a sala de aula seria o lugar da integração na "sociedade mundial". Essa era a perspectiva sociopolítica da equipe de Tavistock. Com apoio e dinheiro da Fundação Rockefeller, a clínica mudou seu estatuto para "instituto", em 1947.
Atualmente, o Instituto Tavistock promove pesquisas mercadológicas voltadas para atitudes e comportamentos. Trabalha para empresas multinacionais, órgãos governamentais, entidades hospitalares, etc. Estaria normalizando o uso de drogas e promovendo a permissividade sexual, estando, portanto, associado à decadência ocidental. Em síntese, participaria ativamente da engenharia cultural que impulsiona a degringolada moral da sociedade contemporânea.
Passar da psiquiatria individual para a psiquiatria social e daí para a psiquiatria escolar, foi só um passo... ensaiado, justamente, pela UNESCO em parceria com a linha tavistockiana entre 1945 e 1948.
Alguns integrantes da clínica e, posteriormente, Instituto Tavistock merecem ser mencionados. O primeiro, Ronald Hargreaves, atuou na Segunda Guerra Mundial como perito psiquiátrico do Exército Real britânico. Com sua larga experiência na análise de perfil psicológico, bem como avaliação psicológica coletiva, passou a integrar a equipe do Instituto Tavistock após a guerra.
John Rawling Rees, foi membro fundador da Clínica Tavistock, da qual se tornou diretor em 1933. Promoveu a transformação da clínica em instituto com a ajuda financeira da Fundação Rockefeller. Outros membros de destaque: Henry Victor Dicks, especialista em psicopatologia coletiva dos regimes autoritários; Wilfred Bion, considerado por muitos o maior psicanalista depois de Freud; Jock Sutherland, John Bowlby, Isabel Menzier Lyth, Kurt Lewin foram outros psicanalistas importantes do instituto.
Brock Chisholm, psiquiatra canadense, foi o arquiteto da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ele compartilhava contatos com a equipe de Tavistock, e era ideologicamente próximo de John Dewey. Nesse sentido, dizia combater os tabus familiares e os preconceitos religiosos que deixariam a criança indefesa diante "da superstição e do ódio" e "dos caprichos paternos".
Em 1946, Chisholm reuniu-se com John R. Rees com o objetivo de empoderar a "psiquiatria social". Julian Huxley, diretor da UNESCO, partilhava do ideal de Chisholm. Em 1948, surgiu a Federação Mundial para a Saúde Mental (World Federation for Mental Health - WFMH), com Rees como presidente. A articulação da WFMH com a UNESCO e a OMS deixou-se rastrear seguindo os passos de Irina Zhukova, ministra da Educação da URSS, que atuava como mediadora entre as duas primeiras.
Uma vez estrategicamente implantados nos órgãos relevantes da ONU, os objetivos, as noções e os métodos tavistockianos de engenharia social estavam fadados a contaminar a arquitetura da organização por inteiro e infiltrar os espaços nacionais por gotejamento ideológico em questão de tempo. O tripé UNESCO/OMS/WFMH tornou-se o canal para conquistar as Nações Unidas. Além da Fundação Rockefeller, a Fundação Ford e, mais recentemente, a Fundação Bill&Melinda Gates e outras fundações, como as ligadas a George Soros, tornaram-se os agentes patrocinadores para a propagação nos Estados Membros da ONU.
Para finalizar, nada mais revelador do que as palavras de H. C. Rumke, que assumiu a presidência da WFMH em 1953:
"Toda criança ingressando na escola aos 5 anos é insana porque vem à escola [...] leal às crenças herdadas da família [...] acreditando num ser sobrenatural [...] e na soberania da nação como entidade separada [...]. Cabe ao professor curá-la e fazer dela a criança internacional do futuro."
Adaptado de LAMBERT, Jean-Marie. Educação Unesco - a clonagem das mentes. Londrina, PR: E.D.A., 2020, p. 82-90.
Desde 1999, uma série de tiroteios mortais tem abalado a comunidade escolar norte-americana. E o primeiro episódio dessa triste sequência foi o Massacre de Columbine, Colorado. Durante meses, foram muitas as manchetes e debates sobre o ocorrido, mas o barulho deixou escapar um detalhe: o atirador estava sob efeito de psicotrópicos.
O fato se confirma, inclusive, na maioria dos casos análogos. Virginia Tech, Sandy Hook, Parkland... quase sempre, um ou outro coquetel de medicamentos fazia parte do cenário: um calmante para controlar a hiperatividade, um estimulante para combater a apatia, um antidepressivo para corrigir a ansiedade dos primeiros, um sedativo para dormir, uma pílula para acordar e, finalmente, um comprimido para enlouquecer de vez e metralhar os colegas de escola.
A mídia não explorou muito esse lado do problema, mas o fato é que drogas de toda natureza, indicadas por médicos ou não, tornaram-se o pão cotidiano do americano médio. Toda essa história começou na segunda metade do século XIX, com a internação de Clifford Wittingham Beers (1876-1943) num hospital psiquiátrico do Connecticut.
As instituições da época pouco ofereciam para tratar a depressão. Quando muito, serviam para retirar os "loucos" de circulação. Clifford W. Beers, uma das vítimas desse sistema, relatou tudo o que sofreu numa autobiografia que lhe granjeou a simpatia do público e da classe médica. Animado, Beers lançou o Movimento Americano de Higiene Mental (1919), que logo se articulou com iniciativas análogas em diversos países para formar o Movimento Internacional de Higiene Mental. A julgar pelas informações disponíveis, a iniciativa limitava-se a revolucionar a psiquiatria, e não a sociedade.
Nesse período Entreguerras, o behaviorismo e a psicanálise freudiana estavam no auge. Mais especificamente em 1920, o neurologista Hugh Crichton-Miller fundou a Clínica Tavistock, em Londres. Sigmund Freud e Carl Jung, sucessivamente, ocuparam a sua vice-presidência. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), desempenhou papel chave na organização dos serviços psiquiátricos do exército britânico e funcionou como agente de guerra psicológica. O foco, porém, deixou de ser individual e passou a focar a coletividade.
Nesse sentido, um paradigma era rompido. O Movimento de Higiene Mental, até então, visava o conforto e o tratamento das pessoas afetadas por distúrbios psiquiátricos. Com Tavistock, o interesse se deslocou para a mecânica social, a dinâmica de grupo, a funcionalidade comunitária (ver a indicação bibliográfica acima - a imagem do post).
O doutor J. C. Meakins, representante do Canadá nas negociações de 1948, defendeu os programas escolares e a necessidade de formar o "cidadão ideal", explicando que a resistência às mudanças sociais nas experiências da primeira infância. Logo, a reversão do problema implicaria na transferência da educação familiar para professores treinados em saúde mental e aptos a detectar distúrbios comportamentais incipientes. Em outras palavras, o docente vira um "psiquiatra" com especialização em engenharia humana.
Parte II disponível AQUI.
Adaptado de LAMBERT, Jean-Marie. Educação Unesco - a clonagem das mentes. Londrina, PR: E.D.A., 2020, p. 78-82.
"Por que a sua mãe não o lava com o sabão Fairy?", pergunta o garotinho loiro ao amigo afro-americano. Propagandas racistas e misóginas eram relativamente comuns, até fins do século XX.
Neste dia de Reis, trago essa imagem da bela Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. Esse templo é, provavelmente, o lugar mais sagrado do cristianismo no mundo. Segundo a tradição, foi nesse local que Jesus foi crucificado. Lá também estaria a tumba onde ELE foi sepultado e de onde ressuscitou.
Em 1636, surgiu nos Estados Unidos o Harvard College (Faculdade de Harvard), o primeiro a receber subsídios públicos. Ele funcionava como seminário para a formação de pastores, magistrados e administradores. A mesma época registrou as primeiras grammar schools a ministrar ensino de nível secundário voltado para a aprendizagem do latim, grego e hebraico. Mas sempre com base em iniciativas e recursos locais - com exceção do Harvard College.
O ambiente da época não tolerava qualquer heresia, mas a famosa instituição de ensino de Massachusetts se distinguia por um fundamentalismo particularmente rígido que, de tanto reprimir os diferentes, acabou provocando uma dissidência de profundas consequências.
A tomada de Harvard pelo pensamento unitarista aconteceu em 1805, com uma virada eleitoral que deixou o calvinismo sem espaço. O calvinismo - que marcou a colonização americana - postulava homens fundamentalmente depravados, salvo alguns eleitos. O unitarismo inverteu o quadro. A natureza humana era essencialmente boa, as instituições é que a pervertiam.
A mudança de perspectiva não apenas relativizava a importância da Bíblia e do supranatural nas opções éticas. Postulava, ao mesmo tempo, a responsabilidade de cada um no desenho do destino pessoal. Educação, portanto, já não se resumia a ganhar o paraíso. Evocava, isto sim, uma formação mais "integral". Despontava assim a corrente humanista, de inspiração iluminista.
Os unitários entendiam a importância da escola na guerra cultural em formação e se organizaram para trazer as common schools sob controle governamental, estabelecendo assim um sistema embrionário de educação pública. Tal sistema logo foi exportado de Massachusetts para vários Estados americanos.
Os professores - que já contavam com verbas de viagem e bolsas de estudo - estavam convencidos da necessidade de universalizar o ensino gratuito. Sofriam a influência do socialista utópico Robert Owen cujos seguidores tinham replicado as experiências escocesas em solo americano. Segundo Owen, o homem é fruto do meio, e círculo vicioso capitalista só pode ser quebrado em contexto cooperativo e altruísta. Nesse sentido, a educação exerceria um papel central.
Naqueles tempos, o mundo germânico recebia grande influência do filósofo Hegel. O homem, em constante interação dialética com a família humana universal, elevava-se inexoravelmente para ápices civilizatórios totalmente emancipados das Escrituras. Racional e autor da própria perfeição, o homo secularis adquiria assim uma espécie de estatuto divino.
O Reino da Prússia - terra de Kant e Hegel - passava por um período conhecido como despotismo esclarecido. Exemplo consumado de estatismo em ascensão, criara um sistema inédito de ensino sob o inteiro controle do governo. A ideia de uma estrutura de ensino sob controle estatal, materializada por decreto imperial na Prússia, conheceria uma extraordinária fortuna pela curiosidade de um grupo de educadores americanos no fim do século XIX.
Os Estados Unidos estavam em busca de alternativa à multiplicidade de programas e sistemas. Os currículos variavam de acordo com a região, e cada escola gozava de autonomia. Educação simplesmente não era problema de governo. Porém, muitos clamavam por uma padronização. Notadamente, a classe docente sob a liderança da National Education Association (NEA).
A história da NEA, criada em 1857, se confunde com a consolidação da educação pública no Ocidente, pois a entidade importou com entusiasmo a ideia prussiana para reexportá-la com o mesmo fervor para o resto do mundo. E o projeto abarcou tanto o esqueleto institucional quanto a cerne pedagógica e a medula filosófica da proposta.
Adaptado de LAMBERT, Jean-Marie. Educação Unesco - a clonagem das mentes. Londrina, PR: E.D.A., 2020, p. 14-19.
A Constituição dos Estados Unidos da América não menciona a educação (ao contrário das constituições latinas). Os norte-americanos ignoravam o conceito mesmo de instrução pública até a segunda metade do século XIX. A ideia de um sistema escolar controlado pelo Estado era completamente alheio à cosmovisão dos Pais Fundadores e dos colonos ingleses. Ainda assim, as comunidades puritanas apresentavam elevadíssimos índices de alfabetização, uma vez que sua cultura repousava na leitura da Bíblia.
Assim, os pioneiros eram letrados por obrigação religiosa. Os mais abastados mandavam os filhos para um estabelecimento particular ou contratavam tutores privados, mas cada cidade mantinha um centro de escolarização gratuita chamado de common school e aberto a todas as classes sociais. Cada localidade organizava currículos e aulas com total autonomia. Não existia sistema de credenciamento, ministério responsável, obrigatoriedade legal, mecanismo de seleção de livros ou curso de formação docente. Não havia sombra de centralização ou de supervisão governamental. Mas funcionava a contento, pois a tradição calvinista passava sem falha de uma geração à outra.
Adaptado de LAMBERT, Jean-Marie. Educação Unesco - a clonagem das mentes. Londrina, PR: E.D.A., 2020, p. 13-14.