quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
Peças datam de até 800 a.C.; cidade iraquiana de Mossul teve milhares de livros e manuscritos raros destruídos no domingo
LONDRES — As vítimas da barbárie jihadista não são apenas humanas. Um pedaço da História da civilização humana foi destroçado pelo Estado Islâmico (EI) em Mossul, a segunda maior cidade iraquiana. Estátuas e artefatos milenares foram destruídos a golpes de marreta, furadeiras e brocas elétricas, causando incalculável prejuízo à humanidade, para a revolta de especialistas e estudiosos. Em um vídeo divulgado nesta quinta-feira pelo grupo fundamentalista, é possível ver militantes atirando esculturas datadas do século VII a.C. ao chão, reduzindo-as a pedaços.
— É certamente uma tragédia para o Iraque e para o mundo. São objetos insubstituíveis — disse ao GLOBO, o professor Hugh Kennedy, da Escola de Estudos Orientais e Africanos (Soas), da University of London.
Em outro trecho dos cinco minutos de gravação, os extremistas demoliram uma gigantesca estátua de Lamasu, uma divindade protetora assíria representada por um touro alado, que ainda hoje é reproduzida na moeda do Iraque, o dinar. A destruição foi realizada no Museu Ninevah, em Mossul, tomado pelo EI em junho do ano passado, pouco antes do grupo anunciar a criação de um califado que abrange uma vasta região iraquiana e síria.
— Muçulmanos, estas estátuas atrás de mim eram ídolos e deuses para povos que viveram séculos atrás, que as adoravam em vez de adorar a Alá — diz no vídeo um homem barbado, diante do touro alado, parcialmente demolido. — O profeta ordenou que nos livrássemos de estátuas e relíquias, e seus companheiros fizeram o mesmo quando conquistaram países depois dele. O profeta enterrou os ídolos em Meca, com suas benditas mãos.
Assim como imagens assírias de Nínive e Nimrud, os radicais aparentemente aniquilaram estátuas de Hatra, uma cidade helenística que existiu há dois mil anos, no Norte do Iraque. Eleanor Robson, professora de História Antiga do Oriente Médio da University College London, confirma que as esculturas foram destruídas, mas acrescenta que alguns objetos no vídeo eram réplicas modernas.
Diretor do novo projeto “Arqueologia ameaçada”, da Universidade de Oxford em parceira com as universidades de Leicester, o arqueólogo Robert Bewley, afirmou que o problema não se limita à destruição. Acredita-se que o EI estaria vendendo peças de grande valor arqueológico no mercado negro para financiar a brutal ofensiva jihadista na região. Segundo ele, do Oriente Médio ao Norte da África, há de três a cinco milhões de sítios arqueológicos sob ameaça.
— Não se sabe quem está comprando. Mas há suspeitas de um grande comércio montado.
Segundo Bewley, as áreas de maior risco agora são partes do Iraque e da Síria onde não há governo efetivo, além de áreas do Egito, locais onde estariam um dos mais importantes patrimônios da história da humanidade.
A destruição repete o que aconteceu no Afeganistão em 2001, quando o país estava submetido ao regime radical islâmico do Talibã, e o líder do grupo extremista, Mohammed Omar, ordenou que se dinamitasse os Budas de Bamiyan, um dos principais monumentos do país. Entre eles, estava a maior estátua de Buda de pé do mundo, com 53 metros de altura, esculpida num rochedo na cidade de Bamiyan. Ela era anterior à chegada do islamismo ao Afeganistão, no século IX. Na época, Omar disse que as estátuas eram “um insulto ao Islã”, representavam “deuses dos infiéis” e deveriam ser destruídas para nunca mais serem reverenciadas. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) chegou a pedir ao Talibã que não destruísse as obras, consideradas patrimônios da Humanidade, mas não teve êxito.
— Eles acham que esses objetos são de um tempo de ignorância, quando o Islã não existia. Consideram shirk (idolatria ou adoração) reverenciar o que não seja Deus. Não é algo compartilhado pelos muçulmanos em geral, que apreciam o patrimônio cultural da Humanidade — disse o especialista em Islamismo do King's College, Carool Kersten.
BARBÁRIE CULTURAL EM MOSSUL
No domingo, o grupo queimou pelo menos 8 mil livros e manuscritos raros da biblioteca pública de Mossul. Eles fizeram ainda uma fogueira com livros culturais e científicos, e ainda levaram embora livros infantis e religiosos, segundo testemunhas. O EI também destruiu, no domingo, uma igreja e o teatro da universidade local.
O biblioteca foi fundada em 1921, após o nascimento do Estado iraquiano moderno. Em seu conteúdo, estavam manuscritos que datavam de até 5000 a.C., livros sírios impressos na primeira gráfica do país, títulos que datam do Império Otomano, jornais locais de décadas anteriores e antiguidades como astrolábios. Grande parte era considerada patrimônio raro pela Unesco. O acervo de famílias da alta sociedade da região também era hospedado na biblioteca.
Uma outra biblioteca foi queimada em janeiro na cidade, com 2 mil livros destruídos.
Mossul concentra 1.791 sítios arqueológicos, entre eles quatro capitais do antigo Império Assírio. O EI já havia destruído outros santuários — incluindo alguns muçulmanos —, vistos como hereges ou idólatras. Kennedy destacou que a cidade sempre teve uma vida intelectual vibrante, com a presença de uma universidade importante. De acordo com o professor, a biblioteca onde foram destruídos oito mil livros pelo EI tinha um acervo importante sobre a independência do Iraque, desde os seus primeiros movimentos, na década de 1920, além de material dos séculos XVIII e XIX.
Ainda nesta quinta-feira, no Nordeste da Síria, o EI continuou os ataques a comunidades cristãs assírias. Foram relatados sequestros de mais pessoas, com algumas entidades elevando o número total de reféns para mais de 350, levados de 12 vilarejos. Negociações estão em curso para tentar a libertação dos sequestrados em troca de jihadistas do EI capturados por milícias curdas e árabes.
Fonte: O Globo
Nota: Hoje é um dia triste para a humanidade, que perde um parte importante do seu passado e de sua identidade. O Estado Islâmico já provou a sua monstruosidade ao degolar, escravizar, queimar e enterrar vivas pessoas indefesas, dentre outras barbaridades. Agora avança na destruição do patrimônio histórico, a exemplo dos talebãs. Torçamos para que uns e outros sejam detidos, e que pelo menos algumas estátuas assírias destruídas sejam restauradas, como poderá ocorrer a pelo menos uma das estátuas de Buda em Bamiyan (não sem alguma polêmica - confira no ZH Notícias).
Um último comentário: os iconoclastas de Mossul deixam bem clara a sua inspiração - o exemplo do Profeta. Talvez isso sirva para calar, de uma vez por todas, os jornalistas politicamente corretos que insistem em negar o óbvio, qual seja, que o fundamentalismo é indissociável do Islã, ainda que nem todos os muçulmanos sejam terroristas.
P.s. Nos últimos dias o "espetáculo dos horrores" do Estado Islâmico foi completado com a destruição das cidades históricas de Nimrud e Hatra. No dia 21/08, foi divulgado que os monstros destruíram o mosteiro de Mar Elian, construído há 1.500 anos, na Síria.
Independentemente do futuro que terá o patrimônio histórico no Oriente Médio, a civilização já impôs uma primeira derrota aos vândalos/terroristas do Estado Islâmico: o Museu Nacional do Iraque, fechado desde 2003, foi reaberto no dia 28/02. Seu acervo conta com muitas antiguidades recuperadas e restauradas. In: O Globo
P.s. Nos últimos dias o "espetáculo dos horrores" do Estado Islâmico foi completado com a destruição das cidades históricas de Nimrud e Hatra. No dia 21/08, foi divulgado que os monstros destruíram o mosteiro de Mar Elian, construído há 1.500 anos, na Síria.
Independentemente do futuro que terá o patrimônio histórico no Oriente Médio, a civilização já impôs uma primeira derrota aos vândalos/terroristas do Estado Islâmico: o Museu Nacional do Iraque, fechado desde 2003, foi reaberto no dia 28/02. Seu acervo conta com muitas antiguidades recuperadas e restauradas. In: O Globo