“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O Golpe da República

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

 

Dois dias após o último baile da monarquia, em 11 de novembro, houve a única reunião dos conspiradores militares com republicanos civis. O marechal Deodoro da Fonseca não queria a reunião. Três civis compareceram, Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo e Rui Barbosa. Deodoro continuava a hesitar, mas no final pareceu concordar. Contudo, havia ainda muita incerteza e insegurança.

No dia 14, Benjamin Constant era favorável a um adiamento para o dia 18, quando todos poderiam estar melhor preparados. Além disso, Deodoro tivera outra crise de asma. Entretanto, o major Sólon decidiu precipitar o movimento. Dirigiu-se ao centro da cidade e começou a espalhar boatos que ele mesmo inventara de que o governo ordenara a prisão do marechal Deodoro e de Constant e que a Guarda Nacional, a polícia e a Guarda Negra iam atacar os quartéis do Exército.

Às 23h do dia 14 o golpe entrou em fase de execução. Deodoro e Constant ignoravam-no por completo. Foram levados para o Campo de Santana, onde seiscentos soldados não sabiam exatamente o que fazer. Alguns, pelo menos, achavam que deveriam defender o Exército contra a Guarda Nacional e a polícia. Alertado, Deodoro tomou uma carruagem e foi ao encontro das tropas. Os republicanos tinham reunidos algumas pessoas que davam vivas à República. Deodoro mandou que se calassem.

O visconde de Ouro Preto, chefe do Conselho de Ministros, recebera vários avisos sobre a conspiração, mas não lhes dera muita importância. Na madrugada do dia 15, uma sexta-feira, enviou um telegrama, que estava em Petrópolis. Começou, então, um jogo de empurra, de desculpas, de simulações, entre os chefes militares, o ministro da Guerra e Floriano Peixoto. Ninguém obedecia às determinações de Ouro Preto para atacar os revoltosos. A tarefa era fácil, pois havia ao redor e dentro do quartel um número de soldados três vezes superior ao dos atacantes. Deodoro chegou ao quartel e dirigiu-se a Ouro Preto, fazendo um discurso e, ao final, declarou deposto o ministério. Ouro Preto enviou outro telegrama ao imperador, pedindo demissão.

Durante todo o dia, houve grande conspiração. Os conspiradores se desesperavam com a indefinição de Deodoro. À tarde, José do Patrocínio reuniu gente na Câmara Municipal e fez a proclamação. Pelas 18h, vários republicanos se dirigiram à casa do marechal, que não os recebeu por estar de cama. Benjamin Constant respondeu por ele, evasivamente, dizendo que a decisão do povo seria levada em conta. Decepcionados, todos se retiraram.

O imperador só desceu ao Rio após receber o segundo telegrama, mesmo sem ter ideia da gravidade da situação. Enquanto isso, no palácio Isabel planejava-se uma reação. D. Pedro II foi diretamente para o paço da cidade, onde chegou às 15h, sem dificuldades.

Durante todo o dia 15, foi grande a confusão. A Câmara recém-eleita e o Senado ainda não se tinham reunido. Ouro Preto chegou ao palácio e indicou como sucessor Silveira Martins. Porém, o senador gaúcho estava em viagem, e era desafeto de Deodoro. Atacara o marechal no Senado e levara a melhor na disputa pelas atenções da baronesa do Triunfo, no Rio Grande do Sul. A simples referência a Silveira Martins pode ter sido a gota d'água para acabar com a indecisão de Deodoro.

A princesa Isabel e o esposo pediram a d. Pedro que convocasse o Conselho de Estado. Reunidos às pressas, às 23h, os conselheiros sugeriram que chamasse Saraiva ao invés de Silveira Martins. Procurado no hotel de Santa Teresa, onde morava, Saraiva aceitou o convite. A seguir, buscou contato com Deodoro, que respondeu ao emissário que era tarde. O imperador mantinha-se abúlico e fatalista.

No dia 16, sábado, a família imperial continuava sitiada no paço, onde ainda se pensou em reação. O comandante do Almirante Cochrane, almirante Bannen, ofereceu asilo ao monarca. Havia uma saída pelos fundos do palácio. Mas d. Pedro achou indigno fugir à noite e abrigar-se em navio estrangeiro. Às 15h do dia 16, o major Sólon chegou ao palácio com a mensagem da derrubada da monarquia, assinada por Deodoro. A família imperial era intimada a sair do país o mais rápido possível. O agora ex-imperador manteve-se imperturbável, irritando-se apenas quando o governo provisório antecipou a partida para as primeiras horas do dia 17. Com a decisão, o novo governo tentava evitar que houvesse manifestações populares, a favor ou contra a monarquia.

Adaptado de CARVALHO, José Murilo. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 215-219.

Princesa Isabel (1846 - 1921)

domingo, 14 de novembro de 2021

 

Isabel com uma Camélia no decote, símbolo de adesão à causa abolicionista.

Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaéla Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança 
Rio de Janeiro, 1846 - França, 1921.

Nasceu no dia 29 de julho de 1846, no Palácio da Quinta da Boa Vista. Era a segunda filha do imperador D. Pedro II e da imperatriz Tereza Cristina. Educada por renomados preceptores e mestres, Isabel se tornou uma mulher extremamente religiosa, o que lhe angariou no futuro algumas antipatias da parte daqueles que consideravam exagerado o seu zelo católico.

Em agosto de 1850, foi proclamada oficialmente herdeira ao trono brasileiro. Em outubro de 1864, Isabel se casou com o conde d'Eu, neto do rei Luís Felipe e filho mais velho do duque de Nemours. Dessa união, iniciou-se o ramo dos Orléans e Bragança. A cerimônia foi realizada na Capela Imperial, em frente ao Paço Imperial. Do casamento, nasceram três filhos: Pedro de Alcântara, Luiz e Antônio.

Isabel assumiu a regência da monarquia de 25 de maio de 1871 a 30 de março de 1872; de 26 de março de 1876 a 25 de setembro de 1877; de 30 de junho de 1887 a 21 de agosto de 1888. Na primeira ocasião, sancionou a Lei do Ventre Livre, aprovada em 28 de setembro de 1871.

Durante o último período em que atuou como regente, a campanha abolicionista ganhou enorme popularidade no país. O tema tornou-se suprapartidário e qualquer adiamento da abolição parecia impossível, apesar da resistência do então presidente do Conselho de Ministros, o Barão de Cotegipe, defensor da extinção gradual da escravidão mediante indenização aos senhores de escravos. Um fato corriqueiro abriu caminho para que a princesa Isabel substituísse o Barão de Cotegipe por João Alfredo Corrêa de Oliveira no comando do ministério. João de Oliveira era francamente abolicionista, e assumiu a presidência do Conselho de Ministros no dia 10 de março de 1888.

Em Petrópolis, Isabel protegia os escravos e chegou a presidir a entrega de mais de cem cartas de alforria a ex-escravos. No dia 9 de maio, a Câmara aprovou a abolição da escravatura por 83 votos a favor e nove contra. Depois de três dias, o Senado precisou ceder e também aprovar o projeto. No dia 13 de maio, no Paço da Cidade, a princesa Isabel tornou-se a "Redentora" a Lei Áurea. A cidade viveu um dia de festas.

Passada a euforia pela abolição, a propaganda republicana voltou com força, contando agora com o apoio de muitos fazendeiros contrariados com a libertação - sem qualquer indenização - dos escravos. No momento do golpe da República, a princesa encontrava-se na Corte e teria proposto uma reunião do Conselho de Estado; porém, a implantação da República já era um fato consumado. A herdeira do trono mostrou-se, então, surpresa e indignada com o golpe.

A seguir, o Paço Imperial foi isolado por militares republicanos. À madrugada do dia 17 de novembro, chegaram as ordens de expulsão da família imperial. O exílio começaria em Portugal e depois passaria à França, onde o ex-imperador faleceu em dezembro de 1891. Nessa época, o conde d'Eu havia comprado um castelo que se encontrava parcialmente destruído por um incêndio e teve que passar por uma longa reconstrução. Quando se mudaram, compartilhariam a propriedade com o filho Pedro de Alcântara e sua família.

Isabel teve sua saúde ainda mais fragilizada com as mortes dos filhos Antônio e Luiz, entre 1919 e 1920. O banimento da família imperial chegou ao fim em 1920, mas ela jamais retornou ao Brasil. Faleceu no castelo d'Eu há exatos cem anos, no dia 14 de novembro de 1921. Em 1953, seus restos mortais, bem como os do seu marido, foram transladados e depositados na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, sendo transferidos definitivamente, em 1971, para a Catedral Metropolitana de Petrópolis. 

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Adaptado de ERMAKOFF, George (org.). Dicionário Biográfico Ilustrado de Personalidades da História do Brasil. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2012, p. 1028-1029.

D. Pedro II, Patriota e Estadista

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

 

O amor à pátria lhe foi reconhecido por todos, amigos e inimigos, por ocasião da morte. A encomenda que fez de um punhado de terra brasileira sobre o qual descansar a cabeça depois de morto não resultou de demagogia, nem de sentimentalismo barato. era pobre consolo por ser obrigado a morrer e ser enterrado longe da pátria.

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Os adversários brasileiros do imperador, criticando sua política, ressaltavam sempre seu patriotismo, honestidade, desinteresse, espírito de justiça, dedicação ao trabalho, tolerância, simplicidade. O republicano José Veríssimo salientou que a maior dívida do Brasil com d. Pedro era a atmosfera de liberdade que proporcionara às atividades do espírito. Em seu governo, resumiu: "Todos pensávamos como queríamos e dizíamos o que pensávamos. Eu não sei que maior elogio se possa fazer a um estadista."

CARVALHO, José Murilo. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 125 e 241.

D. Pedro II, o Republicano

terça-feira, 9 de novembro de 2021

 

Em 1876, D. Pedro II visitou os Estados Unidos. Lá, ficou conhecido como o "imperador ianque". Os americanos continuaram a nutrir simpatia por ele após a viagem; tal simpatia manifestou-se novamente por ocasião do golpe da República e da morte do monarca. 

Durante o ministério Rio Branco, houve assalto à tipografia do jornal A República, suspeitando-se de conivência da polícia. Como sempre fazia nesses casos, o imperador condenou o ato e exigiu o castigo dos criminosos. Sua posição em relação ao regime republicano até o final do reinado de estranha simpatia. Talvez mais do que simpatia. Segundo Rebouças, ele teria dito a Antônio Prado: "Eu sou republicano. Todos o sabem. Se fosse egoísta, proclamava a república para ter as glórias de Washington."  

CARVALHO, José Murilo. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 129. 

D. Pedro II e a Liberdade de Imprensa

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

 

Uma das muitas charges críticas ao imperador: sob seu reinado, a liberdade de imprensa era total.

[D. Pedro II] retomou no diário de 1862 alguns dos temas prediletos, como o da liberdade das eleições e da imprensa. Sobre a imprensa, sua posição foi sempre a mesma e se expressava de maneira simples, como disse a Caxias: 'A imprensa se combate com a imprensa.' Essa postura foi mantida ao longo de todo o reinado. Durante a guerra contra o Paraguai, o jornal Ba-taclan, publicado em francês no Rio de Janeiro por Charles Berry, ridicularizava os chefes militares brasileiros. D. Pedro impediu que fosse fechado, e protestava sempre que alguma violência era exercida contra jornais.

Somando-se essa postura do imperador com a vigência do anonimato, pode-se dizer que a imprensa nunca foi tão livre no Brasil como em seu reinado.  

CARVALHO, José Murilo. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 84. 

O Único Escândalo da Família Imperial

domingo, 7 de novembro de 2021

 

De 17 para 18 de março de 1882, joias da imperatriz e da princesa Isabel, avaliadas em quatrocentos contos, foram furtadas do palácio de São Cristóvão. Foram rapidamente achadas e devolvidas a d. Pedro. Mas o caso virou escândalo, o único durante todo o reinado a envolver a família imperial. O principal suspeito do furto era Manuel de Paiva, ex-empregado do paço, que foi solto logo após o encontro das joias. Tirando vantagem da grande liberdade de imprensa então vigente, quase licença graças ao anonimato, os pasquins e os jornais republicanos exploraram ao máximo o fato. Atribuiu-se a soltura de Manuel de Paiva a interferência pessoal do imperador. Não interessaria a este, acusava-se, que as investigações prosseguissem. Pasquins como O Mequetrefe sustentavam que Pedro II era refém do ex-empregado, que teria sido seu alcoviteiro e o acompanharia em aventuras amorosas noturnas. Os alvos de tais aventuras seriam a condessa de Barral, Mariquinhas Guedes, a viúva Navarro e mocinhas púberes. O Mequetrefe afirmou, grosseiramente, que o monarca era "doido por um caldinho de franga." 

CARVALHO, José Murilo. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 70-71. 

D. Pedro II, o Fiscal

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

 

Gabinete do "Magnânimo" no Palácio Imperial de Petrópolis.

"O imperador informava-se sobre tudo o que acontecia, lendo sobre tudo o que acontecia, lendo os jornais, visitando repartições públicas, ouvindo reclamações em audiências semanais. A carruagem imperial era vista com frequência cruzando aos solavancos as ruas mal calçadas da cidade a caminho de alguma repartição, escola, arsenal, hospital. Os ministros vingavam-se dessa fiscalização chamando d. Pedro de 'gênio de bagatelas'. Bem-humorado, Mendes Fradique diria mais tarde que o imperador fazia tudo, exceto a barba."

CARVALHO, José Murilo. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 57. 

Um Perfil do Conservadorismo

terça-feira, 2 de novembro de 2021

 

Somos conservadores pelo menos em relação ao que estimamos. Conservar e desfrutar são dois verbos caros aos homens que ainda estimam alguma coisa. Michael Oakeshott apresentou o conservadorismo como uma disposição - uma forma de ser e agir que tenderá a valorizar primeiro os confortos do presente.

O conservador, portanto, prefere o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à felicidade utópica.

O conservadorismo apresenta uma dimensão existencial que é anterior, ou até superior, a qualquer ideologia política. Mais ainda: o conservadorismo não é uma ideologia, preferindo encontrar refúgio identitário em "forças interiores", "temperamentos", "fés", "espíritos" e, claro, "disposições".

Embora uma disposição conservadora nem sempre implique uma preferência pelo conservadorismo político, a verdade é que uma política conservadora tenderá a partilhar os traços característicos da disposição conservadora tout court. Tal como os homens de disposição conservadora, o conservadorismo político também transportará para a esfera da governança esse gosto pelo próximo, pelo suficiente, pelo conveniente - recusando a "felicidade utópica" que é típica da atitude revolucionária. 

Existem radicais utópicos nos dois extremos do horizonte político. O pensamento utópico sempre projetou no passado ou no futuro a "solução final" para as iniquidades que afligem o presente. O utópico do passado é o reacionário, a caricatura do conservador e um "revolucionário do avesso" (A. Quinton). O revolucionário ou "progressista", por sua vez, é o utópico do futuro.

Berlin desmontou uma dupla falácia: de que os homens possuem uma natureza fria e inalterável; e, por outro lado, de que os valores mais caros à existência humana podem ser vivenciados na sua expressão máxima sem possibilidade de conflito entre eles.

Além de recusar os apelos do pensamento utópico, o conservadorismo político também irá reagir defensivamente aos apelos do potencial de violência e desumanidade que a política utópica transporta. Nesse sentido, Samuel Huntington apresentou essa natureza reativa do conservadorismo como ideologia. Ocorre que o conservadorismo é uma ideologia que, ao contrário das rivais, tende apenas a emergir quando "os fundamentos da sociedade são ameaçados".

O conservadorismo poderá ser assim apresentado como uma "ideologia da emergência" - e no duplo sentido da expressão: porque emerge em face de uma ameaça específica de caráter radical; e porque o faz quando essa ameaça põe em risco os fundamentos institucionais da sociedade. Portanto, o conservadorismo pode ser encarado como uma ideologia, mas antes uma ideologia posicional e reativa, e não ideacional e ativa, como as restantes.

Adaptado de COUTINHO, João Pereira. As Ideias Conservadoras explicadas a revolucionários e a reacionários. São Paulo: Três Estrelas, 2018, p. 21-31.