quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
A existência na civilização correspondia à dependência do soma; era a possibilidade de ficar na cama e ter fugas sobre fugas, sem delas voltar com dor de cabeça ou vômitos; sem ter de sentir o que sempre sentia depois de tomar peyotl - a sensação de ter feito algo tão vergonhosamente antissocial que não poderia mais andar de cabeça erguida. O soma não trazia nenhuma dessas consequências desagradáveis. Proporcionava um esquecimento perfeito, e se o despertar era desagradável, não o era intrinsecamente, mas apenas em comparação com as alegrias desfrutadas. O recurso era tornar contínua a fuga. Avidamente, alguns usuários reclamavam doses cada vez mais fortes, cada vez mais frequentes. Com o consentimento do Dr. Shaw, Linda chegou a tomar vinte gramas por dia. Ao ser questionado se isso não lhe encurtaria a vida, o Dr. Shaw respondeu:
- Sob certo ponto de vista, sim. Mas, sob outro, nós realmente a estamos prolongando. O soma pode fazer perder alguns anos no tempo, mas pensem nas durações enormes, imensas, que ele é capaz de proporcionar fora do tempo. Todo sono produzido pelo soma é um fragmento daquilo que os nossos antepassados chamavam de eternidade.
Adaptado de HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014, p. 187-188.
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