“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Uma Visão do Inferno - I

terça-feira, 14 de maio de 2024

Ilustração medieval do inferno no Hortus deliciarum, manuscrito de Herrad de Landsberg (c. 1180). 

A visão cuidadosamente elaborada do Inferno fora acrescentada muito cedo ao corpo cristão, e as autoridades sempre a consideraram um elemento vital para a manutenção da moralidade cristã. Mesmo os pensadores céticos com relação ao papel desempenhado pela punição física no Inferno, ou mesmo à sua existência, achavam ser correto que os crentes em geral fossem estimulados a temê-lo. Orígenes, como já comentamos, acreditava na possibilidade de, em última instância, todos serem salvos, mas acrescentou (em sua obra Contra Celsum) que "ir além não é expediente com relação àqueles que são, com dificuldade, impedidos, mesmo que por medo da punição eterna, de afundar em algum grau de depravação e nas correntes de mal resultantes do pecado". A Igreja mais tarde determinou que o ceticismo de Orígenes, em si, fora equivocado, com o Concílio de Constantinopla (543) insistindo: "quem quer que diga ou pense que a punição dos demônios e dos perversos não será eterna, que ela terá fim (...) que seja anátema". Entre Agostinho e a Reforma, somente o irlandês João Escoto Erígena, no século IX, negou positivamente um Inferno eterno ou mesmo material, substituindo a desgraça infligida pela angústia da consciência; e ele não achava que seu ponto de vista devesse ser ensinado no âmbito pastoral. Entre alguns poucos teólogos havia a teoria da dupla verdade, que admitia uma atitude mais qualificada em círculos privados, mas insistia em todos os horrores para consumo público. O próprio Lutero era de opinião que a doutrina do Inferno não deveria ser discutida com intelectuais, mas apenas com pessoas de piedade simples e profunda. Esta foi, ou pareceu ser, uma admissão de fraqueza; contudo, a Confissão Luterana de Augsburgo (1530), Artigo 17, determina a crença ortodoxa no Inferno (...). A posição anglicana oficial, em termos gerais, era similar (muito embora a declaração de Augsburgo, artigo 42 da coletânea de 1552, não conste dos trinta e nove artigos elisabetanos).     

JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 412. 

0 comentários: