“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O Crítico

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Capa da publicação semanal O Crítico, edição de 1884.

Nos primeiros dias da minha graduação, um professor do Departamento de História da Ufes nos falou da reação da sua própria família, quando ele escolheu o curso de História. Como é comum - e, de certo modo até compreensível num país como o Brasil - os familiares se opuseram à sua escolha. Houve uma exceção. Uma tia saiu em sua defesa, apresentando boas razões para um jovem fazer da musa Clio a companheira da sua vida. Uma das vantagens do historiador, segundo ela, seria identificar com facilidade as besteiras que as pessoas falam.

Ora, não é novidade que historiadores têm um apurado senso crítico. Faz parte de nossa profissão aplicar a crítica às fontes históricas, revisar a bibliografia, selecionar um referencial teórico, determinar os fatos. O que continua chamando a atenção, é o nível de passividade dos brasileiros, mesmo em tempos digitais. É verdade que alguns irão apontar indícios de mudança. Afinal, desde 2013, ocorreram grandes manifestações que, inclusive, foram determinantes para o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Em 2018, pela primeira vez em nossa história, foi eleito um presidente que não pertencia ao establishment. Sim, isso é verdade, mas ainda há muito o que avançar.

A passividade tupiniquim se remonta ao nosso passado colonial. Somos o fruto de um mix de Estado patrimonialista, uma "elite rastaquera" (Marco Antônio Villa), uma classe média ignorante e um povo impiedosamente explorado. Em 1889, veio o golpe da República, idealizado pelos maçons que assumiram as rédeas do poder. O sonho de liberdade para o povo tornou-se mais distante. O presidencialismo, o coronelismo e a corrupção generalizada tornaram-se a marca do novo regime. Sem surpresas, a república logo envelheceu. Em 1937, Vargas anunciou um Estado Novo (1937-1945), no qual se consolidou uma cultura "carnavalizada" e futebolística, muito útil para o ditador que fazia do Dia do Trabalho (tal como hoje) uma ocasião especial para iludir as massas. Na sequência, o povo foi governado por populistas (1946-1964). Entre 1964 e 1985, foi a vez dos militares e tecnocratas darem as cartas. Com a redemocratização, em 1985, foi proclamada uma "Nova República"; não obstante, muitas mazelas de regimes passados persistem, como o autoritarismo, agora personificado no STF.

Assim, até hoje, o Brasil segue nas mãos dos "donos do poder" (Raymundo Faoro). Nestes tristes trópicos, as carteiradas continuam frequentes. Somos vilipendiados pelos togados, mal servidos pelos empresários e ignorados pelos políticos. Alguns protestos e mobilizações não livraram o nosso país de seu espírito de acomodação, "bovino". E ninguém precisa buscar inspiração nos países anglófonos ou escandinavos. Lembro-me, muito bem, dos debates quinzenais na Assembleia da República, em Portugal, um país parlamentarista. Em tais ocasiões, o primeiro-ministro é questionado, criticado e até zombado pelos representantes do povo, numa espécie de octógono da democracia. Ainda que poucos portugueses acompanhem tais debates, o simples fato de eles existirem e receberem a atenção da mídia é um tanto revelador do espírito cidadão numa nação verdadeiramente democrática. É como se o parlamento sussurrasse ao pé-de-ouvido da máxima autoridade governamental lusitana, duas vezes por mês, e vinte e quatro vezes por ano: "lembra que tu és homem".

***

Há cerca de um ano, afastei-me das salas de aula para atuar na administração do órgão central da Secretaria de Estado da Educação. Não obstante, sigo firme nos estudos e nas publicações aqui no blog. Também continuo atento ao centro histórico de Vitória, onde moro e tenho cada vez mais interesse acadêmico. É impossível olhar para os templos, praças e escadarias desse lugar apenas com o olhar de um mero pesquisador. Consequentemente, meu ativismo em defesa do patrimônio de Vitória incomoda a alguns, sem dúvida. Um deles, vejam só, é o próprio prefeito, que em conversa recente com servidores e apoiadores, questionou sobre a identidade do seu "crítico diário". Aqui estou, e sinto-me honrado por estar entre as suas preocupações, prefeito. Neste 1º de maio, espero que o senhor reflita muito sobre o vasto trabalho que precisa ser feito no Centro de Vitória. O título de "crítico" me orgulha mais do que eventualmente um título de cidadão vitoriense. Esteja certo de que, se o domínio estivesse disponível no Blogger, esta página seria renomeada para O Crítico

1 comentários:

Lorenzo Pereira Marques disse...

Caro professor,

Não sei se o senhor se lembrará de mim. Me chamo Lorenzo, Fui aluno do senhor na escola Irmã Maria Horta, no vespertino.
Excelente o texto! Lembrou-me de quando estava terminando o ensino médio, e minha intenção era estudar história, a princípio. Cheguei até a comentar com o Sr. Na época.
Desejo que infelizmente foi desestimulado por minha família. Por incentivo dos mesmos, acabei ingressando no curso de Farmácia e bioquímica, atualmente no terceiro ano do curso. Mesmo assim, continuo me interessando bastante pela História.
Há vários anos que pego o mesmo ônibus e passo pelo nosso querido centro de vitória, e infelizmente a sensação que passa é de que o centro está morto. O comércio atualmente está muito fraco, dezenas de lojas fechadas; sem contar o descaso com as construções e monumentos históricos - a maioria depredados.
Recentemente iniciaram a obra de reconstrução do antigo mercado, mas a revitalização do nosso centro segue caminhando a passos lentos. É uma pena!

Abraços do seu ex aluno que admira muito seu trabalho. Fique com Deus