“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

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Villa Borghese, Roma, Itália.

Trabalho Infantil no Uzbequistão

segunda-feira, 17 de abril de 2023

 

Crianças eram amplamente forçadas a trabalhar Uzbequistão até 2015, quando a OIT passou a monitorar o problema no país.

O algodão é a cultura mais importante da ex-república soviética do Uzbequistão. Cerca de 45% das exportações do país são do "ouro branco". No período soviético, todas as terras agricultáveis uzbeques estavam sob controle de 2.048 fazendas estatais. Depois da independência, em 1991, essas fazendas foram loteadas, e a terra foi distribuída, mas isso não significava que os agricultores pudessem agir de forma independente. O algodão era valioso demais para Islam Karimov, que governou o país de 1990 até sua morte, em 2016.

Para se ter uma ideia, foram criadas regulações determinando o que os fazendeiros podiam plantar e os preços exatos que podiam praticar. O algodão era um produto de exportação valioso, e os fazendeiros recebiam uma pequena fração dos preços nos mercados internacionais pela sua produção, sendo que o restante ficava com o governo. Ninguém queria cultivar algodão por aqueles preços; então, o governo teve de forçar as pessoas a fazê-lo. Todo fazendeiro tinha a obrigação de destinar 35% de sua terra ao algodão. Isso causou muitos problemas, como dificuldades com o maquinário. À época da independência, 40% da safra era colhida por colheitadeiras. Depois de 1991, sem nenhuma surpresa, dados os incentivos que o regime de Islam Karimov criou, os produtores não estavam dispostos a comprar e manter esses equipamentos. Reconhecendo o problema, Karimov bolou uma solução, mais barata do que colheitadeiras: crianças em idade escolar.

O algodão atinge o ponto de ser colhido no início de setembro, mais ou menos na mesma altura em que as crianças voltam às aulas. Karimov estabeleceu aos governadores que determinassem cotas de algodão para as escolas colherem. No início de setembro, as escolas estavam vazias, sem seus 2,7 milhões de alunos (dados de 2006). Os professores, em vez de ensinar, recrutavam mão de obra. Ninguém pede o consentimento dos pais.

Os alunos/trabalhadores não têm fim de semana durante dois meses - o período da colheita. Crianças da área rural que têm a sorte de serem designadas para fazendas próximas de casa podem ir para o trabalho a pé ou de ônibus. As que moram longe ou são de áreas urbanas têm de dormir nos galpões ou depósitos junto com o maquinário e os animais. Não há banheiro ou cozinha. As crianças têm de levar o próprio almoço.

Os principais beneficiários de todo esse trabalho forçado são as elites políticas, lideradas pelo presidente, que na prática é o rei de todo o algodão do país. As crianças deveriam ser pagas pelo trabalho, mas o pagamento não sai da teoria. Provavelmente 75% do algodão em 2012 era colhido por crianças. Na primavera, a escola fica fechada para que os alunos trabalhem compulsoriamente capinando, tirando ervas daninhas e fazendo o transplante das mudas.

O caminho seguido pelo Uzbequistão é muito parecido com o de muitas outras repúblicas soviéticas. Karimov, que tornou-se primeiro-secretário para o Uzbequistão em 1989, venceu as primeiras eleições presidenciais com o apoio das forças de segurança, em dezembro de 1991. A partir de então, garroteou a oposição política independente. Seus adversários foram parar na cadeia ou no exílio. O ápice da repressão ocorreu em 2005, quando 750 manifestantes, quem sabe um número maior, foram mortos pela polícia e pelo exército em Andijon. Sob o regime de Karimov, o Uzbequistão se tornou um país pobre e com instituições políticas e econômicas muito extrativistas.  

Adaptado de ACEMOGLU, Daron & ROBINSON, James A. Por que as nações fracassam - as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Tradução de Rogerio W. Galindo e Rosiane C. de Freitas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2022, p. 436-440.

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