“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Destruição do patrimônio histórico

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015


Peças datam de até 800 a.C.; cidade iraquiana de Mossul teve milhares de livros e manuscritos raros destruídos no domingo

LONDRES — As vítimas da barbárie jihadista não são apenas humanas. Um pedaço da História da civilização humana foi destroçado pelo Estado Islâmico (EI) em Mossul, a segunda maior cidade iraquiana. Estátuas e artefatos milenares foram destruídos a golpes de marreta, furadeiras e brocas elétricas, causando incalculável prejuízo à humanidade, para a revolta de especialistas e estudiosos. Em um vídeo divulgado nesta quinta-feira pelo grupo fundamentalista, é possível ver militantes atirando esculturas datadas do século VII a.C. ao chão, reduzindo-as a pedaços. 

— É certamente uma tragédia para o Iraque e para o mundo. São objetos insubstituíveis — disse ao GLOBO, o professor Hugh Kennedy, da Escola de Estudos Orientais e Africanos (Soas), da University of London.

Em outro trecho dos cinco minutos de gravação, os extremistas demoliram uma gigantesca estátua de Lamasu, uma divindade protetora assíria representada por um touro alado, que ainda hoje é reproduzida na moeda do Iraque, o dinar. A destruição foi realizada no Museu Ninevah, em Mossul, tomado pelo EI em junho do ano passado, pouco antes do grupo anunciar a criação de um califado que abrange uma vasta região iraquiana e síria.

— Muçulmanos, estas estátuas atrás de mim eram ídolos e deuses para povos que viveram séculos atrás, que as adoravam em vez de adorar a Alá — diz no vídeo um homem barbado, diante do touro alado, parcialmente demolido. — O profeta ordenou que nos livrássemos de estátuas e relíquias, e seus companheiros fizeram o mesmo quando conquistaram países depois dele. O profeta enterrou os ídolos em Meca, com suas benditas mãos.

Assim como imagens assírias de Nínive e Nimrud, os radicais aparentemente aniquilaram estátuas de Hatra, uma cidade helenística que existiu há dois mil anos, no Norte do Iraque. Eleanor Robson, professora de História Antiga do Oriente Médio da University College London, confirma que as esculturas foram destruídas, mas acrescenta que alguns objetos no vídeo eram réplicas modernas.

Diretor do novo projeto “Arqueologia ameaçada”, da Universidade de Oxford em parceira com as universidades de Leicester, o arqueólogo Robert Bewley, afirmou que o problema não se limita à destruição. Acredita-se que o EI estaria vendendo peças de grande valor arqueológico no mercado negro para financiar a brutal ofensiva jihadista na região. Segundo ele, do Oriente Médio ao Norte da África, há de três a cinco milhões de sítios arqueológicos sob ameaça.

— Não se sabe quem está comprando. Mas há suspeitas de um grande comércio montado.

Segundo Bewley, as áreas de maior risco agora são partes do Iraque e da Síria onde não há governo efetivo, além de áreas do Egito, locais onde estariam um dos mais importantes patrimônios da história da humanidade.

A destruição repete o que aconteceu no Afeganistão em 2001, quando o país estava submetido ao regime radical islâmico do Talibã, e o líder do grupo extremista, Mohammed Omar, ordenou que se dinamitasse os Budas de Bamiyan, um dos principais monumentos do país. Entre eles, estava a maior estátua de Buda de pé do mundo, com 53 metros de altura, esculpida num rochedo na cidade de Bamiyan. Ela era anterior à chegada do islamismo ao Afeganistão, no século IX. Na época, Omar disse que as estátuas eram “um insulto ao Islã”, representavam “deuses dos infiéis” e deveriam ser destruídas para nunca mais serem reverenciadas. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) chegou a pedir ao Talibã que não destruísse as obras, consideradas patrimônios da Humanidade, mas não teve êxito.

— Eles acham que esses objetos são de um tempo de ignorância, quando o Islã não existia. Consideram shirk (idolatria ou adoração) reverenciar o que não seja Deus. Não é algo compartilhado pelos muçulmanos em geral, que apreciam o patrimônio cultural da Humanidade — disse o especialista em Islamismo do King's College, Carool Kersten.

BARBÁRIE CULTURAL EM MOSSUL

No domingo, o grupo queimou pelo menos 8 mil livros e manuscritos raros da biblioteca pública de Mossul. Eles fizeram ainda uma fogueira com livros culturais e científicos, e ainda levaram embora livros infantis e religiosos, segundo testemunhas. O EI também destruiu, no domingo, uma igreja e o teatro da universidade local.

O biblioteca foi fundada em 1921, após o nascimento do Estado iraquiano moderno. Em seu conteúdo, estavam manuscritos que datavam de até 5000 a.C., livros sírios impressos na primeira gráfica do país, títulos que datam do Império Otomano, jornais locais de décadas anteriores e antiguidades como astrolábios. Grande parte era considerada patrimônio raro pela Unesco. O acervo de famílias da alta sociedade da região também era hospedado na biblioteca.

Uma outra biblioteca foi queimada em janeiro na cidade, com 2 mil livros destruídos.

Mossul concentra 1.791 sítios arqueológicos, entre eles quatro capitais do antigo Império Assírio. O EI já havia destruído outros santuários — incluindo alguns muçulmanos —, vistos como hereges ou idólatras. Kennedy destacou que a cidade sempre teve uma vida intelectual vibrante, com a presença de uma universidade importante. De acordo com o professor, a biblioteca onde foram destruídos oito mil livros pelo EI tinha um acervo importante sobre a independência do Iraque, desde os seus primeiros movimentos, na década de 1920, além de material dos séculos XVIII e XIX.


Ainda nesta quinta-feira, no Nordeste da Síria, o EI continuou os ataques a comunidades cristãs assírias. Foram relatados sequestros de mais pessoas, com algumas entidades elevando o número total de reféns para mais de 350, levados de 12 vilarejos. Negociações estão em curso para tentar a libertação dos sequestrados em troca de jihadistas do EI capturados por milícias curdas e árabes.
Fonte: O Globo

Nota: Hoje é um dia triste para a humanidade, que perde um parte importante do seu passado e de sua identidade. O Estado Islâmico já provou a sua monstruosidade ao degolar, escravizar, queimar e enterrar vivas pessoas indefesas, dentre outras barbaridades. Agora avança na destruição do patrimônio histórico, a exemplo dos talebãs. Torçamos para que uns e outros sejam detidos, e que pelo menos algumas estátuas assírias destruídas sejam restauradas, como poderá ocorrer a pelo menos uma das estátuas de Buda em Bamiyan (não sem alguma polêmica - confira no ZH Notícias).  

Um último comentário: os iconoclastas de Mossul deixam bem clara a sua inspiração - o exemplo do Profeta. Talvez isso sirva para calar, de uma vez por todas, os jornalistas politicamente corretos que insistem em negar o óbvio, qual seja, que o fundamentalismo é indissociável do Islã, ainda que nem todos os muçulmanos sejam terroristas.

P.s. Nos últimos dias o "espetáculo dos horrores" do Estado Islâmico foi completado com a destruição das cidades históricas de Nimrud e Hatra. No dia 21/08, foi divulgado que os monstros destruíram o mosteiro de Mar Elian, construído há 1.500 anos, na Síria. 


Independentemente do futuro que terá o patrimônio histórico no Oriente Médio, a civilização já impôs uma primeira derrota aos vândalos/terroristas do Estado Islâmico: o Museu Nacional do Iraque, fechado desde 2003, foi reaberto no dia 28/02. Seu acervo conta com muitas antiguidades recuperadas e restauradas. In: O Globo    

A história da evolução humana pode ser reescrita

David Lordkipanidze, diretor do Museu Nacional da Geórgia, em Tbilisi, exibe o "Crânio 5", que teria 1,8 milhão de anos. O crânio combina características até então nunca observadas no mesmo ser primitivo. 

Fósseis de 1,8 milhão de anos encontrados na Geórgia sugerem que a aparência dos ancestrais humanos era muito variada; e que os 'Homo habilis', 'Homo rudolfensis' e 'Homo erectus' poderiam pertencer a uma mesma espécie. 

O crânio que pode obrigar os cientistas a reescreverem toda a história da evolução humana foi descoberto em 2005, na região de Dmanisi, Geórgia. Na verdade, os cientistas sempre enfrentaram dificuldades para traçar a linha evolutiva entre o Homo habilis, o Homo rudolfensis e o Homo erectus, e nunca apontaram de maneira definitiva qual dessas espécies deu origem às outras e aos Homo sapiens.

Em suma, os pesquisadores sugerem a derrubada da ideia da existência de várias espécies Homo. Para eles, houve uma única espécie Homo erectus, surgida no continente africano, capaz de se adaptar aos diferentes ecossistemas e que daria origem aos seres humanos modernos. A hipótese não deverá ser aceita imediatamente pela comunidade científica, mas poderá ensejar outros estudos que, sim, poderão reescrever a história da evolução do homem.

Saiba mais na reportagem de Veja

Leia também o artigo original da Science e a nota do escritor criacionista Michelson Borges, sobre a descoberta do Crânio 5. 

Recentemente, as descobertas de novos fósseis, desta vez na Etiópia, tornaram o emaranhado da história da evolução humana ainda mais difícil de desatar. Leia AQUI. Leia também: Australopithecus sediba: mais outro macaco que cai da árvore da evolução humana

Fósseis encontrados no Marrocos também podem mudar tudo o que se sabe sobre a origem da humanidade, segundo informa a BBC Brasil.

Manuscritos do Mar Morto

domingo, 22 de fevereiro de 2015


Desde dezembro de 2012, estão disponíveis online os Manuscritos do Mar Morto. No total, são mais de cinco mil os documentos e imagens disponíveis em alta resolução. Confira-os AQUI.

Entre os manuscritos, datados do séc. I, encontram-se fragmentos dos mais antigos bíblicos do Antigo Testamento, entre os quais os referentes aos Dez Mandamentos, aos Salmos, ao Livro de Isaías e aos textos apócrifos. Existe ainda um capítulo do Gênesis.

Muitos destes manuscritos, que foram descobertos por um pastor numa gruta de Qumram em 1947, têm permanecido guardados no Museu de Israel. Raramente são expostos ao público, devido aos cuidados que o seu estado de conservação exige. 

Saiba mais sobre a importância dos manuscritos do Mar Morto para os estudiosos da Bíblia:



Saiba mais sobre Israel no site Café Torah

«História do Século XX», de M. Gilbert

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Baixe a edição brasileira dessa obra aqui.

Esta é a 3ª edição de uma obra esplêndida, publicada em 2014 pela editora lisboeta Dom Quixote. Os leitores do mundo lusófono que se interessam pela História do Século XX contam com poucas opções para além da famigerada Era dos Extremos. Assim, a tradução deste livro do historiador judeu Martin Gilbert foi providencial. Dificilmente outro historiador será mais feliz em fornecer um panorama geral dos acontecimentos do "século das guerras". Para Gilbert, eis como  tal período pode ser dividido:

Introdução
1. A Primeira Década, 1900-1909
2. Os Caminhos Que Levam à Guerra, 1910-1914
3. A Primeira Guerra Mundial, 1914-1918
4. No Rescaldo do Armagedão, 1919-1925
5. Entre duas Tempestades, 1926-1932
6. A Caminho do Abismo, 1933-1939
7. A Segunda Guerra Mundial, 1939-1945
8. Recuperação e Recaída, 1946-1956
9. Esperanças Acalentadas, Esperanças Frustradas, 1957-1967
10. Desafios da Modernidade, 1968-1979
11. Expectativas Renovadas, 1980-1989
12. O Admirável Mundo Novo, 1990-1999
Mapas
Índice Remissivo

Como se trata de uma condensação da obra de três volumes e 2700 páginas, a edição da Dom Quixote traz alguns inconvenientes. O maior deles foi a supressão da bibliografia, disponibilizada nos volumes originais. Contudo, a linguagem acessível, a riqueza de dados, o rigor acadêmico e a notável capacidade de envolver o leitor fazem com que os poucos problemas da edição condensada sejam facilmente superados. 

Diferentemente do marxista Eric Hobsbawm, Gilbert nos fornece uma narrativa bem organizada, ano a ano, de 1900 a 1999 (aqui ele comete um equívoco ao incluir o ano de 1900 no século XX, ao mesmo tempo que exclui o ano 2000, o derradeiro da centúria). Alguns, certamente, rotularão a sua História de "positivista", ignorando que a narrativa deve ser a "espinha dorsal" (Barbara Tuchman) dos escritos do historiador. Numa época em que reina o relativismo, em que se discute e se desconstrói antes sequer de conhecer os fatos, Gilbert parece ser um espécime de historiador em vias de extinção - ainda mais após o seu falecimento, no início deste mês.

Aos olhos de Gilbert o século XX foi um período de grandes feitos, bem como de monstruosos excessos. Enquanto a ciência e a medicina avançaram de forma surpreendente, tiranos e terríveis guerras deixaram um rastro de opressão, destruição e genocídios. Como biógrafo de Churchill, Gilbert destaca uma de suas frases, icônica sobre a centúria passada: "Chamam-lhe o século do homem comum, porque foi o homem comum quem mais sofreu nele." O choque de nações - e o choque de impérios, avassalador na Primeira Guerra Mundial - bem como as alianças, rivalidades e colapso de países (incluindo conflitos de nacionalidades e grupos nacionais) ocuparam um papel central ao longo do século. Por toda a parte, revoluções e revolucionários lutaram pela alteração da velha ordem, "fazendo-o com frequência sem respeitar os direitos que até os piores expoentes da velha ordem tinham outorgado". "O século foi em grande parte dominado pela luta entre o primado da lei e a anarquia; entre os direitos do indivíduo e a destruição desses direitos" (p. 10). Assim, ao longo do seu trabalho, Gilbert se concentra no papel do indivíduo, em prol dos direitos civis e dos direitos humanos, em todos os lugares do globo.

Gilbert ainda se distingue pela sensibilidade ao se lembrar de temas como a "carnificina" anual dos acidentes automobilísticos, que ao longo do século superaram até mesmo as vítimas de guerras; o antissemitismo na Rússia e na União Soviética; as catástrofes naturais que assolaram a humanidade. Normalmente tais assuntos são olvidados pelos historiadores, sobretudo quando se dedicam a narrativas abrangentes, como é o caso.     

Para finalizar - porque quero que leiam o livro - destaco a abundância de citações. Diferentemente do Hobsbawm, que dispensa os documentos, Gilbert utiliza-os do início ao fim. Embora não tenhamos as referências (o que é compreensível, visto que 2 mil páginas precisaram ser eliminadas na condensação), podemos nos regalar com uma série de trechos de discursos, jornais, diários e memórias pessoais, etc. Numa delas, o presidente George Bush (1924-  ), no contexto da Guerra do Golfo, disse que Saddam Hussein agia tão barbaramente contra a população civil como Hitler. Bush pai encontrou tal paralelo após a leitura de outro livro de Martin Gilbert - A Segunda Guerra Mundial

Resenha publicada na Mnemosine revista (p. 228-231).   

Guerreiros Míticos

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015


Para finalizar, 13 guerreiros de diversas épocas e civilizações que marcaram a História (lembre-se de clicar nas imagens para ampliá-las):

1. Guerreiro chinês (220-581)


Após a queda dos últimos imperadores da dinastia Han, o Império Chinês permaneceu dividido durante três séculos e meio, o chamado "período da desunião e do enfrentamento". Nessa época, os diferentes senhores de guerra e as tribos nômades do norte trataram de controlar as vastas terras chinesas. 

2. Guerreiro romano-bretão (séc. V)


Após a evacuação romana da Britânia, no início do séc. V, a população nativa, juntamente com soldados romanos veteranos, uniram-se para defender as suas terras dos invasores pictos, escotos, anglos e saxões. A saga desses guerreiros ajudou a forjar o mito arturiano, que atravessou a Idade Média. 

3. Guerreiro saxão (séc. VI)


É difícil determinar a organização e a estrutura militar dos saxões. Isso porque entre eles não existia aquilo que conhecemos como exército profissional. A atividade guerreira integrava a existência de qualquer homem capaz de pegar em armas.

4. Guerreiro viking (séc. IX)


Os vikings são um dos poucos povos da Europa que se podem qualificar de guerreiros com propriedade. Eram uma mistura de aventureiros, navegadores, comerciantes e piratas, com crueldade e agressividade sem limites. Combatiam por pilhagem, mas também para satisfazer os seus deuses.

5. Guerreiro egípcio medieval (969-1171)


O Califado Fatímida do Egito chegou a alcançar grande poder e riqueza em meados do séc. X. Seu exército tornou-se profissional, resultado dos setores marginais da sociedade islâmica. A cavalaria era constituída pelos atrozes ghulams, prisioneiros de guerra convertidos ao Islã.

6. Guerreiro normando (séc. XI)


O exército normando, apesar de herdeiro dos vikings, tem pouca similaridade com eles em relação à organização. Sua base eram os exércitos pessoais, que cada senhor colocava à disposição diante da convocação de seu duque.

7. Guerreiro sarraceno (séc. XIII)


As tropas muçulmanas foram formadas inicialmente por árabes. À medida em que o Islã se expandiu, contudo, as tribos norte-africanas e turcas das estepes asiáticas nutriram de guerreiros as forças do Islã. Mas os árabes, orgulhosos de suas origens, sempre se mantiveram na classe dirigente, claramente diferenciada.

8. Guerreiro escocês (séc. XIV)


A Escócia sofreu, durante séculos, com as invasões de diferentes tribos nórdicas: celtas, saxões e normandos, que dividiram as "terras altas", fazendo jus a seu caráter belicoso e tribal. Foi o rei Alexandre III (1249-1286) quem se impôs aos diferentes clãs, conquistando uma paz duradoura. Assim nascia um espírito nacional.

9. Guerreiro turco (séc. XV)


O tributo mais opressivo que os otomanos impuseram às províncias conquistadas dos Bálcãs era a prática do "recolhimento" (devshirme). Por meio desse "recolhimento" um grande número de jovens cristãos das zonas rurais era regularmente recrutado. Eles eram enviados a Istambul, onde se tornavam servos do Estado e recebiam uma nova identidade islâmica. O papel mais conhecido que exerceram foi o de yeni ceri ("novas tropas") - os "janízaros" - a unidade militar de elite que fez os exércitos otomanos tão extraordinários (Fletcher, 2004: p. 145).

A imagem acima encarna um janízaro. Sobre a cota de malha ele levava outra proteção, constituída por placas de metal; suas pernas eram protegidas com grevas. O elmo, ogival, tem viseiras e protetores de orelhas. As suas armas foram inicialmente a lança, que depois foi substituída pelo mosquete e pelo sabre, ou qilidj, forjado em aço de ótima qualidade e, como todo equipamento turco, ricamente adornado. 

Representação de guerreiros turcos do século XIV:

Representação de guerreiros turcos otomanos do século XV:


10. Guerreiro asteca (séc. XVI)

                                                                                 
Os astecas não queriam impor sua cultura aos povos subjugados, mas absorver as deles. A guerra tinha finalidades positivas para o seu Estado, como a conquista de territórios, a imposição de tributos e o direito de livre-passagem para os comerciantes astecas. Mas, como eles acreditavam que o sol exigia sangue, as guerras que travavam tinham, sobretudo, o objetivo de garantir-lhes prisioneiros para os sacrifícios.

"Os guerreiros constituíam um dos grupos mais importantes na sociedade asteca. No início, eram escolhidos entre os indivíduos mais corajosos e valentes do povo. Com o tempo, entretanto, a função de guerreiro começou a ser passada de pai para filho, e apenas algumas famílias, privilegiadas, mantiveram o direito de ter guerreiros entre os seus membros." 
KARNAL, Leandro. A Conquista do México. São Paulo: FTD, 1996, p. 13. 

11. Guerreiro de Carlos V (séc. XVI)


O imperador Maximiliano I (1508-1519) criou um corpo de infantaria cuja principal arma era um pique de modelo suíço. Durante o séc. XVI, os lansquenetes provaram a superioridade tática dos esquadrões de piqueiros bem treinados. Embora fossem mercenários, a bravura e disciplina dos lansquenetes fizeram com que o exército de Carlos V (1519-1556), neto de Maximiliano I, dominasse os campos de batalha europeus.

12. Guerreiro comanche (séc. XIX)


Lutadores ferozes, magníficos ginetes e esplêndidos caçadores, os guerreiros comanches eram adestrados para a guerra desde a infância. Eles assolaram as pradarias do sudoeste da América do Norte, semeando o terror aonde fossem: sua glória durou 150 anos.

13. Guerreiro zulu (fim do séc. XIX)


O exército zulu não era uma instituição profissional, mas um conjunto de cidadãos instruídos no manejo das armas. Eram bem liderados e muito motivados. Um exército valente que se converteu em terrível máquina de guerra, capaz de derrotar e destruir dois batalhões de infantaria britânica na batalha de Isandlwana (1879).

Filme: Zulu (1964), dirigido por Cy Endfield. 

Outras ilustrações de guerreiros aqui.

Os Inimigos de Roma


Ao longo da sua história, os exércitos romanos se viram diante de uma sucessão de gênios táticos cuja inteligência resultou na aniquilação de exércitos romanos mal liderados. Além de Pirro e Aníbal, podemos mencionar "o caolho Sertório e seus temíveis renegados romano-ibéricos, o corajoso Spartacus e sua enorme turba de aguerridos gladiadores, o sagaz Jugurta da Numídia, o astuto Mitrídates do Ponto, Vercingetórix à frente de uma imensa horda de celtas e gauleses, e os partos que exterminaram o triúnviro Crasso e a maior parte de seu exército. Juntos, esses inimigos de Roma massacraram quase meio milhão de legionários no campo de batalha. No final, todo esse glorioso combate de nada adiantou. Praticamente todos esses futuros conquistadores acabaram mortos ou acorrentados, seus exércitos exterminados, escravizados, crucificados ou em fuga. Afinal de contas, eles estavam combatendo um sistema e uma ideia assustadores, não um mero exército. As mais espantosas vitórias desses inimigos de Roma significavam mais um exército no horizonte, enquanto seus próprios exércitos se derretiam com uma simples derrota" (HANSON, 2002: p. 187-188). 

Abaixo, minha coleção de 17 soldados de chumbo com alguns dos mais encarniçados inimigos de Roma:

1. Guerreiro etrusco (séc. VIII a.C.)

O soldado etrusco integrava uma confederação que dominou o centro e o norte da Itália desde o século VIII a.C. até as incursões celtas do século IV a.C. Era um guerreiro bem equipado que utilizava uma gama quase completa de armas da época, assim como táticas e formações da Grécia clássica.

2. Guerreiro itálico samnita (sécs. IV-III a.C.)

Os samnitas, grupo étnico de montanheses guerreiros, habitavam a região de Sâmnio, a sul dos Apeninos. Invadiram a Campânia, a Calábria e a Sicília, no século V a.C. No século seguinte, travaram três longas guerras contra os romanos (entre 343 e 290 ac.C.), confirmando a sua vocação bélica. Embora os samnitas tenham sido sempre derrotados, a Segunda Guerra Samnita representou uma vitória particularmente árdua para os romanos, cujas legiões sofreram a humilhante capitulação das Forcas Caudinas, em 321 a.C.


Guerreiro samnita, por Johnny Shumate.

A derrota na Terceira Guerra Samnita levou os samnitas a se sujeitarem completamente a Roma, que os absorveu pela romanização. Mais tarde, o nome "samnita" veio a designar uma classe de gladiadores que lutava com as armas típicas desta etnia.

3. Íbero edetano turdetano (séc. III a.C.)

Os guerreiros turdetanos usavam uma túnica de linho branco e púrpura. As armas utilizadas eram a falcata hispânica (comum a quase todos os guerreiros ibéricos); a falárica, lança ligeira; e o antenae - punhal com lâmina de 20 cm, utilizado sobretudo na Meseta. 

Para a proteção corporal, os turdetanos utilizavam um capacete muito peculiar entre os ibéricos do período; um cinturão de placas tartessico, para a proteção do ventre; por fim, um grande scutum, de forma retangular ou oblonga, possivelmente de influência celta, difundido desde o século V a.C.  

4. Guerreiro íbero (séc. III a.C.)

Esses guerreiros eram mercenários que ora defendiam as ricas cidades da orla mediterrânica, e ora as saqueavam. No séc. III a.C., durante a Segunda Guerra Púnica, muitos foram os íberos e turdetanos recrutados por Aníbal para lutarem contra Roma. Suas armas, como a falcata e a espada reta, foram elogiadas por famosos escritores do Mundo Antigo.

5. Chefe sênone (séc. III a.C.)

A figura encarna um chefe da tribo gaulesa dos sênones. Sua lança (c. de 2 m), não era utilizada para lançamento. Seu capacete era de bronze e podia ostentar ornamentos semelhantes a cornos ou asas. Seu escudo era grande e dispunha de uma peça protetora no centro, o umbo. Sua espada era comprida e sua ponta era rombuda, sendo que normalmente não resistia ao choque contra a borda dos escudos romanos. Suas botas de pele fechadas foram adotadas pelos romanos em locais úmidos e frios; as calças eram características por seu xadrez e listras.

Os sênones saquearam Roma em c. 390 a.C., feito que só seria repetido oitocentos anos depois, pelos visigodos. Segundo uma fonte romana, "os galos sênones, ferozes por natureza e de costumes grosseiros, eram tão terríveis por sua corpulência [quanto] pelas armas enormes que manejavam... em uma palavra, a partir de qualquer ponto de vista que se lhes considerasse, parecia que a natureza lhes havia destinado para o extermínio dos homens e para a ruína das cidades" (Floro, Gestas romanas, I.13). 

6. Guerreiro cartaginês (sécs. III-II a.C.)


Não conhecemos com exatidão a organização e a estrutura do exército cartaginês, mas trata-se de um dos primeiros exércitos profissionais da História. Nessa força, a multinacionalidade e a disciplina eram as notas predominantes. 

Documentário: A Batalha de Canas (série "Batalhas decisivas do Mundo Antigo"); 2004-2008. Produção The History Channel.

7. Arqueiro cartaginês (sécs. III-II a.C.)


Do alto da casamata que portava o elefante de guerra cartaginês, os arqueiros abatiam qualquer inimigos que pudesse pôr em perigo a vida do paquiderme. 
Sua função vital consistia em defender o animal, já que a autêntica arma era a magnitude do mastodonte para o ataque.

8. Guerreiro celta (séc. I a.C.)


Os gregos foram os primeiros mediterrâneos que sofreram com as incursões dos gigantes do norte, a quem chamavam celtas. Durante as Guerras Púnicas (séculos III-II a.C.), os celtas atuaram como mercenários a serviço da poderosa Cartago; a partir de então, sua fama enquanto guerreiros se espalhou.


Episódio da "segunda guerra dos goblins", que teria sido travada na Britânia durante o reinado de Nero. Os druidas davam um feroz ímpeto aos celtas em suas lutas contra os romanos.

A cultura celta tinha muitos avanços, tanto metalúrgicos como agrários, e isso foi canalizado para seu esforço de guerra.

9. Guerreiro gaulês (séc. I a.C.)


Os gauleses integravam a rica e antiga cultura celta que chegou a se estender da Itália central ao norte da Inglaterra. Apesar da propaganda romana dizer o contrário, os celtas da Gália não eram bárbaros. Por volta de 78 a.C., quando nasceu o maior dos seus líderes, Vercingetórix, muitas tribos gaulesas estavam se urbanizando rapidamente, formando grandes confederações políticas e passando para uma economia monetarizada. 

A memória coletiva romana guardava vívida a lembrança do saque de Roma pelos gauleses, em c. 390 a.C. Tal feito só seria repetido pelos visigodos de Alarico, em 410. Muitos dos equipamentos dos legionários evoluíram justamente para a difícil tarefa de combater os gauleses. No entanto, no séc. I a.C. os exércitos desse povo celta ainda se baseava na cavalaria mal organizada que não tinha capacidade logística para permanecer muito tempo no campo de batalha. Os soldados de infantaria eram camponeses, pobres demais para possuir um cavalo e um arnês; tropas despreparadas que não eram páreos para os romanos, mestres da guerra de infantaria. Assim, nas Guerras das Gálias (58 a.C. - 49 a.C.), a região foi conquistada pelas legiões de Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.).

10. Guerreiro egípcio antigo (séc. I a.C.)


Uma das vantagens que o Egito retirou da sua excepcional situação geográfica foi uma relativa segurança. Durante o Império Antigo, quando surgia uma situação de emergência, reunia-se um grupo de homens para apoiarem as pequenas as pequenas unidades permanentes especializadas. Essa situação alterou-se no Primeiro Período Intermediário, quando a instabilidade obrigou os monarcas a criarem exércitos privados e contratarem mercenários não-egípcios.

No Império Médio, já existiam unidades militares efetivas bem organizadas, complementadas sempre que necessário por milícias locais. Essas forças consistiam, sobretudo, em infantaria, com gente dos barcos nela integrada. Durante o Segundo Período Intermediário e a 18ª dinastia houve um avanço sem precedentes no desenvolvimento do armamento, da organização militar (aparecimento dos carros de guerra, organização da infantaria em companhias de uns 250 homens), da estratégia e da tática. O exército efetivo e os oficiais profissionais começaram a ter um papel importante na política interna. Durante o período tardio o núcleo do exército era formado por mercenários estrangeiros, muitos deles de origem grega.

A imagem representa um faraó, em armadura de combate e com a tradicional coroa capacete de guerra.

11. Gladiador reciário (séc. I a.C.)


O reciário era um gladiador que lutava com um tridente, sua arma principal. A rede era utilizada para estorvar e agarrar o oponente, podendo mesmo deixá-lo indefeso. O protetor de ombro, além de protegê-lo de golpes contra o seu lado esquerdo, também era utilizado para golpear o oponente. As defesas das extremidades costumavam ser confeccionadas em algodão ou lã prensada.

O gladiador Espártaco liderou a maior revolta de escravos contra Roma, entre 73-70 a.C. Após alguns reveses, as forças romanas reprimiram duramente essa sublevação, que terminou com seis mil revoltosos crucificados.

12. Chefe bretão (séc. I a.C.)


A figura encarna Cassivellanus, chefe celta da Britânia central que liderou a defesa contra a 2ª expedição de Júlio César à ilha, em 54 a.C. Seu capacete apresenta dois chifres, talvez em alusão ao animal sagrado dos celtas, o touro, ao qual se atribuíam influências sobre a virilidade e a boa sorte. A bainha da sua espada está adornada com pedras e esmaltes, o que condiz com o status social do seu portador.

Os bretões criavam mastins imensos que eram soberbos cães de caça e, presumivelmente, também eram treinados para lutar nas batalhas junto aos donos. Esses animais eram quase do tamanho de um São Bernardo moderno e, portanto, deviam ser desconcertantes. Outro hábito surpreendente dos bretões é que eles se pintavam de azul com pastel dos tintureiros (ísatis) antes de entrar em combate. Além de assustar os inimigos, os bretões se beneficiavam com as qualidades antissépticas dessa planta, que ajudavam a evitar que os ferimentos infeccionassem  (Matyszak, 2013: p. 161). 

13. Guerreiro dácio (101-106)


O reino da Dácia, na atual Romênia, era habitado por um povo originado da miscigenação entre celtas, trácios e citas. Roma enfrentou esse reino no início do século II, durante o principado de Trajano (98-117). A Dácia foi um dos últimos territórios a serem absorvidos por Roma, após a a morte do seu líder Decébalo. O Império Romano atingiu então o auge da sua expansão territorial. 

Os guerreiros dácios não usavam armaduras pesadas (exceto seus líderes). Confiavam em escudos ovais para defesa e estavam mais bem vestidos do que os guerreiros alemães - usavam calças e túnicas. Uma das armas dácias prediletas era a falx, um tipo de foice de guerra. Na Coluna de Trajano, os soldados dácios brandiam-nas com uma só mão, mas outras representações mostram a falx como uma arma muito mais pesada e assustadora que exigia o uso das duas mãos. Espadas e lanças convencionais também eram usadas, assim como machados de batalha (veja acima), além de bastões de madeira.


A carga dácia recebe uma chuva de pila da vanguarda romana. Por G. Rava.

Como se poderia esperar de um povo em contato com arqueiros montados ao redor do Mar Negro, os dácios eram arqueiros hábeis. Em relação à cavalaria, eles dependiam fortemente de seus aliados, os sarmacianos. Eles eram cavaleiros catafractos formidáveis, que posteriormente foram incluídos no exército romano. 

Leia mais AQUI.

14. Guerreiro germânico com machado


Os germânicos não formaram um estado centralizado. Os guerreiros estavam unidos por laços de fidelidade pessoal com os seus chefes, formando o comitatus. Se a sua disciplina e organização eram precárias, a ferocidade pessoal dos germânicos era bem conhecida. Podiam usar espadas, machados e escudos. 


Um combate entre germânicos e cornuti seniores (regimento da auxilia palatina), no séc. IV. Por Igor Dzis. 

Segundo um historiador, "no passado, os arqueiros das tribos germânicas quase sem roupa quer lançavam seus temíveis machados de uma distância de quatorze metros, quer usavam suas lanças leves antes de completar o ataque com suas grandes espadas de dois cortes - armas que exigiam bastante espaço para golpes horizontais ou verticais" (HANSON, 2002: p. 201-202). Apesar disso, de modo geral, os soldados romanos estavam mais bem equipados para o combate que os guerreiros germânicos.


Guerreiros germânicos, por G. Rava.

A partir do séc. III, esses bárbaros foram cada vez mais atuantes na realidade política, militar e social do Império Romano, sendo fundamentais na desintegração política de sua porção ocidental.

15. Guerreiro germânico


A figura mostra um guerreiro germânico em combate. Ele usa uma espada longa (spatha, que no Baixo Império acabou sendo adotada pela infantaria romana) e um pequeno escudo redondo, para a proteção pessoal. 


Exército visigodo.

A ausência de armaduras era característica das tropas germânicas até o séc. II. A partir de então, elas passaram a importar equipamentos de manufatura romana, aos quais imprimiram características próprias.

16. Guerreiro huno a cavalo


Originários das estepes da Ásia, os nômades hunos se moveram em direção à Europa no século IV, "empurrando" os povos germânicos para o interior do Império Romano. Lutavam e viviam sobre cavalos que, apesar de não serem belos, possuíam grande resistência. Segundo Amiano Marcelino (Res Gestae, 31.2.6), qualquer huno, durante o dia ou à noite, "compra ou vende montado sobre seu cavalo e assim também come, bebe e, inclusive, inclinado sobre a estreita cerviz do seu cavalo, dorme (...)." "Se alimentam com carne de qualquer animal quase crua, já que tão só a aqueciam ligeiramente colocando-a entre suas pernas e os lombos dos seus cavalos" (idem, 31.2.3). 

Os hunos protegiam a cabeça com capacetes curvos e as pernas com peles de cabras. Eram arqueiros brilhantes, e as suas flechas tinham ossos afiados como pontas. Ao se aproximarem do inimigo, lutavam corpo a corpo com espadas, sem qualquer receio de perderem a vida, segundo o relato de Amiano Marcelino. 

17. Átila a cavalo


Átila tornou-se chefe dos hunos em 433, quando iniciou uma série de incursões no sul da Rússia e na Pérsia. A seguir, espalhou o terror nos Bálcãs, abandonando-os após receber um vultoso suborno. Atravessou então o Reno e atacou o Império Romano do Ocidente, mas foi derrotado por um exército romano-visigítico, na batalha de Châlons, em 451. Embora a derrota não tenha sido total, Átila cruzou de volta o reno, e nunca mais voltou a perturbar a Gália. No ano seguinte, devastou o norte da Itália; mas, abatido pela peste e pela falta de provisões, recuou antes de atacar a própria Roma. Pensou em conduzir o seu exército contra a Roma do Oriente, mas desistiu da invasão. Atacou então os alanos, mas estes receberam o socorro dos visigodos e os hunos foram derrotados. Após esse episódio, a reputação de invencibilidade de Átila foi gravemente abalada. 

O Império Huno desintegrou-se após a morte de Átila, em 453. Pouco depois, os hunos desapareceram da História. Um eremita cristão certa vez denominou Átila como o "Flagelo de Deus". O chefe huno adotou o novo título imediatamente. O poder de sua propaganda e a violência de seus atos o enraizaram no folclore europeu. Seu cavalo sinistro e sua espada mágica são temas recorrentes nas sagas da Noruega e da Islândia. Suas conquistas também são mencionadas no Nibelungenlied, conto alemão da Idade Média.  

Bibliografia consultada: 
HANSON, Victor Davis. Por que o Ocidente venceu. Tradução de Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. 
MATYSZAK, Philip. Os inimigos de Roma - de Aníbal a Átila, o Huno. Tradução de Sonia Augusto. Barueri, SP: Manole, 2013. 

P.s. Agradeço aos comentários dos leitores. Por uma limitação do layout aqui adotado, só o primeiro fica visível aos leitores. De qualquer modo, reproduzo aqui o último comentário, feito por um leitor chamado Turbino Sanches: "Informações muito interessantes e úteis para o pesquisador de história durante o período do Império Romano, obrigado por partilhar."

Soldados da Roma Antiga

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Abaixo, os 22 soldados de chumbo que ajudam a contar a História do exército romano entre o início do século III a.C. e meados do século V d.C. Nessa pequena mostra da mais poderosa máquina de guerra da Antiguidade, friso uma das maiores de suas virtudes: sua capacidade de adaptação.

Uma visão geral a respeito do exército romano pode ser obtida a partir do livro The Complete Roman Army.

1. Hastati (201 a.C.)

A infantaria das antigas legiões era dividida em três linhas, de acordo com critérios de renda e de idade. A 1ª dessas linhas era composta pelos hastati, os soldados mais jovens (provavelmente no final da adolescência e início dos vinte anos).


Destaque para os vários equipamentos da infantaria. Ilustração de Carlos Fernández del Castillo.

Os hastati usavam o pilum, o gládio, um peitoral de bronze, um capacete e um escudo oval ou semi-cilíndrico. No front, eram os primeiros a enfrentar os inimigos.

2. Centurião (200 a.C. - 104 a.C.)

Já nas incipientes legiões da Roma republicana os centuriões formavam a casta de profissionais da milícia. Seu elmo possuía uma crista transversal e sua armadura era formada por anéis entrelaçados. 
Centurião cesariano, por R. Oltean.

A espada era o gladius hispaniensis e o escudo, ovalado, próprio dos tempos da República, era feito de lâminas de madeira forradas e tinha no centro um protetor para a mão.

3. Centurião em batalha

Os centuriões comandavam uma centúria e destacavam-se pelo mérito, agressividade e capacidade de liderança. Eram autênticos profissionais e bem remunerados, como atesta a história do centurião cujo servo fora curado por Jesus (ele havia financiado a construção da sinagoga de Cafarnaum; cf. Lucas 7:1-5). Consequentemente, sua armadura e seu escudo eram de melhor qualidade do que os usados pelos legionários. Ao contrário destes, nunca portavam a lança (ou pilum).

A imagem capta um centurião do Alto Império, em combate.

4. Centurião com a cepa

Esperava-se que os centuriões mantivessem a férrea disciplina das legiões. Eles deviam estar atentos não só à ordem unida e coesão das fileiras, mas também à disposição dos homens no acampamento, ao desempenho de diversos trabalhos, etc.

A insígnia dos centuriões era a cepa, que era usada como bastão de comando.

5. A "mula" de Mário

É um legionário da época republicana, em marcha. Equipava-se com cota de malha, escudo oval e curvado, espada hispânica, lança arrojadiça, túnica curta e sandálias militares.

Caio Mário (c. 157 a.C. - 86 a.C.) reduziu ao mínimo a bagagem que os legionários deveriam transportar em suas marchas. Assim, foi combatido um dos problemas que mais estorvavam a eficiência das legiões: a lentidão nos deslocamentos. Com menos bagagem e menos animais de carga, os legionários passaram a marchar com muito peso, razão pela qual foram alcunhados de "as mulas de Mário".

6. Legionário em combate (fins do séc. I a.C.)

Legionário do início da Era Imperial. Em seu armamento era característico o capacete de bronze terminado em ponta. Carregava escudo oval de transição, espada ibérica aprimorada, saiote de tiras e cotas de malha com proteção interna de couro. 
Representação de um legionário do principado de Augusto, por Johnny Shumate.


O equipamento desse militar mostra a evolução de um exército já profissionalizado.

7. Soldado em marcha (início do séc. II)

Um legionário transportando os seus utensílios e parte daqueles de vários companheiros durante as Guerras Dácias (101-106). Assim atestam os dois reforços, em forma de cruz, colocados nos capacetes durante essas campanhas. Como norma, carregava-se comida para três dias, embora existam relatos que sugerem que podia-se transportar rações para quinze dias, um peso nada desprezível.


Uma expedição romana na costa da Grã-Bretanha, por Peter Dennis.

8. General romano

O general era o emissário imperial que comandava uma legião. Nomeado diretamente pelo imperador, o cargo era sempre ocupado por um aristocrata que exercia a função por certo período, como um degrau em sua carreira política. 

Os cavalos dos generais costumavam ser presas de guerra. Os preferidos eram os de raça árabe ou hispânica, muito apreciados por seus donos. O general da imagem usa como almofada o couro de um leão, mais um símbolo de poder e prestígio.

9. Tribuno pretoriano

 De classe social elevada, o tribuno era um oficial de alta graduação que comandava uma das coortes que compunham a guarda pretoriana, a escolta pessoal do imperador. Tanto sua indumentária como seus equipamentos foram inspirados nos equivalentes usados na Grécia clássica.

Como os demais oficiais, o tribuno geralmente usava a espada de cavalaria (spatha), visto que em combate quase sempre lutava a cavalo. Os oficiais também se distinguiam por uma longa capa ou paludamentum, que era presa sobre o peito com um broche.

10. Pretoriano

O soldado pretoriano fazia guarda nos acessos às dependências do imperador. Usava uma armadura de gala de origem helênica, sempre que atuava no palácio ou prestava honras especiais. Estava armado com lança e espada e carregava um escudo oval, reminiscência do período republicano.


Guarda pretoriano, por Johnny Shumate.

Foram frequentes entre os pretorianos as armaduras e capacetes adornados com metais preciosos, esculturas e figuras, dando um caráter tão impressionante quanto teatral a seus portadores, que demonstravam assim sua posição e fortuna.

11. Legionário da infantaria alto-imperial (sécs. I-III)

No Alto Império (27 a.C. - 235) os romanos experimentaram uma era de paz e prosperidade. O responsável por assegurar a ordem nos vastos domínios romanos era o legionário, um dos 4800 soldados de infantaria que compunham uma legião. 


Uma das muitas possíveis variações de equipamentos dos legionários na primeira metade do século II, por Angel Garcia Pinto.

Equipava-se com espada curta de fio duplo com ponta, lança arrojadiça (pilum), escudo curvo retangular, couraça de placas metálicas sobrepostas, adaga, capacete de ferro ou bronze e sandálias militares.


Legionário da época da dinastia dos Severos (fins do séc. II - início do séc. III). Arte de Pablo Outeiral para a Desperta Ferro.

Nesse período a legião era uma formação homogênea, fundamental na romanização das províncias recém-formadas. Com um único tipo de soldado que combatia em perfeita ordem, as legiões levaram o imperador Trajano a dominar cerca de 6,5 milhões de quilômetros quadrados.

12. Soldado em batalha

O legionário é captado na imagem no momento em que inicia o combate, lançando o pilum. Tal projétil chocava-se com grande impacto nos escudos dos inimigos, inutilizando-os e ferindo ou matando os menos afortunados. 


Legionários lançando o pilum (sécs. I-II), de Peter Connolly.

Após isso, e se aproveitando da confusão gerada, os legionários atacavam com o gladius em punho. Com o gladius o objetivo era golpear de ponta, para provocar feridas mais letais do que se fosse golpeado de gume. 

13. Legionário da VI Legião

Legionário da Legio VI Victrix. Esta legião esteve sob o comando de Octaviano em Filipos (42 a.C.). Posteriormente, esteve aquartelada na Britânia por quase trezentos anos, garantindo a Pax Romana na província mais setentrional do império. A Legio VI foi a última legião a abandonar a província, no início do séc. V, e provavelmente foi destruída nas batalhas que culminaram com o saque de Roma por Alarico, em 410.

Pensa-se que foi Artório, um homem da cavalaria desta legião, que inspirou as lendas envolvendo o rei Artur.

14. Soldado em acampamento

A figura reproduz um legionário realizando tarefas de limpeza e manutenção de seu equipamento. É interessante observar o desmonte das diferentes partes da loriga e como encaixam-se umas às outras. À direita estão os outros elementos da panóplia.


Recruta treinando num acampamento.

15. Signifer


Os signiferi eram os porta-estandartes de uma centúria. Seu nome derivava do signum, o estandarte que levavam. Costumavam usar loriga de malha ou escamas, armadura coberta com pele de animal e escudo pequeno redondo. Apesar de carregarem arma, não combatiam, já que sua missão era a de estabelecer a posição de sua unidade, indicar o caminho durante as marchas e supervisionar os depósitos de dinheiro dos soldados, nos acampamentos. Todas essas funções demandavam grande responsabilidade e confiança.


Draconarius, porta-estandarte da cavalaria romana.


Dentre os demais tipos de estandartes, destaco ainda a águia, carregada pelo aquilifer e que após Mário se tornou o emblema supremo de todas as legiões; e a imago, um emblema muito peculiar e de grande importância política, uma vez que ligava a legião diretamente à pessoa do imperador.


Imaginifer, por P. Connolly.

Como se vê, este estandarte portava um busto em bronze do imperador. A águia e a imago estavam a cargo da Primeira Coorte.

16. Arqueiro hamita (séc. II)

As forças auxiliares (auxilia) eram recrutadas dentre os não-cidadãos, e incluíam até bárbaros (muitos dos quais ambicionavam viver no Império Romano e adquirir a cidadania após a baixa). Os auxilia que combateram junto com o exército de Roma normalmente equipavam-se com armas diferentes e combatiam de forma distinta dos legionários. Este é o caso dos arqueiros auxiliares, ajuda sempre grata para os legionários, uma vez que a maré de combatentes era bastante desorganizada.

As forças auxiliares adquiriram maior importância nas guerras do Baixo Império (235-476). No período final da civilização romana a estratégia militar romana foi alterada: o sólido sistema de defesa fronteiriça foi substituído por um exército central móvel (comitatense), auxiliado por tropas fronteiriças (limitanei). Estas não mais teriam a obrigação de conter o inimigo na zona fronteiriça; apenas iriam desgastá-lo para que os comitatenses os derrotassem numa batalha campal, no interior do império. O sistema de defesa em profundidade, como veio a ser conhecido, apostava mais na mobilidade, quesito em que os auxiliares tinham clara vantagem sobre a infantaria pesada. 

Muitos bárbaros foram recrutados e incorporados no exército romano como auxilia, cujo contingente cresceu à medida que aumentavam as baixas de legionários. Com a multiplicação de campanhas ao longo do limes, e devastadoras guerras civis sendo travadas no coração do império, renovar o exército como novos legionários era mais custoso e demorado (além que, com o acúmulo de derrotas e o esfriamento do patriotismo, muitos cidadãos evitavam a todo custo a carreira militar - alguns chegavam até a amputarem os polegares!). Essas circunstâncias difíceis levaram os imperadores e generais dos sécs. III-V, quase incessantemente imersos em conflitos, a dependerem cada vez mais de auxilia. Muitos deles eram bárbaros que na véspera lutavam contra Roma.  

17. Infantaria auxiliar 

As legiões eram acompanhadas por unidades de menor importância, cuja função era assistir àquelas, mas que também podiam atuar independentemente. Esses corpos auxiliares contavam com 500 ou 1000 homens que se chamavam, respectivamente, "quinquegenárias" e "miliárias".

Escrevendo no final do séc. IV, Vegécio apontou como uma das causas da decadência das legiões o fato de muitos preferirem servir nas tropas auxiliares, "onde têm de trabalhar menos e as recompensas são melhores" (Epitoma rei militaris, II.3). 

18. Cavalaria romana

As tropas da cavalaria romana eram compostas, em sua imensa maioria, de unidades auxiliares que eram abastecidas com ginetes procedentes de lugares onde a arte equestre fazia parte da maneira de guerrear autóctone. Este era o caso dos povos gauleses e hispânicos.


Cavalaria auxiliar alto-imperial, por R. Embleton

Durante as batalhas, a cavalaria protegia os flancos da infantaria. "A secção posterior da infantaria deve ser defendida pela cavalaria pesada, enquanto que a cavalaria ligeira e rápida se encarrega de atacar e romper as alas do inimigo" (Vegécio, Epitoma, III.16).

Ilustração de Peter Connolly.

19. Escorpião

O escorpião (scorpio) era uma pequena catapulta, facilmente transportável. Esse peça de artilharia podia ser colocada rapidamente em acessos fortificados ou ser levada para o campo de batalha. Lançava pedras e pequenos projéteis que produziam um impacto mortífero mesmo a 200 m de distância. Cada legião contava com 59 escorpiões, distribuídos para cada centúria.

Durante as Guerras Dácias, alguns carros, conduzidos por mulas, incorporavam esses escorpiões (eram os cheiroballistra), e permitia uma grande mobilidade a essas peças de artilharia.

20. Infantaria ligeira tardia

A partir do séc. IV, o exército romano tornou-se bem multicultural. Os hábitos das novas tropas procedentes dos povos bárbaros foram se impondo, e aos poucos a infantaria deixou cair em desuso o antigo costume de se usar o tempo todo a armadura tradicional. Armas e formações se alteraram.


 Exército romano do Baixo Império. Ilustração de Pawel Kaczmarczyk.

Ainda assim, na Antiguidade Tardia as forças romanas eram as mais bem preparadas para a batalha campal. Segundo Victor Davis Hanson, as legiões afinal foram suplantadas "não por causa de fraquezas de organização, atrasos tecnológicos ou mesmo problemas de comando e disciplina, mas sim por causa da escassez de cidadãos livres dispostos a lutar por sua própria liberdade e pelos valores de sua civilização" (Por que o Ocidente venceu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 227).

Saiba mais: Ejército tardo imperial romano (artigo), Late Roman Infantryman - 236-565 AD (livro).

21. Oficial romano (séc. V)

A partir do séc. IV, o magister militum ("mestre dos soldados") era a patente do comandante-em-chefe do exército romano. Esse generalíssimo passou mesmo a decidir os rumos das guerras de Roma, uma vez que os imperadores acabaram por se distanciar quase completamente dos assuntos militares a partir do final do século em questão. Vários desses oficiais (como Estilicão, Ricimero, Odoacro), muitos dos quais de sangue bárbaro, passaram a ser verdadeiras "eminências pardas" frente a imperadores fracos.

22. General a cavalo (séc. V)

No séc. V, quando o Império Romano do Ocidente estava a se desintegrar, bons generais ainda mostravam o seu valor. Tal foi o caso de Flávio Aécio (396-454), cognominado "o último os romanos", por sua bravura em combate.

Figura influente durante o governo de Valentiniano III, em 451 Aécio liderou uma coalizão de romanos, visigodos e francos que derrotou os hunos de Átila na batalha dos Campos Catalaúnicos (ou batalha de Châlons).