“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Monarquianismo e Sabelianismo

domingo, 10 de dezembro de 2017

"Escudo da Trindade" ou Scutum Fidei, símbolo tradicional cristão.

As palavras rituais extraídas de Mateus 28,19 ("Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo") foram usadas no batismo desde os primórdios do cristianismo. No começo do século II, Justino Mártir descreveu os novos convertidos como aqueles que "são lavados com água em nome de Deus Pai e Senhor do Universo, e de nosso Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo". 

No entanto, já no século II surgiram questionamentos sobre a natureza de Deus. Estas especulações e discussões se arrastaram pelos séculos seguintes mas, apesar de existirem diferentes escolas de pensamento sobre estas questões, a princípio, nenhum desses ensinamentos foi considerado "ortodoxo". Por conseguinte, nenhum deles poderia ser rotulado de "herético". 

Com o intuito de enfatizar a Unidade de Deus (o que, no contexto cristão trinitariano, poderia ser mal compreendida tanto pelos conversos oriundos do paganismo quanto do judaísmo), e de evitar um processo que levasse ao abandono do monoteísmo por parte dos cristãos, surgiu uma escola de pensamento conhecida como monarquianismo. Este termo foi usado inicialmente por Tertuliano, no final do século II. Entre os monarquianistas, surgiu uma divisão: enquanto os adocionistas consideravam Cristo como um ser humano, concebido de maneira milagrosa e preenchido pelo Poder Divino até o máximo grau, os "pneumos" afirmavam que Cristo na Terra era a manifestação temporária, em forma humana, de um Redentor Divino. 

No entanto, os monarquianistas, procurando garantir a mais rígida observação do monoteísmo, adotaram aquilo que nas Igrejas orientais, mais tarde, foi chamado de sabelianismo. Segundo esta designação, "o Pai" e "o Filho" seriam designações do mesmo sujeito - isto é, diferentes aspectos ou modos do Deus Uno. Ao final do século III, Sabélio e seus seguidores monarquianistas foram considerados heterodoxos. 

Já no século II, Cristo, como Redentor da humanidade, era cultuado nas reuniões regulares de cristãos e pedidos de orações eram endereçados a ELE. Para alguns monarquianistas da escola adocionista, isto era uma tendência perigosamente antimonoteísta. No final do século III, Paulo de Samósata, Patriarca de Antioquia, não permitia em sua igreja orações ou hinos a Jesus Cristo. Só Deus deveria ser adorado. As orações deveriam ser feitas através de Cristo. 

No conflito de Paulo de Samósata com o papa, foi usada pela primeira vez a palavra homoousios (de substância parecida) - uma palavra que se tornaria muito importante nas disputas em torno da natureza de Cristo do século IV. Nessa ocasião, porém, o termo foi rejeitado e Paulo foi condenado e exilado. 

Bibliografia consultada: O'GRADY, Joan. Heresia - o jogo de poder das seitas cristãs nos primeiros séculos depois de Cristo. Tradução de José Antonio Ceschin. São Paulo: Mercuryo, 1994, p. 100-103.

#15Fatos As Mulheres de Henrique VIII

sábado, 9 de dezembro de 2017

1. "Divorciada, decapitada, morta, divorciada, decapitada, sobrevivente." Assim, as seis mulheres de Henrique VIII - Catarina de Aragão, Ana Bolena, Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr - passaram a ser popularmente conhecidas.  

2. As mulheres de Henrique VIII também passaram a ser identificadas a partir de estereótipos femininos: Catarina de Aragão foi a Mulher Traída, Ana Bolena foi a Tentadora, Jane Seymour a Boa Esposa, Ana de Cleves foi a Irmã Feia, Catarina Howard foi a Malvada e, finalmente, Catarina Parr encarnou a Figura Materna.

3. Em termos de aptidão intelectual, a esposa do rei Henrique que mais se destacou foi Catarina de Aragão, seguida por Ana Bolena e Catarina Parr. Nem Jane Seymour nem Ana de Cleves, contudo, eram burras, segundo aqueles que as observavam e prestavam informações sobre elas. Catarina Howard foi a diferente nesse aspecto.

4. Os seis casamentos do monarca que criou a Igreja Anglicana ocorreram em um período em que a religião e a questão da reforma religiosa constituíam o assunto dominante da Europa. Os próximos tópicos tratarão disso. 

5. Catarina de Aragão é grosseiramente tida como uma católica fanática, embora no apogeu da vida ela fosse destacada pelo apoio que dava ao humanismo erasmiano - "a Nova Erudição".

6. Ana Bolena demonstrava fortes tendências protestantes, em parâmetros modernos, muito antes do ato de Roma que bloqueou seu casamento com o rei. Isso a tornou uma aliada natural dos reformadores.

7. Jane Seymour, que passou à História como a Rainha Protestante, aderiu, na verdade, à moda antiga no que se referia a religião. A última das esposas de Henrique VIII, Catarina Parr, uma das raras mulheres daquele período cujos trabalhos (orações e meditações) foram impressos, foi a verdadeira Rainha Protestante.

8. Ana de Cleves, casada pela sua conexão "luterana", era católica por natureza. Um detalhe importante sobre a biografia dessa rainha: ao contrário do que se diz, Henrique VIII jamais lhe apelidou de "a Égua de Flandres". 

9. Em termos do cerimonial da corte, Ana Bolena serviu a Catarina de Aragão antes suplantá-la. Jane Seymour, por sua vez, serviu a Ana Bolena, Catarina Howard a Ana de Cleves, Ana Parr a Catarina Howard, levando, assim, sua irmã Catarina para os círculos da corte.

10. A estabilidade do início da vida de casado do rei Henrique com Catarina de Aragão - quase vinte anos - cedeu lugar a uma era de tempestade marital, na qual, com muita frequência, havia duas mulheres vivas que eram ou tinham sido rainhas da Inglaterra.

11. A bizarra e demorada sobrevivência de Ana de Cleves na corte inglesa, no papel honorário de "boa irmã" do rei, depois do divórcio dela, é, sem dúvida, um dos mais estranhos da História. Sabe-se que ela dançava, feliz, com Catarina Howard, a rainha que assumira o seu lugar, nas festas do ano-novo em 1541, enquanto o velho rei seguia para tratar de sua perna doente.   

12. A história das seis mulheres de Henrique VIII, com todos os seus elementos de drama sexual, pathos, horror e, às vezes, comédia, deixou a própria Europa plenamente estupefata. Em 1540, uma indiscreta dama de companhia falou em nome de muita gente quando exclamou: "Que homem, o rei! Quantas esposas ele vai ter?"

13. Henrique VIII teve mulheres de fibra. Muito destaque é dado ao vigor (ou obstinação) de Catarina de Aragão ao se recusar a conceder o divórcio ao marido; mas a independência de raciocínio e de comportamento de Ana Bolena, como mulher, a tornaram curiosamente moderna. Nascida em um nível comparativamente menor na vida, ela teve a tenacidade de esperar pelo maior de todos os papéis que almejava - o de esposa do rei, e consegui-lo.  

14. 1536 ficou conhecido como o ano de três rainhas. Cinco meses após a morte da rainha Catarina de Aragão, e apenas 11 dias após a morte da rainha Ana Bolena, Jane Seymour tornou-se a rainha, apresentando-se como um modelo de bom senso discreto.

15.  Para Henrique VIII, Jane Seymour continuou sendo sua "verdadeira esposa", aquela que fora "totalmente adorada", com base no fato de lhe ter dado um filho homem. Assim, ele ordenou que ela fosse entronizada com destaque, depois de morta, como sua consorte, no imenso retrato dinástico de sua família, quando Catarina Parr era a leal esposa viva a seu lado.

Bibliografia consultada: FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento e Silva. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

#15Fatos Evergetismo

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A corrida de bigas, uma pintura de Ulpiano Checa (1860-1916). 
Grandes eventos e espetáculos da civilização greco-romana só foram possíveis por causa da prática do evergetismo. 

1. "Evergetismo" é um conceito desenvolvido por André Boulanger e Henri-I. Marrou, na primeira metade do século XX. A palavra "evergetismo" vem do grego moderno, no sentido de mecenato dos escritos de Boulanger, que foi membro da Escola Francesa de Atenas: por volta dos anos 1900, chamavam-se evérgetas os ricos negociantes gregos que, do Egito ou da Anatólia, fundavam escolas ou edifícios públicos em seu país natal. 

2. Sendo, simultaneamente, uma conduta espontânea, uma obrigação moral e uma obrigação legal, o evergetismo não dizia respeito plenamente nem aos especialistas das instituições, nem aos da civilização e da vida cotidiana. Assim, o estudo e até mesmo a ideia do estudo acerca do evergetismo eram discutidos entre áreas diferentes do conhecimento, perdendo, assim, sua unidade.

3. Nenhuma palavra da Antiguidade corresponde perfeitamente ao evergetismo; liberalitas não se dizia somente das liberalidades para com o público, cidade ou "colégio", mas também sobre qualquer liberalidade. O termo do idioma grego antigo que mais se aproxima de evergetismo também é muito amplo e enfatiza, principalmente, as razões do evergetismo, a virtude que o explica: um nobre desejo de glória e de honras. 

4. O evergetismo consistia no fato de que as coletividades (cidades, colégios, etc.) esperavam que os ricos contribuíssem com seus próprios recursos para as despesas públicas, e que suas expectativas fossem atendidas: os ricos contribuíam com as despesas públicas espontaneamente ou de bom grado. 

5. Essas despesas em favor da coletividade eram destinadas essencialmente a espetáculos de circo e de arena, mais amplamente a prazeres públicos (banquetes) e à construção de edifícios públicos: em resumo, a prazeres e a construções. 

6. Os historiadores denominam "evergetismo livre" as evergesias oferecidas por notáveis fora do contexto de suas obrigações definidas. 

7. Outras vezes, as evergesias eram oferecidas no momento em que um notável era eleito a uma "honra" pública, uma magistratura ou uma função municipal. Tal era o evergetismo ob honorem, e era moralmente ou até mesmo legalmente obrigatório. 

8. O evergetismo livre podia ser às vezes o resultado de uma "doce" violência, de uma desonra pública, de uma luta de classes latente ou oculta. 

9. O evergetismo obrigatório era apenas a continuação e a codificação do evergetismo livre na época romana, que surgiu no mundo grego bem no início da época helenística e que foi, logo depois, imitado pelos notáveis das cidades romanas. Assim, de forma honesta, a distinção entre as duas formas de evergetismo é superficial. 

10. Paralelamente ao evergetismo ob honorem, o evergetismo livre continuou a existir até o fim da Antiguidade. 

11. Vários notáveis, ao serem eleitos magistrados, nem sempre se contentavam em pagar o que deviam à coletividade, mas pagavam espontaneamente mais do que deviam e transformavam, assim, sua evergesia ob honorem em uma evergesia livre. 

12. Na evolução do evergetismo, a liberalidade espontânea era e continuou sendo o fato principal. 

13. Dois quadros contraditórios do evergetismo: por um lado, notáveis rivalizavam em suas liberalidades e inventavam refinamentos de munificência dificilmente imagináveis. Por outro, existiam homens que satisfaziam o povo em seus prazeres pressionados pela plebe, ou por seus pares que temiam a plebe. 

14. Uma evergesia era um "fato social total": além de ser um hábito ou mesmo um aspecto de direito escrito, era uma atitude e um fenômeno de mentalidade e possuía alcance político-social (o pão e circo não deveriam despolitizar a plebe?) e dinástico. 

15. Em suma, os evérgetas eram homens ricos que ajudavam a coletividade com seu pecúlio. Seus dons, suas evergesias, são direcionados à coletividade, e não a alguns indivíduos, o que basta para distingui-los do mecenas comum: as evergesias eram bens coletivos.    

Bibliografia consultada: VEYNE, Paul. Pão e circo: sociologia histórica de um pluralismo político. Tradução Lineimar Pereira Martins. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2015, p. 14-17.

Leituras públicas em Roma

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Um afresco de Pompeia datado de aproximadamente 50 d.C. Uma mulher da alta sociedade, comumente denominada Sappho, segura um caderno e um estilete. 

O uso das leituras públicas era uma preocupação "lancinante" e "perpétua" dos romanos cultos. O hábito é tão estranho para nós que merece uma explicação. 

Em Roma, os homens de letras ignoraram durante dois séculos o que nós entendemos por "publicar". Até ao fim da República executavam nas suas casas ou na casa de um protetor as cópias das suas obras que seguidamente distribuíam pelas pessoas do seu círculo. Nesse sentido, Cícero confiava a Atticus os seus discursos e tratados, e este criou com a oficina que tinha montado por sua conta uma verdadeira indústria. Na mesma época, César facilitou-lhe o recrutamento duma clientela ao fundar a primeira biblioteca do Estado que Roma possuiu, a exemplo da que existia no museu de Alexandria. Essa biblioteca foi completada por Axinius Pollior e pouco depois ramificou-se pelas províncias.

Bibliografia consultada: CARCOPINO, Jérôme. A vida quotidiana em Roma no apogeu do império. Tradução de António José Saraiva. Lisboa: Livros do Brasil, s/d, p. 237-238.

Vencer a Si Mesmo

domingo, 3 de dezembro de 2017

O Egito dos Ptolomeus

sábado, 2 de dezembro de 2017

O mundo mediterrânico em 218 a.C., um ano antes da Batalha de Ráfia. Clique no mapa para melhorar a visualização.

Os herdeiros de Ptolomeu I Sóter, filho de Lagos (origem do nome da dinastia - "lágida"), mantiveram o Egito durante o século III a.C. em sua categoria de primeiro reino helenístico. Isso se deu pela riqueza, organização e pelo lugar do país no mundo mediterrânico. 

Ptolomeu II Filadelfo (284-246 a.C.) e sua irmã-esposa Arsinoe recuperaram a Celessíria, prudentemente abandonada por Sóter e, por meio de empreendimentos egeus, anexaram ao Egito suas "possessões exteriores" - Chipre, Cirene, Panfília, Lícia, várias ilhas, Samos, Éfeso e mesmo Samotrácia. Filadelfo foi ainda o criador do sistema de monopólios estatais e comerciais que fizeram a fortuna da dinastia. 

O sucessor de Filadelfo foi Ptolomeu III Evérgeta. Após um excelente início de reinado, no qual firmou a paz com os selêucidas (140 a.C.), marco do apogeu exterior do Egito, apagou-se no meio de voluptuosidades (246-221 a.C.). 

O período de 221-181 a.C., sob os reinados de Ptolomeu IV Filopátor e Ptolomeu V Epifânio, assinalou a mudança do regime. Após o belo êxito logrado na Batalha de Ráfia (217 a.C.) contra Antíoco III (223-187 a.C.), obtido graças à mobilização de tropas indígenas, multiplicaram-se as perturbações "nacionalistas" e as revoluções palacianas. 

Os selêucidas e seus elefantes indianos (à esquerda) combatendo tropas ptolomaicas e seus elefantes africanos. Artista desconhecido.

Aproveitando-se desse enfraquecimento interno, o rei selêucida Antíoco III obteve a sua revanche, recuperando a Celessíria (198 a.C.) e tomando ao Egito as suas possessões exteriores, com exceção do Chipre e da Cirenaica. Comentaristas bíblicos apontam os versos 5-14 do 11º capítulo de Daniel como uma profecia desses embates entre os ptolomeus e os selêucidas.   

Os séculos II e I a.C. foram de uma longa decadência, cujo ritmo foi moderado pelas hábeis concessões de Ptolomeu Evérgeta II (150-116 a.C.), acelerando-se depois pelas faltas de Ptolomeu Aurele (80-51 a.C.), vítima da cupidez romana. Este soberano foi sucessivas vezes destronado e finalmente restabelecido por um lugar-tenente de Pompeu, em 55 a.C. Em 30 a.C., depois da vitória de Áccio, Otávio, insensível à sedução de Cleópatra, a última grande representante da monarquia lágida, apoderou-se tranquilamente do país. 

Bibliografia consultada: PETIT, Paul. O Mundo Antigo. Tradução de Pedro Moacyr Campos. Lisboa: Ática Lisboa, 1976, p. 167-168.

Vencedores do Prêmio Clio 2017

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017


Esse é o pódio do Ensino Médio. No Ensino Fundamental, o vencedor foi o Germano (9º ano A). O segundo e terceiro colocados foram, respectivamente, o Henrique (7º ano B) e o Ronaldo (9º ano A). 

A todos vocês, bem como aos demais alunos que se destacaram na disciplina de História ao longo deste ano letivo, meus parabéns!!! Um forte abraço, e sucesso também nos próximos desafios.