“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Revolta dos Macabeus (168-161 a.C.)

sábado, 14 de julho de 2018

Num enfrentamento durante a Revolta dos Macabeus, Eleazar se sacrifica para derrubar o elefante do rei. 
Gravura de Jan de Broen para o projeto de Bernard Picart (1673-1733). 

Por ordem do rei selêucida Antíoco IV Epifânio (175-164 a.C.), oficiais sírios transformaram o serviço do templo de Jerusalém em um culto politeísta. Além disso, forçaram os judeus a aceitá-lo, sob pena de morte. Em reação, um sacerdote de Modin, chamado Matatias, iniciou uma revolta armada, matando um oficial sírio em sua vila natal. Em seguida, Matatias e seus cinco filhos fugiram para as montanhas e, com um grupo de seguidores, iniciaram uma guerrilha contra as tropas sírias. A revolta duraria de 168 a 161 a.C. 

Como Matatias morreu pouco depois, seu filho, Judas, tornou-se o líder desse grupo de judeus zelosos, dispostos a defender sua religião ancestral com a própria vida. Judas recebeu o apelido de Macabeu, e ganhou a confiança do povo após derrotar diversas pequenas forças sírias. Os judeus passaram a acreditar que ele havia sido escolhido por Yahweh para salvar a nação dos sírios. Seu maior triunfo ocorreu em 164 a.C., quando derrotou o exército sírio liderado pelo general Górgias, em Emaús. Conseguiu, então, recuperar o templo em Jerusalém, retirando dali todos os vestígios pagãos, restabelecendo o serviço mosaico. Em lembrança a suas realizações, foi instituída a festa de Hanukkah (a Festa da Dedicação; cf Jo 10:22), a qual é celebrada pelos judeus até os dias de hoje. 

Após a derrota de Górgias, os sírios começaram outra campanha contra Judas. O comando então passou ao general Lísias, que também fracassou ao tentar esmagar a revolta, especialmente por não conquistar Bete-Zur, fortaleza judaica. Em 163 a.C., Antíoco IV morreu e Lísias tornou-se regente do trono. Fez então mais uma tentativa de reconquistar a Judeia. Até conseguiu cercar Jerusalém e confinar Judas e seus homens no templo. No entanto, precisou logo retornar a Antioquia para assegurar o trono para si, adiando o início ao longo cerco. Por isso, ofereceu aos judeus a liberdade para exercerem a sua religião monoteísta em troca de uma promessa de lealdade. Em seguida, Lísias nomeou Alcimo como sumo sacerdote e deixou o país. 

Alcimo capturou e matou muitos judeus que haviam lutado ao lado de Judas Macabeu. Este, no entanto, conseguiu escapar do massacre e iniciou um combate a Alcimo e seus seguidores. O sumo sacerdote recorreu a Demétrio I (161-150 a.C.), que havia se tornado o rei da Síria. Em resposta ao pedido de socorro, ele enviou Nicanor com uma forte tropa militar à Judeia a fim de apoiar Alcimo contra Judas. Mais uma vez, os judeus venceram, e Nicanor foi derrotado decisivamente. Demétrio I, no entanto, não desistiu, e enviou outro exército contra Judas, dessa vez liderado por Báquidas. Desta vez os sírios foram vitoriosos, e Judas foi morto na guerra, em 161 a.C. Jônatas, irmão de Judas, assumiu então a liderança na luta contra os selêucidas. 

Ao longo de vários anos, Jônatas e seu bando de guerrilheiros mal conseguiam sobreviver. Com a morte de Alcimo, no entanto, e a luta pelo trono da Síria, eles tiveram um descanso. Um dos pretendentes ao trono, Alexandre Balas, nomeou Jônatas sumo sacerdote, em 153 a.C. Mas, em 143 a.C., outro pretendente ao trono sírio, Trifão, matou Jônatas à traição. Após a morte de Jônatas, o último filho vivo de Matatias, Simão, assumiu a luta contra os sírios. 

Simão conseguiu se libertar do pagamento de impostos aos sírios, conquistando, assim, um status independente para seu país e povo. Um plebiscito nacional confirmou sua posição de sumo sacerdote. Pouco depois, irrompeu uma disputa pelo poder dentro da própria família, e em 135 a.C. Simão foi assassinado pelo genro. Apesar disso, a conspiração falhou, e João Hircano I, filho de Simão, afastou o cunhado e assumiu o poder, governando a Judeia nos trinta anos seguintes (135-105 a.C.).     

Bibliografia consultada: Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016, p. 838-840.

Ilíada e Odisseia

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Ulisses amarrado ao mastro do seu navio para salvar-se das sereias, um episódio da Odisseia. Mosaico romano do século III d.C., encontrado em Túnis, Tunísia.

Por volta do século VIII a.C., as póleis (cidades-estado) estavam surgindo na Grécia. Apesar da divisão política, contudo, existia uma unidade cultural, garantida pelo idioma grego, pela religião politeísta antropomórfica e, principalmente, pelas obras de Hesíodo e de Homero. 

Apesar de sua importância, desde a Antiguidade pairam dúvidas sobre quando Homero viveu e o local exato de seu nascimento, sendo que alguns questionam mesmo se ele teria existido. De modo geral, concorda-se atualmente que suas obras representam o resultado de uma longa tradição oral, como é particularmente atestado pelo emprego de fórmulas repetitivas. 

Importantes fontes históricas sobre o Período Homérico (1150 a.C. - 800 a.C.), a Ilíada trata da Guerra de Troia, enquanto que a Odisseia é um poema sobre as aventuras de Ulisses, herói da Guerra de Troia e rei de Ítaca, punido por ter ofendido ao deus Posêidon. Para o grande historiador Moses Finley, "o mundo de Ulisses" era o dos "séculos obscuros", mais precisamente o início do primeiro milênio, quando, após o choque de destruições do fim do século XIII e do século XII, os estabelecimentos humanos reconstituíam-se lentamente em um mundo grego a partir de então estendido às ilhas e à costa asiática do Egeu. 

Esse ponto de vista é hoje admitido por um grande número de historiadores, e as descobertas mais recentes da arqueologia parecem confirmá-lo. Mesmo assim, Homero permanece um enigma para nós. Quanto aos dois grandes poemas transmitidos com seu nome, até hoje permanecem como um dos mais brilhantes testemunhos da riqueza da civilização grega.

Bibliografia consultada: MOSSÉ, Claude. Dicionário da Civilização Grega. Tradução de Carlos Ramalhete, com a colaboração de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2004, p. 171-172.

Viagem a Santa Cruz Cabrália

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Em setembro de 2017, eu visitei Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, na Bahia. De modo especial, eu apreciei a visita a Santa Cruz, cujas paisagens são impressionantes. A foto acima foi tirada quando retornava à cidade, após um passeio de escuna. 

Para quem nunca ouviu falar nessa cidade, sua história começou em 1º de maio de 1500, quando Pedro Álvares Cabral mandou erguer no local a cruz com as armas e as divisas reais de Portugal. Provavelmente existiu mais de uma povoação em Santa Cruz. Assim que foram divididas as capitanias hereditárias, o território correspondente às atuais cidades de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália faziam parte da capitania de Porto Seguro. O primeiro donatário foi Pero de Campos Tourinho que, em 1536, fundou na enseada da baía uma povoação, denominada Vera Cruz.

Em 1564, Vera Cruz foi arrasada pelos índios Amorés. Por essa razão, os sobreviventes do ataque mudaram-se para as margens do rio São João de Tiba. A nova povoação ficou conhecida como Santa Cruz. A vila de Santa Cruz foi oficialmente criada em 9 de maio de 1833. No dia 8 de julho de 1931, essa vila foi extinta e anexada ao município de Porto Seguro. Em 1933, passou a ser chamada de Santa Cruz Cabrália. Em 1938, a vila ganhou autonomia política e foi elevada à categoria de cidade. 

Em 29 de janeiro de 1981, o núcleo histórico de Santa Cruz Cabrália foi tombado como Patrimônio Histórico, Paisagístico e Cultural.    

Consequências da Guerra do Paraguai

terça-feira, 10 de julho de 2018

La paraguaya, c. 1879, óleo sobre tela de Juan Manuel Blanes (1830-1901). Localização: Museo Nacional de Artes Visuales de Uruguay.  

1. O custo humano da Guerra do Paraguai (1864-1870): entre os combatentes da Tríplice Aliança, 50 mil brasileiros morreram, dois terços como consequência de doenças e não de combates; 18 mil argentinos morreram ou foram feridos; 3120 uruguaios morreram. As perdas do Paraguai durante a guerra teriam sido, no máximo, de 58.857 pessoas (Vera Blinn Reber, 1988). Além dos mortos, foram vítimas os ex-combatentes que não conseguiram se readaptar à vida civil e os milhares de inválidos, de diferentes nacionalidade, que não receberam a proteção e o respeito de que eram merecedores. 

2. Para o Império do Brasil, o conflito irrompeu quando a economia brasileira se encontrava em crescimento. Assim, a guerra desviou recursos humanos e financeiros das atividades produtivas - ela custou ao Brasil nada menos que 614 mil contos de réis, valor equivalente a onze vezes o orçamento do governo brasileiro para 1864. 

3. No Brasil, o Estado Monárquico mostrou-se no auge do seu poderio durante a guerra, constituindo-se como o principal sustentáculo militar, diplomático e financeiro da Tríplice Aliança. Esse esforço, porém, acelerou as contradições políticas e sociais da sociedade monárquica, como o demonstram o desenvolvimento do republicanismo e a crise do sistema escravocrata. Criou, ainda, um Exército forte, com identidade própria, desvinculada da Monarquia, depondo-a com o golpe republicano de 15 de novembro de 1889. 

4. Na Argentina, o conflito contribuiu para a consolidação do Estado centralizado, enquanto que o Uruguai emergiu dos anos de luta com instituições mais fortes. 

5. O Paraguai, derrotado, perdeu territórios que disputava com Argentina e Brasil. Seu estado autoritário e patrimonial chegou ao fim, o que não significou que as novas instituições, supostamente liberais, contribuíssem para o desenvolvimento do país. Até 1904, os governos paraguaios estiveram sob influência do Brasil; nesse ano, uma revolução liberal o vinculou politicamente à Argentina. 

6. Os personagens principais da guerra foram, de algum modo, vítimas dela: Venancio Flores e Solano López foram assassinados, em 1868 e 1870, respectivamente; o candidato de Mitre, Rufino de Elizalde, foi derrotado nas eleições presidenciais de 1868; no Brasil, Caxias voltou amargurado e D. Pedro II foi deposto por oficiais do Exército. 

7. Os grandes ganhadores com a guerra foram os comerciantes, principalmente os fornecedores argentinos de mantimentos e víveres para as forças aliadas, particularmente ao Exército brasileiro, e os fabricantes europeus de armas.  

Bibliografia consultada: DORATIOTO, Francisco. Guerra do Paraguai. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das Guerras. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 281-285.

#15Fatos A Guerra do Paraguai

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Batalha de Campo Grande, 1871, óleo sobre tela de Pedro Américo (1843-1905). 
Localização: Museu Imperial, Petrópolis, Rio de Janeiro.

1. A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi o conflito internacional de maior duração e, provavelmente, o mais mortífero travado na América do Sul. Teve características inéditas, quer devido às condições geográficas do território paraguaio, onde ocorreram os combates a partir de 1866; quer pela utilização de novos tipos de arma e munição; quer ainda pelas condições políticas em que se desenvolveu a guerra.

2. A partir da década de 1970, predominou a teoria de que a Guerra do Paraguai fora causado pelo imperialismo britânico. A Grã-Bretanha teria sido a responsável pela guerra, em primeiro lugar para pôr fim a um precedente perigoso - o Paraguai era governado, desde a sua independência, por homens autoritários que não se submeteram ao domínio das grandes potências e promoveram o bem-estar do povo. Depois, os britânicos pretendiam abrir o mercado paraguaio. Desde 1983, historiadores paraguaios demonstraram, no entanto, que a Grã-Bretanha se beneficiara do limitado processo de modernização paraguaio, implementado a partir da década de 1850 e restrito a aspectos militares. Já o Império do Brasil rompeu, em maio de 1863, relações diplomáticas com a Grã-Bretanha, devido à Questão Christie, restabelecendo-a somente oito meses após o início da guerra. Assim, não faz sentido responsabilizar o imperialismo inglês por desencadear o conflito.   

3. Na realidade, o Paraguai era um país agrícola atrasado. O governo argentino rejeitou aceitar a independência do país, promovendo o seu isolamento sob a ditadura de José Gaspar Rodríguez de Francia (1814-1840). O isolamento favoreceu a manutenção da ditadura de Francia, mas seu sucessor, Carlos Antonio López (1844-1852) obteve o reconhecimento internacional da independência paraguaia após aproximar-se do Império do Brasil. Esse reconhecimento, somado à liberação de navegação do rio Paraná pela Confederação Argentina, após a queda do ditador Juan Manuel de Rosas, em 1852, deu início à abertura do Paraguai para o mundo. 

4. A partir de meados da década de 1850, Carlos Antonio López buscou modernizar o Paraguai. Tais esforços concentraram-se no setor militar, sendo fundamentais os técnicos e os equipamentos britânicos, obtidos mediante as divisas obtidas com a exportação de produtos primários. A preocupação defensiva de López era em relação à República Argentina (que surgiu como Estado centralizado em 1862) e ao Império do Brasil. Além de disputas territoriais, existia um abismo político-ideológico que separava o Paraguai da Argentina e do Brasil, países onde funcionavam instituições liberais. 

5. Em 1862, Carlos Antonio López morreu e um de seus filhos, Francisco Solano López, ministro da Guerra, sucedeu-o como ditador do Paraguai. Enquanto a política externa de Carlos López fora cautelosa e hábil, a de Solano López mostrou-se ousada e inábil, a ponto de colocar o Paraguai, simultaneamente, em posições conflitantes com os governos argentino e brasileiro. Além disso, seu regime autoritário não tinha "sentido social", mas, sim, o de uma ditadura para mantê-lo no poder. Solano López, com a família, utilizava o Estado como propriedade pessoal. 

6. Solano López estabeleceu relações com a oposição federalista ao presidente argentino Bartolomé Mitre (1862-1868), principalmente das províncias de Corrientes e Entre Ríos. O comércio exterior dessas províncias escapava ao controle de Buenos Aires ao utilizar-se de portos do Uruguai, governado pelo presidente Bernardo Prudencio Berro (1860-1864), do Partido Blanco. Montevidéu era também uma alternativa possível para o comércio exterior paraguaio, o que facilitou a aproximação entre López e Berro. Este enfrentava, desde 1863, a guerra civil desencadeada por Venancio Flores, do Partido Colorado, o qual era apoiado por Mitre e, ainda, fazendeiros gaúchos com propriedades no Uruguai, cujos interesses tinham sido prejudicados por medidas do governo blanco.  

7. Os pecuaristas do Rio Grande do Sul passaram a pressionar por uma intervenção brasileira em favor do rebelde Flores. Fragilizado pela "Questão Christie" (1862-1865) e temendo perder o controle dessa província meridional, que esteve separada do resto do país entre 1836 e 1844, o governo imperial decidiu, em maio de 1864, enviar José Antonio Saraiva em missão especial ao Prata, apoiada por uma esquadra de guerra comandada pelo vice-almirante Tamandaré. A intervenção ainda fazia sentido porque os colorados defendiam o livre comércio e a livre navegação dos rios platinos, o que era fundamental para que o Rio de Janeiro mantivesse contato regular com Cuiabá. Com a intervenção a favor de Flores, pela primeira vez os interesses brasileiros e argentinos coincidiam nas questões platinas.

8. Mitre, o presidente argentino, pensava em uma aliança estratégica com o Império do Brasil no Rio da Prata. A cooperação entre ambos facilitaria estabilizar politicamente a região, pondo fim às guerras civis que ameaçavam a unidade argentina. As diplomacias argentina e brasileira colocaram-se de acordo então em relação à situação no Uruguai, e avaliaram equivocadamente que o Paraguai não iria além do apoio retórico ao governo blanco. Em outubro de 1864, tropas brasileiras invadiram o Uruguai, enquanto Tamandaré apoiava ativamente a rebelião de Flores. No mês seguinte, o navio civil brasileiro Marquês de Olinda foi aprisionado logo após partir do porto de Assunção e, no final de dezembro, tropas paraguaias surpreenderam o governo imperial ao atacarem o Mato Grosso. 

9. Garantida sua retaguarda ao norte, o plano de López era avançar sobre o Rio Grande do Sul, m direção ao Uruguai, onde suas tropas derrotariam as tropas brasileiras que lá se encontravam. Assim, o Império do Brasil ficaria de joelhos, e o Paraguai lhe imporia fronteiras e arrancaria outras concessões. Faria isso com o apoio do governo blanco, bem como dos federalistas argentinos, em nome da defesa da independência uruguaia.  

10. Em fevereiro de 1865, o bloqueio de Montevidéu pela Marinha imperial levou os comerciantes da cidade a pressionarem o novo presidente uruguaio, o também blanco Tomás Villalba, a assinar um acordo de paz com o enviado brasileiro José Maria da Silva Paranhos. Pelo acordo, Flores ascendeu à presidência. López, por sua vez, não alterou seu plano original. Ao ordenar a invasão de Corrientes, contudo, frustrou-se ao perceber que apenas parte da população viu com simpatia a força paraguaia, e o próprio governador de Entre Ríos, Justo José de Urquiza, recuou no apoio a López. Para piorar definitivamente a situação do Paraguai, em 11 de junho de 1865, a Marinha imperial praticamente destruiu a improvisada Marinha de Guerra paraguaia na batalha travada no rio Paraná, próxima à foz do Riachuelo. A partir de então, o Paraguai ficou submetido a um ferrenho bloqueio.

11. Em 1º de maio de 1865, em Buenos Aires, os representantes da Argentina, do Brasil e do Uruguai assinaram o Tratado da Tríplice Aliança contra o Paraguai. O fracasso dos planos militares de López, todavia, não se deu apenas pela rendição dos blancos de Montevidéu, pela defecção de Urquiza e pela formação da Tríplice Aliança. Parte do fracasso se relaciona à deplorável atuação dos comandantes das colunas invasoras de Corrientes (Robles, um general inexperiente que acabou destituído e posteriormente fuzilado) e do Rio Grande do Sul (Estigarribia, um coronel que desobedeceu as ordens de não entrar nas cidades gaúchas e seguir diretamente para o Uruguai; tal erro deu tempo às forças brasileiras de sitiá-lo). Enquanto isso, o Paraguai sofria no Uruguai a sua primeira derrota terrestre na Batalha de Jataí (17 de agosto de 1865). 

12. Em fins de 1865, portanto, a situação da guerra se invertera, e aos aliados cabia a ofensiva. Com o fracasso de seu plano ofensivo, Solano López ordenou o retorno de suas forças de Corrientes para o Paraguai. Entre 31 de outubro e 3 de novembro, tropas desmoralizadas e doentes cumpriram sua ordem. Tropas bem treinadas haviam sido perdidas nas campanhas do Uruguai e de Corrientes. Em Mato Grosso, no entanto, os paraguaios só se retiraram em abril de 1868, para reforçar a frente sul.  

13. O comandante-em-chefe do Exército da Tríplice Aliança, o general Mitre, era injustamente visto com desconfiança pelos chefes militares brasileiros. Além disso, as forças brasileiras careciam de unidade de comando e a superioridade tecnológica da artilharia aliada era em grande parte anulada devido à escassez de terrenos secos. Com se isso não bastasse, devido a décadas de isolamento paraguaio do exterior, inexistiam mapas detalhados do interior do país, obrigando os chefes militares aliados a travarem a guerra às cegas. Por fim, a força atacante deveria ter preferencialmente o triplo dos soldados inimigos, e os aliados chegaram a ter, no máximo, o dobro de tropas em condições de combate. Essas circunstâncias retardaram a invasão aliada do Paraguai e, mais tarde, dificultaram o rompimento do sistema defensivo de Humaitá. 

14. No início de 1866, López já não podia vencer a guerra, pois estava bloqueado no interior do continente. Sua única possibilidade de evitar a derrota seria o rompimento da Tríplice Aliança, o que isolaria o Brasil, privando-o do reforço das tropas argentinas e do acesso aos portos no rio Paraná. Isso não aconteceu e, na Batalha de Tuiuti, travada em 24 de maio de 1866, o Paraguai perdeu o melhor de seu Exército, os soldados mais fortes e experientes. Contudo, os aliados não aproveitaram a vitória para promover uma ação rápida e decisiva contra o inimigo desarticulado. Somente em setembro de 1866, após várias deliberações, decidiu-se por uma ação de grande envergadura contra a fortaleza de Curupaiti. Essa ação, contudo, foi um desastre que dizimou entre 4 e 9 mil argentinos e brasileiros, ao passo que as baixas paraguaias não chegaram a cem.  

15. A partir de 17 de novembro de 1866, o marquês de Caxias buscou reorganizar a força terrestre brasileira. Ele conduziu o vitorioso cerco a Humaitá, cujos defensores renderam-se em agosto de 1868. Em 16 de abril de 1869, o conde d'Eu assumiria o comando das forças brasileiras. A partir de agosto desse ano, a guerra tornou-se, na verdade, uma caçada a López. No dia 1º de março de 1870, a Cavalaria e a Infantaria brasileiras lutaram contra duas ou três centenas de soldados paraguaios em Cerro Corá. López tentou fugir, mas foi ferido mortalmente por um golpe de lança pelo cabo Francisco Lacerda, o Chico Diabo. 

Bibliografia consultada: DORATIOTO, Francisco. Guerra do Paraguai. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das Guerras. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 253-281.

#15Fatos As Origens do Islã

domingo, 8 de julho de 2018

1. A partir do século IV, o Império Romano se tornou cristão e o centro do poder se deslocou para Constantinopla. Entre os cristãos do Ocidente e do Oriente pululavam divergências doutrinárias relativas à natureza de Cristo. A leste do Império Bizantino estava o Império dos sassânidas, um Estado familiar que tentou reviver o mazdaísmo. Com intervalos, bizantinos e sassânidas guerrearam entre 540 e 629. 

Ao sul desses dois impérios, dos dois lados do Mar Vermelho, haviam outras duas sociedades com tradições de poder e cultura organizados - a Etiópia, cuja religião oficial era o cristianismo copta, e o Iêmen, marcado pelo politeísmo mas também influenciado pelo judaísmo e pelo cristianismo. 

2. Na maior parte da Península Arábica viviam beduínos e agricultores em torno dos oásis. O equilíbrio entre essas tribos era precário, e sua religião parece não ter tido uma forma clara. Provavelmente acreditavam que os deuses habitavam um santuário (haram) - centro de peregrinação supervisionado por uma família.  

3. Maomé, o grande profeta do Islã, nasceu por volta de 570 em uma família não muito poderosa da tribo dos coraixitas. Esta tribo era formada por mercadores que tinham uma relação com o santuário da aldeia (Caaba). 

Maomé se casou com Cadija, a viúva de um comerciante. No mundo no qual viveu as pessoas estavam à espera de um guia, e Maomé era um homem em busca de uma vocação. Assim, ele tornou-se um errante solitário entre os rochedos. Por volta dos 40 anos, um anjo lhe apareceu (Noite do Poder ou do Destino).  

4. A partir dessa época, Maomé passou a comunicar àqueles que o seguiam uma sucessão de mensagens que incluíam o fim do mundo, o Juízo Final, o céu e o inferno, a submissão a Deus por meio da prece regular, a benevolência e a contenção sexual. O nome dado a Deus era "Alá", já em uso para um dos deuses locais, e os que se submeteram à Vontade d'Ele acabaram tornando-se conhecidos como muçulmanos.  

5. Aos poucos, formou-se em torno de Maomé um pequeno grupo de crentes: alguns membros jovens das influentes famílias coraixitas, alguns membros de famílias menores, clientes de outras tribos que se haviam posto sob a proteção dos coraixitas, e alguns artesãos e escravos. O profeta adotou mais explicitamente a linha dos profetas da tradição judaica e cristã, e à medida que aumentavam seus seguidores, suas relações com as principais famílias coraixitas piorou. 

6. De tão difícil que sua situação ficou, em 622 ele teve que fugir para Yathrib (futuramente conhecida como Medina). Essa mudança de Meca para Medina é conhecida como a hégira. Nos séculos islâmicos posteriores, seria usada para significar o abandono de uma comunidade pagã ou má por uma outra que vive segundo a doutrina moral do Islã. 

7. Em Medina, Maomé começou a acumular um poder que se irradiou pelo oásis e o deserto em volta. Logo se viu atraído para uma luta armada com os coraixitas, talvez pelo controle das rotas comerciais. Nesse período de poder em expansão e luta, a doutrina do Profeta tomou sua forma final. Nas partes do Corão supostamente reveladas então, há uma preocupação maior com a definição das observâncias rituais da religião e com a moralidade social, as regras de paz social, propriedade, casamento e herança. Ao mesmo tempo, a doutrina tornou-se mais universal, e separou-se com mais clareza da dos judeus e cristãos. 

8. Abraão foi apresentado como o fundador de uma fé monoteísta extremada e também do santuário de Meca. O patriarca passou a ser visto como ancestral comum de judeus, cristãos e muçulmanos. Ao mesmo tempo, houve uma espécie de reconciliação de interesses entre Maomé e os coraixitas de Meca. Em 629, a comunidade foi a Meca em peregrinação; no ano seguinte, os líderes da cidade entregaram-na a Maomé, que a ocupou praticamente sem resistência. Medina, no entanto, permaneceu como a capital.

9. Maomé exercia sua autoridade menos por um governo regular do que por manipulação política e ascendência pessoal. Dos casamentos que contraiu após a morte de Cadija, alguns foram contraídos por motivos políticos. Não havia administração complicada nem exército, apenas Maomé como supremo árbitro. Além do recrutamento militar de crentes, existia um tesouro público abastecido por doações voluntárias e impostos sobre as tribos que se submetiam. 

10. Em 632, Maomé fez sua última visita a Meca. Em seu discurso, instou os muçulmanos a evitar a luta entre eles. Nesse mesmo ano, Maomé morreu. O testemunho dos seus companheiros próximos, passado basicamente por transmissão oral, só adquiriu sua forma definitiva muito depois, e então certamente já inflado por acréscimos. A primeira biografia do Profeta só surgiu um século após sua morte. 

11. Segundo o retrato de épocas posteriores, a comunidade fundada por Maomé reverenciava o Profeta e cultuava sua memória, tentando seguir os seus passos e empenhar-se no caminho do Islã para o serviço de Deus. Manteve-se unida graças aos rituais básicos de devoção, todos de aspecto comunal: os muçulmanos iam em peregrinação ao mesmo tempo, jejuavam por todo um mesmo mês e reuniam-se na prece regular, atividade que os distinguiu mais claramente do resto do mundo. 

12. Acima de tudo, há o legado do Corão. Trata-se de um livro que descreve em linguagem de grande força e beleza a incursão de um Deus transcendente, origem de todo poder e bondade, no mundo humano por Ele criado; a revelação de Sua Vontade através de uma linhagem de profetas enviados para advertir os homens e trazê-los de volta a seus verdadeiros eus como criaturas agradecidas e obedientes; o julgamento de Deus no fim dos tempos, e as recompensas e castigos que a isso se seguiriam.  

13. Maomé comunicou as revelações a seus seguidores em várias épocas, e eles as registraram por escrito ou as guardaram na memória. O processo pelo qual se coligaram diferentes versões e se estabeleceu um texto e uma forma geralmente aceitos só se concluiu após a morte de Maomé. Segundo a versão tradicional, isso aconteceu na época de seu terceiro sucessor como chefe da comunidade, 'Uthman (644-656). Algumas seitas muçulmanas acusaram outras de inserirem no texto material que não havia sido transmitido pelo Profeta. 

14. No Corão há ecos dos ensinamentos de religiões anteriores: ideias judaicas nas doutrinas; alguns reflexos da religiosidade monástica cristã oriental nas meditações sobre os terrores do julgamento e nas descrições do Céu e do Inferno; histórias bíblicas em formas diferentes das do Velho e do Novo Testamentos; um eco da ideia maniqueísta da sucessão de revelações feitas a diferentes povos. Há também vestígios de ideias morais da Arábia. 

15. A morte de Maomé trouxe um momento de confusão aos seus seguidores. Entre eles, havia três grupos principais: os primeiros companheiros que haviam feito a hégira com ele; os homens importantes de Medina; os membros das principais famílias de Meca. Numa reunião de colaboradores e líderes, escolheu-se do primeiro grupo um sucessor do Profeta (Khalifa): Abu Bakr, cuja filha 'A'isha era viúva de Maomé. 

Bibliografia consultada: HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 19-39.

A Cidade das Sete Colinas

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Não, não estou falando de Roma, e sim da "Nova Roma". A atual Istambul, na Turquia, foi fundada pelo imperador Constantino, em 330 d.C. e veio a se tornar a capital do Império Romano do Oriente. Confira aqui quais são as suas sete colinas. 

Única cidade do mundo entre dois continentes (Europa e Ásia), tem cerca de 12 milhões de habitantes e conta com um rico legado cultural, oriundo das civilizações grega, latina, bizantina e islâmica.