“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«A Mente Esquerdista»

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Baixe esse livro gratuitamente aqui.

Fanatismo e Colapso Climático

domingo, 14 de outubro de 2018

Não é fácil encontrar respostas para os complexos problemas da atualidade. Na última quinta-feira (11/10), eu encontrei no Twitter duas matérias interessantes, ambas publicadas em jornais portugueses. Na primeira, o tema era o colapso climático. Cientistas publicaram um estudo na prestigiada revista Nature defendendo a redução do consumo de carne a fim de reduzir os impactos ambientais. A reportagem pode ser lida aqui

O outro artigo diz respeito a um dos problemas aparentemente insolúveis do mundo contemporâneo: o fanatismo. Para o escritor israelense Amos Oz, se as pessoas desenvolverem a curiosidade, a imaginação e o senso de humor, talvez estarão imunes ao fanatismo. Sua entrevista ao Público encontra-se disponível aqui

Uma vez que você, aluno, teve a curiosidade de ler essas matérias, eu torço para um dos dois temas seja cobrado na redação do ENEM. Espero que, com domínio da norma culta da língua portuguesa, imaginação e até uma pitada de humor, você redija uma redação "nota 10".  

«O Egito no tempo de Ramsés»

sábado, 13 de outubro de 2018

Arqueólogo renomado, Pierre Montet (1885-1966) reconstituiu nesse livro o dia-a-dia dos habitantes das cidades e do campo do Egito antigo. Para esta visão do cotidiano egípcio, foi escolhido o período dos Séthi e dos Ramsés - de 1320 a.C. a 1100 a.C., ainda que o autor tenha recorrido com frequência a fontes mais antigas e ao relato de historiadores e biógrafos, como Heródoto e Plutarco. 

Nesta apresentação, destacarei alguns pontos da introdução da obra. Os antigos egípcios eram para com os deuses e para com os mortos muito mais exigentes que para com eles próprios. Nada era mais belo ou mais sólido que seus templos ou suas "casas da eternidade". Assim, os templos e os túmulos duraram mais que as cidades. Como, então, nessas condições, descrever a vida cotidiana dos súditos do faraó sem se limitar à superficialidade? Como evitar os julgamentos pueris dos viajantes gregos e romanos? 

A população que se reunia à beira dos pântanos dedicava-se sobretudo à caça e à pesca. O papiro fornecia-lhes os materiais necessários para construir cabanas e, principalmente, canoas leves e cômodos que lhes permitiam seguir, por entre as plantas aquáticas, o crocodilo e o hipopótamo. O cultivador semeava a lavoura, colhia o linho, ceifava e amarrava os feixes. Jumentos transportavam-nos à aldeia, onde eram espalhados para serem pisoteados por bois e jumentos. 

Os artesãos trabalhavam o barro, a pedra, a madeira e os metais. Como a madeira era rara, os utensílios de que necessitavam os agricultores, os vinhateiros, os cervejeiros, os padeiros e os cozinheiros eram de terracota. O serviço de mesa era de pedra (sobretudo o granito, o xisto e o alabastro). Os egípcios apreciavam os adornos. Da oficina de ourivesaria saíam colares, braceletes, anéis, diademas, peitorais e amuletos. 

MONTET, Pierre. O Egito no tempo de Ramsés. Tradução de Célia Euvaldo. São Paulo: Companhia das Letras / Círculo do Livro, 1989.   

Cronologia do Brasil (séculos XV-XVIII)

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Pátio do Colégio São Paulo, em 1840. A instituição foi fundada em 1554, para catequizar os índios da região.

1494 - Tratado de Tordesilhas: divisão do mundo extra-europeu entre Espanha e Portugal. 

1500 - Expedição de Pedro Álvares Cabral às Índias chega ao Brasil (22 de abril). 

1504 - Doada a Fernão de Noronha a primeira capitania hereditária criada no Brasil (atual arquipélago de Fernando de Noronha).

1530-1532 - Criação e implementação do sistema de capitanias hereditárias. 

1549 - Nomeado o primeiro governador-geral do Brasil (Tomé de Sousa) e fundação da primeira cidade da colônia - Salvador, na Bahia - sede do novo governo-geral. 

1554 - Fundação do Colégio de Jesus de São Paulo, núcleo da cidade de São Paulo. 

1555 - Fundação da França Antártica, no Rio de Janeiro. 

1565 - Expulsão dos franceses da França Antártica e fundação, no mesmo local, da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

1580 - União das Monarquias Ibéricas, sob o reinado de Filipe II.

1585 - Fundação da cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, depois cidade de João Pessoa, na Paraíba. 

1591-1595 - Primeira "Visitação" do Santo Ofício ao Brasil. 

1604 - Criação do Conselho da Índia e Conquistas Ultramarinas. 

1613 - Fundação da França Equinocial e da cidade de São Luís, no Maranhão. 

1615 - Expulsão dos franceses do Maranhão. São Luís passa a ser uma cidade portuguesa. 

1621 - Criação do Estado do Maranhão, separando-o do Estado do Brasil. 

1624 - Ataque holandês contra a cidade de Salvador, sede da colônia. 

1627 - Frei Vicente do Salvador escreve a primeira História do Brasil. 

1629 - Raposo Tavares e outros bandeirantes iniciam ataques de bandeira contra as missões espanholas de Guaíra, Tape e Itatim. 

1630-1636 - Conquista holandesa de Pernambuco, Itamaracá, Rio Grande do Norte e Paraíba, no Nordeste do Brasil. 

1640 - Fim da União das Coroas Ibéricas. 

1642 - Decreto de criação do Conselho Ultramarino. 

1649 - Fundação da Companhia Geral do Comércio do Brasil. 

1654 - Expulsão dos holandeses do Nordeste. 

1682 - Fundação da Companhia Geral do Comércio do Maranhão. 

1687-1685 - Guerra dos bandeirantes contra o estado negro de Palmares. 

1695-1697 - Primeiras descobertas significativas de ouro em Minas Gerais. 

1696 - Nomeação dos primeiros juízes de fora; morre, em Recife, o poeta satírico Gregório de Matos. 

1703 - Tratado de Methuen, de comércio e navegação, entre a Inglaterra e Portugal.

1706 - Guerra dos Emboabas (lutas entre colonos mineiros e portugueses em torno das minas de ouro). 

1710-1711 - Ataques de corsários franceses ao Rio de Janeiro. 

1710-1714 - Guerra dos Mascates (luta entre pernambucanos e portugueses). 

1728 - Revolta em Vila Rica contra a obrigatoriedade de fundir o ouro em oficinas reais. 

1750 - Ascensão ao trono de dom José I. 

1752 - Matias Aires publica, em Lisboa, Reflexões sobre a vaidade dos homens.     
Bibliografia consultada: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Conquista e colonização da América Portuguesa - o Brasil colônia - 1500-1570. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990, p. 93-94.

Antes de Votar no 2º Turno...

terça-feira, 9 de outubro de 2018

... leia os programas de governo dos presidenciáveis. Pode parecer uma orientação muito óbvia, mas certamente muitos não se preocuparam com esse "detalhe". Lembre-se que, via de regra, as pessoas escrevem com antecedência o que farão. Analise cada ponto das propostas dos postulantes ao cargo máximo da nossa república e, caso concorde com elas, vote com a consciência tranquila. 

Programa de governo de Fernando Haddad (PT). 

Programa de governo de Jair Bolsonaro (PSL). 

Um recado a você que pretende se abster, votar em branco e anular seu voto, eu lembro que 47,3% da composição da Câmara dos Deputados foi renovada, os custos com a campanha se reduziram significativamente em comparação à eleição passada, e a importância dos caciques políticos, das coligações e do tempo de televisão despencaram. Por outro lado, as redes sociais ganharam foram e os eleitores, de modo geral, sacudiram em definitivo qualquer tipo de tutela. Novos tempos! 

#15Fatos O Artista Medieval

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Altar da Igreja de Santo Ambrósio de Milão, século IX. A assinatura do autor, Vuolvinus, a auto-representação e a quase igualdade com a pessoa que encomendou a obra, são fatos significativos que revelam a elevada categoria social do ourives e a ideia que dele se podia ter. 

1. A Idade Média, mais do que qualquer outra época, nos parece marcada pelas suas brancas roupagens de igrejas repletas de esculturas, mosaicos ou vitrais multicolores, ourivesarias cintilantes, livros coloridos com iluminuras, marfins esculpidos, enormes portas de bronze, esmaltes, pinturas murais, tapeçarias, bordados, tecidos de variadas cores e com desenhos singulares e quadros pintados em fundo de ouro. Mas, em toda essa fascinante profusão e variedade de produtos artísticos, podemos reunir um número restrito de artistas e, ainda por cima, nomes isolados, ligados a uma única obra. Não sabemos quem projetou os mosaicos de S. Vital, quem pintou os frescos de Castelseprio, quem esculpiu os capitéis de Cluny e muito menos quem erigiu a catedral de Chartres.

2. A crise do mundo antigo comportou graves perturbações na estrutura do mundo artístico e na posição dos seus componentes. Desapareceram ricos e requintados colecionadores, a produção diminuiu ao ponto de cessar em centros artísticos que tinham sido importantes e, em outros, continuou mas em escala bastante reduzida. Modificaram-se os comitentes e as tipologias e a função e concepção de obra de arte alteraram-se. As imagens suscitavam graves suspeitas e hostilidades, na medida em que estavam tradicionalmente associadas ao mundo e à cultura dos gentios e, por isso, eram possíveis veículos de idolatria. Foram cada vez mais colocadas ao serviço da Igreja, da sua missão e dos programas de redenção e salvação e puderam até ser consideradas como um substituto da leitura para os iletrados. No ano 600, o papa Gregório escreveu o seguinte ao bispo de Marselha: «... de fato, o que a escrita é para os que sabem ler, é a pintura para os analfabetos que a contemplam, porque nela podem ler aqueles que não sabem as letras e, por isso, a pintura serve, principalmente, de lição para as pessoas».  

3. De modo geral, durante muito tempo na Idade Média, o sinal de inferioridade que marcava quem praticava os trabalhos manuais, ao contrário de quem exercia atividades intelectuais, continuou a ser um fator discriminatório.  Nos textos medievais não encontramos um termo para designar aqueles a quem hoje chamamos artistas; geralmente é o vocábulo artífices que serve para designar os artesãos e, com eles, os artistas. O antigo método pedagógico que privilegiava as artes liberais em detrimento das atividades manuais, consideradas servis, marcou por séculos a condição do artista, que era um trabalhador manual. Essa visão predominou pelo menos até ao século XII, quando a estrutura cultural, agitada pelo impetuoso crescimento das cidades e pelas modificações sociais e mentais que esse crescimento implicava, entrou em crise.

4. No interior do campo artístico existiam distinções hierárquicas muito acentuadas: o arquiteto, em cuja obra se reconhecia uma componente projetual (portanto, mental) e organizativa, era especialmente apreciado. Mas a ideia que, na Idade Média, se tinha do arquiteto era muito variada. Além dos arquitetos, a posição dos ourives, que trabalhavam as matérias mais preciosas, e dos mestres vidreiros, peritos numa técnica difícil, era elevada. Durante séculos, a ourivesaria foi uma das grandes técnicas-piloto da arte medieval, técnica que os maiores artífices experimentavam, em que eram executadas as obras mais novas e significativas e em que se tentavam as experiências mais modernas.

5. Nas fontes, há rasgados elogios a certos pintores que eram procurados, em Itália, pelo seu talento, como Johannes, que Otão III chamou à Aquitânia, ou o lombardo Nivardus, pintor de muito talento, chamado a trabalhar no mosteiro de Fleury (Saint-Benoít-sur-Loire) pelo abade Gauzlinus, filho ilegítimo de Hugo Capeto e generoso comitente. Aliás, os limites entre as técnicas não eram intransponíveis e as fontes aludem, com extrema frequência, a artistas polivalentes, capazes de atuarem em vários domínios.  

6. Após a Antiguidade Clássica, uma das primeiras biografias de artistas é a de Santo Elói (588-660), o famoso ourives e moedeiro do Limoges (França) que se tornou personagem importantíssima da corte merovíngia. Depois, tornou-se bispo de Noyon e canonizado. Ao biógrafo não interessava de um modo especial a atividade artística de Elói, que era apenas um dos aspectos da sua personalidade, a par de outros não menos — e para o biógrafo, mais — importantes. Por conseguinte, mais do que a biografia de um artista, é a biografia de um santo que, entre outras coisas, foi também um artista.  

7. Em 1148, o abade Wibaldus de Stavelot escreveu a um ourives cujo nome começava por G e que, provavelmente, seria o famoso Godefroy de Huy, também chamado Godefroy de Claire. Escreveu o bispo: «Os homens da tua arte têm, por vezes, o hábito de não cumprir as promessas porque aceitam mais trabalhos do que os que podem executar. A ganância é a mãe de todos os males, mas o teu nobre engenho e as tuas mãos diligentes e hábeis escapam a qualquer suspeita de falsidade. Que a fé acompanhe a tua arte e que a tua obra seja acompanhada pela verdade [...]. Qual é o objetivo desta carta? Simplesmente pedir-te que te dediques exclusivamente aos trabalhos que te encomendamos e recuses qualquer outra tarefa que possa prejudicá-los, até estarem concluídos." A resposta revela as dificuldades econômicas e a situação precária do artífice e, ao mesmo tempo, a sua requintada cultura literária, a ironia e os artifícios retóricos a que recorre para responder aos pedidos do poderoso abade. 

8. São conhecidos também os nomes e as imagens de um certo número de miniaturistas do período românico. Alguns deles deixaram a sua assinatura e, por vezes — ainda que raramente —, a sua imagem nos textos; de outros, falam-nos testemunhos contemporâneos. Mas o lugar mais importante e de maior prestígio social no interior de um «scriptorium» é o do «scriptor», o copista. Existem muitos nomes e muitas imagens de copistas; o seu trabalho é considerado mais elevado e intelectual do que o trabalho manual do pintor: copistas das palavras divinas, dos escritos dos santos, sobre eles se reflete a luz do Verbo. Podia acontecer que o «scriptor» fosse também miniaturista ou que o miniaturista utilizasse também outras técnicas.   

9. Em inícios do século XII, uma nova atitude em relação ao artista surge em Itália. Em Pisa e em Modena, existem inscrições extremamente elogiosas colocadas nas paredes das novas catedrais e celebrando os artistas que nelas trabalharam. O aparecimento das assinaturas dos artistas está relacionado com as grandes iniciativas artísticas e edificantes das comunas: o fato de se ter conseguido os melhores artífices e de se ter realizado, graças a eles, as mais extraordinárias construções é um orgulho para a coletividade e aumenta o prestígio das cidades. O artista vê aumentar o seu prestígio social e melhorar o seu próprio papel, devido às suas relações com esse novo comitente coletivo. As inscrições com os nomes dos artistas abundam, no decorrer do século XIII, especialmente em Itália, mas também em França e na Alemanha, embora com relevância e características diferentes.       

10. No século XII, em Itália, a par da figura do arquiteto, emergiu a figura do escultor. Wiligelmo foi escultor e Niccolò também. No portal do Zodíaco da abadia de S. Michele delia Chiusa, Niccolò dirige-se ao público, convidando-o a admirar o emaranhado de plantas por ele esculpido e onde se escondem feras e monstros e a compreender o significado da sua obra, observando as imagens e lendo as inscrições. Uma inscrição existente na catedral de Ferrara confirma o talento de Niccolò e augura-lhe glória eterna.      

11. Na França, durante o século XIII, a figura do arquiteto adquire grande importância. O seu papel num grande estaleiro era diferente do do canteiro ou do pedreiro, já que era ele quem projetava e coordenava as atividades dos vários grupos de operários e dos vários artistas: escultores, pintores, mestres vidreiros, ourives, ferreiros, carpinteiros, etc. A partir dos primeiros decênios do século XIII, conhecemos muitos dos arquitetos que dirigiram os trabalhos das grandes construções góticas: por exemplo, Robert de Luzarches e, depois, Thomas de Courmont, em Amiens, Jean e Pierre Deschamps, em Clermont-Ferrand.    

12. As características novas e espetaculares da arquitetura gótica francesa exerceram grande atração e os arquitetos franceses eram procurados em toda a Europa. Guillaume de Sens iniciou bastante precocemente (1178) a construção, no novo estilo, do coro da catedral de Cantuária, Etienne de Bonneuil é chamado à Suécia, em 1287, para trabalhar na catedral de Upsala e, por volta de 1270, a reconstrução, em «opere francigeno», segundo as regras do estilo gótico, da igreja de Wimpfen im Tal, na Floresta Negra, foi confiada a um «peritissimo architectoriae artis latomo» ido de Paris. Finalmente, em meados do século, Villard de Nohhecourt seguiu para a Hungria.  

13. A libertação parcial dos artistas da situação subalterna em que a sua relação com as artes mecânicas os colocava, teve em a Divina Comédia um dos seus momentos mais privilegiados e encontrou na cultura florentina o espaço no qual esse acontecimento pôde verificar-se. Por um lado, há o peso das palavras de Dante; por outro, o peso da arte profundamente inovadora de Giotto, em redor do qual depressa se criou uma rede de cumplicidades e de admiração. 

14. Numa das novelas do Decameron que tem Giotto como protagonista, Boccacio afirma que «tendo ele essa arte que volta à luz do dia, que durante muitos séculos, pelos erros de alguns que sabem mais deleitar os olhos dos ignorantes do que deliciarem a inteligência dos sábios, tinha estado sepultada, pode merecidamente dizer-se que é uma das glórias do esplendor florentino» e Petrarca, que, em 1370, deixou em testamento um quadro de Giotto ao senhor de Pádua, observa que a beleza desse quadro, não compreendida pelos ignorantes, maravilhava os mestres. 

15. A discriminação entre doutos e ignorantes fez com que as artes figurativas se aproximassem da dignidade das artes liberais, depois de um longo esforço de autolegitimação que os artistas tinham levado por diante, realçando, nas suas assinaturas, o caráter erudito, não mecânico, mas intelectual, da sua forma de trabalhar.     
  
Bibliografia consultada: CASTELNUOVO, Enrico. O Artista. In: LE GOFF, Jacques (dir.). O Homem Medieval. Tradução de Maria Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1989, p. 145-162. 

Os 30 Anos da Constituição Cidadã

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Há exatos 30 anos, era promulgada a Constituição mais democrática e mais comprometida com os direitos civis de todas as sete constituições que o Brasil já teve.

O epíteto de "Constituição Cidadã" relaciona-se à incorporação de uma série de direitos - dentre eles, a liberdade de expressão e de reunião, a inviolabilidade do domicílio e a proibição de prisão sem decisão judicial. Ao mesmo tempo, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal recuperaram e ampliaram suas prerrogativas. Foi estabelecida a liberdade sindical, e a tortura e o racismo tornaram-se crimes inafiançáveis.


A promulgação da Constituição encerrou um longo trabalho legislativo, iniciado em 1º de fevereiro de 1987, quando a Assembleia Nacional Constituinte se reuniu. À época, a sociedade brasileira avançava no processo de redemocratização, ao passo que o contexto internacional ainda era marcado pela Guerra Fria, que só terminou em 1991.


Desta forma, como bem definiu Bruno Garschagen, a Constituição de 1988 nasceu "do casamento da ressaca do regime militar com os temores de uma nova ditadura." A mentalidade da elite política que a concebeu, elaborou e promulgou era que cabia ao governo conceder a liberdade e os direitos, e não que a liberdade e os direitos são uma conquista dos indivíduos.


Com 245 artigos e 70 disposições transitórias, a Constituição de 1988 tem caráter enciclopédico, um reflexo das pressões dos diferentes grupos da sociedade, do temor ao retorno do autoritarismo e, ainda, do clima de instabilidade então vivido pelo país. O documento surgiu para durar pouco, na sua forma original, e a República e o sistema presidencialista de governo ficaram sujeitos a um plebiscito marcado para 1993. Previu-se ainda uma revisão constitucional, a ser realizada cinco anos após a promulgação da Constituição.


A Constituição ocupa-se, ainda, com uma série de garantias trabalhistas, há muito requeridas pelos sindicatos. No capítulo mais controvertido, estendeu a licença maternidade para 120 dias e, na tentativa de proteger o empregado, torna as demissões um grande ônus para o empregador ao determinar o pagamento de uma multa de 40% sobre o valor do FGTS por demissões imotivadas. Consequentemente, o trabalho terceirizado e a informalidade se expandiram.


Se foi "progressista" na área social, a Constituição mostrou-se anacrônica na regulação da economia - reforçou e estendeu monopólios estatais e discriminações contrárias ao capital estrangeiro - além de inconsistente do lado fiscal, ao criar despesas sem a necessária contrapartida em fontes de receita. Sob esse aspecto, o maior ônus recaiu sobre a União.


Desde da década de 1990, o Brasil enfrenta o desafio de encontrar meios e modos de compatibilizar as aspirações inscritas na Constituição de 1988 com as exigências da integração do país na economia global. 


Não tem sido fácil. Como se não bastasse o tamanho da própria Constituição, foram editadas mais de cinco mil normas para reger a vida do cidadão brasileiro desde a sua promulgação, incluindo nada menos que 99 emendas constitucionais. Isso nos remete à máxima atribuída a Tácito: "Quanto mais corrupto o Estado, maior o número de leis." 


Embora jovem, a Constituição de 1988 está decrépita e precisa ser substituída por uma Constituição liberal. 


Publicado hoje no jornal
A Tribuna.