“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

De quem é a culpa?

quarta-feira, 28 de novembro de 2012


- Tu foste incendiar a Biblioteca?

- Sim, queimei-a.

- Mas é um crime inaudito e ruim,

Que mesmo contra ti, infame, praticaste!

A luz que tua alma aclara, intrépido, apagaste!

É tua própria luz que acabas de soprar.

Isso que teu ódio ímpio e louco ousa queimar

É teu bem, teu tesouro, a herança de tua alma,

O livro te protege, instrui, anima e acalma.

O livro toma sempre a tua defensiva.

Vale uma biblioteca o ato de fé que, agora,

Cada uma geração, nos livros rediviva,

Presta: é a noite rendendo um testemunha à aurora.

Oh! nesse venerando acervo de verdade,

Nessas obras geniais jorrando claridades,

Tumba da Antiguidade erguida em repertório.

Nos séculos de luz, nesse genuflexório,

No passado, lição que soletra o porvir.

Nisso que se criou para não se extinguir,

Nos poetas, nos heróis, belos, imarcescíveis,

Na ruma divinal dos Eschylos terríveis,

Dos Homeros, dos Jobs, de pé sobre o arrebol,

Em Moliére, em Voltaire e Kant, a luz do sol,

Ímpio! foste chegar uma tocha inflamada!

Todo o espírito humano em cinza, em fumarada!

Esqueceste que o livro é o teu libertador?

La na altura ele esta, como altivo condor:

Brilha. Porque ele brilha é que nos ilumina;

Destrói o cadafalso, a miséria, a chacina.

Ele fala, e nos diz: - Nada de escravo ou pária.

Abre um livro,vai ler: - Platão, Milton, Beccária,

Esses profetas: Dante e Corneille, e Shakespeare;

A alma imensa que tem, em ti sentes surgir;

Lendo-os, sentes-te igual a eles todos, altivo;

Lendo, tornas-te meigo, austero e pensativo,

Eles, em tua mente, aumentam de grandeza.

À escuridão de um claustro a alva vem dar clareza.

À proporção que ele entra e afunda em tua mente,

Tornas-te mais feliz, tornas-te mais vivente.

Tua alma, torna-se apta a arguida responder.

Reconheces-te bom e sentes derreter,

Como a neve ao calor, a vaidade sombria,

O mal, o preconceito, o dogma, a tirania!

Pois, no homem o saber é o que chega primeiro;

Depois a liberdade. Esta divina luz

É tua, e foste tu que, de pronto, a apagaste.

O livro atinge os fins que tu próprio sonhaste.

Entra em teu pensamento e solta e desenleia

Os grilhões com que o erro a verdade aperreia.

A consciência é um nó górdio horrível, que asfixia.

O livro é teu guardião, teu médico, teu guia.

Tua raiva ele acalma e tira-te a demência.

Eis o que perdes, tu, por tua intransigência.

O livro é teu tesouro; é a riqueza, é o saber,

O direito, a verdade, a virtude o dever,

A razão, aclarando a tua inteligência.

E TU QUEIMASTE TUDO, INFAME!...

- EU NÃO SEI LER!


Victor Marie Hugo

(Extraído da coleção Antologia da Literatura Mundial – Poetas Estrangeiros – tradução de Modesto de Abreu – Gráfica e Editora Edigraf Ltda., p. 74)

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