segunda-feira, 24 de maio de 2021
Dos gregos em diante, os ocidentais procuraram distinguir momentos individuais de coragem e obediência dos líderes de uma coragem mais ampla, institucionalizada, que deriva da harmonia, da disciplina, do treinamento e dos valores igualitários para soldados e oficiais. Começando com a tradição helênica, os europeus tomaram cuidado para organizar supostos tipos de coragem em uma hierarquia, do ímpeto isolado dos atos individuais corajosos à bravura coesa e coletiva ao longo de uma linha de batalha - insistindo que a primeira era apenas ocasionalmente crítica para a vitória, enquanto a última sempre o era.
Depois da batalha de Platéia (479 a.C.), por exemplo, Heródoto observou que os espartanos não haviam conferido o prêmio de valor a Aristodemo, que saíra da formação em ataques quase suicidas para apunhalar os persas. Em vez disso, os espartanos deram o prêmio a um certo Posidônio, que lutara bravamente, mas "sem nenhum desejo de ser morto" (9.71), na falange ao lado de seus companheiros hoplitas. Heródoto em seguida sugere que Aristodemo não lutara com a razão, mas sim como um louco desejoso de redimir sua reputação manchada por ter faltado ao glorioso ataque final nas Termópilas, no verão anterior.
O padrão grego de coragem está inextricavelmente ligado ao treinamento e à disciplina: o hoplita deve lutar com razão fria, não com frenesi. Ele considera a própria vida valiosa, não barata, e, no entanto, está disposto a oferecê-lo à pólis. Seu sucesso na batalha não depende unicamente de quantos homens mata ou de quanto valor pessoal demonstra, mas do grau em que sua participação na batalha ajuda o avanço de seus companheiros, a manutenção da ordem em caso de derrota ou a preservação da formação sob ataque.
Essa ênfase na santidade do grupo não era apenas um ethos espartano, mas um código aceito de maneira generalizada pelas cidades-estado gregas. Na literatura grega, lemos com frequência sobre o mesmo tema da coesão do grupo entre soldados comuns - todos os cidadãos podem ser soldados, bastando para isso se dedicarem à defesa de seus companheiros e da cultura em geral. No segundo livro de Tucídides, o general ateniense Péricles lembra à Assembleia durante seu discurso funerário que os homens verdadeiramente corajosos não são os loucos que "estão em maus lençóis e por isso têm a melhor das desculpas para não se importarem com suas vidas". Esses homens, segundo ele, "não têm esperança de dias melhores". Pelo contrário, os realmente corajosos são aqueles "para quem sofrer um desastre faz uma enorme diferença" (Tucídides 2.43.6).
Em toda a literatura grega, a necessidade de permanecer na formação, o treinamento e a disciplina aparecem como mais importantes do que a simples força e ousadia. Os homens carregam seus escudos, escreveu Plutarco, "para proteger a linha inteira" (Obras morais 220A). A verdadeira força e bravura era carregar um escudo em formação e não matar dúzias de inimigos em combate individual, coisa própria para os épicos e para a mitologia. Xenofonte nos lembra que essa coesão e disciplina de grupo vêm dos proprietários de terras livres: "No combate, assim como no trabalho da terra, é necessário ter a ajuda de outras pessoas" (Oeconomicus 5.14). As punições só eram conferidas aos que jogavam seus escudos no chão, quebravam a formação ou provocavam pânico, nunca aos que não conseguiam matar inimigos suficientes.
HANSON, Victor Davis. Por que o Ocidente Venceu - Massacre e cultura, da Grécia antiga ao Vietnã. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 462-463.
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