“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Expulsão dos Judeus da Espanha

quarta-feira, 15 de junho de 2022

 

A expulsão dos judeus de Sevilha, obra de Joaquín Turina y Areal (1847-1903). 


Em 2 de janeiro de 1492, os Reis Católicos, Fernando e Isabel, entraram solenemente em Granada; a Reconquista estava completa. Em 31 de março do mesmo ano, decretavam a expulsão dos judeus da Espanha. Dava-se quatro meses para que os judeus liquidassem seus negócios e vendessem seus bens móveis e imóveis; mas a exportação de dinheiro e metais preciosos lhes era interdita. Em 2 de agosto, apenas dois após após o prazo para que os judeus deixassem a Espanha, Cristóvão Colombo partiu com as suas três caravelas que chegariam à América no dia 12 de outubro.

Os judeus, que ainda contavam com representantes poderosos na corte, tentaram obter a revogação do edito ou uma prorrogação do prazo. Contudo, seus esforços foram vãos, apesar de terem oferecido imensas somas de dinheiro ao tesouro. Um batismo de última hora era o único expediente que permitia remanescer no solo da mãe pátria. Nas últimas semanas que restaram aos judeus na Espanha, o clero espanhol lançou-se a uma ativa propaganda missionária, amiúde coroada de êxito. Segundo uma testemunha judia, muitos judeus, "grandes e pequenos", e até mesmo rabinos, preferiram ficar na Espanha, convertendo-se ao catolicismo.

As estimativas mais sérias dão a entender que quase 150 mil judeus aceitaram o exílio (a maioria foi para Portugal). Apenas 50 mil preferiram uma conversão de última hora. Um verdadeiro êxtase apoderou-se dos corações, e a provação era comparada à saída do Egito. Dizia-se que ela seria seguida de uma terra prometida de glória e honras. Outros acreditavam que a Espanha logo chamaria de volta seus filhos, de modo que certos exilados, depois de terem vendido seus bens, enterravam o dinheiro no solo da mãe pátria.

Segundo Bernaldez, em alguns meses os judeus venderam tudo o que puderam. Davam uma casa em troca de um asno, uma vinha por um pedaço de tecido ou tela. Antes de partir, casavam entre si todos os seus filhos de mais de doze anos, para que cada menina tivesse a companhia de um marido. A seguir, partiram no seu duro êxodo, enfrentando a fome e a sede, a doença ou inúmeras outras dificuldades. Quanto aos cristãos, em sua grande maioria, não se comoveram muito com a partida dos judeus.

O epílogo do drama foi representado em Portugal. O rei D. João II admitiu os exilados, mediante a taxa de oito cruzados por cabeça e sob a condição de deixarem o país no prazo de oito meses. Uma parte deles, de fato, seguiu para a África. A maioria, porém, não pôde ou não se resolveu a fazê-lo. Findo o prazo, o monarca começou a vender esses judeus como escravos. Seu sucessor, D. Manuel I, ordenou que eles fossem libertados. Pouco depois, porém, um projeto de casamento entre ele e a infanta da Espanha tomou corpo. Os Reis Católicos passaram a lhe exigir, então, a completa cristianização de Portugal.

Ora, uma expulsão teria sido um desastre imediato para a vida econômica do país. O batismo forçado passou a ser a única saída vislumbrada pela administração portuguesa. Na Páscoa de 1497, a coisas se precipitaram. As crianças eram tomadas de seus pais e levadas às pias batismais; os pais que não as seguiram de boa vontade eram arrastados à força. Vários milhares foram batizados durante algumas semanas (inclusive judeus portugueses). Os suicídios foram numerosos, bem como outros incidentes atrozes. O papa Alexandre Bórgia esforçou-se para limitar os estragos e, afinal, os judeus batizados tiveram, em Portugal, plena licença para levar uma vida de judeus, a ponto de serem autorizados a se reunirem em culto. Podiam também enriquecer, o que interessava ao tesouro real, que lhes extorquia de tempos em tempos. Isso durou meio século.

A população portuguesa reagia com fúria, atacando os judeus em terríveis pogroms, como o de Lisboa, em 1506, que causou mais de mil vítimas. Finalmente, a Inquisição copiada da Espanha foi adotada em Portugal, de conformidade com um breve pontifical de 1536, e começou a grassar com a mesma implacabilidade de seu modelo.  

Adaptado de POLIAKOV, Léon. De Maomé aos Marranos. Tradução de Ana M. Goldberger Coelho e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1984, p. 166-170.

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