domingo, 3 de julho de 2022
Em 2013, Detroit decretou falência. Até então, essa foi a maior falência de uma cidade dos Estados Unidos.
Detroit, a cidade que conheço melhor, idolatrou o grande deus da eficiência. Ao longo de minha vida, Detroit produziu extraordinárias riquezas em bens e serviços. Contudo, a cidade é um fracasso social, como a maioria das outras cidades norte-americanas. Outrora chamada de "o arsenal da democracia", hoje em dia, Detroit, transformada em uma cidade arruinada e ingovernável, tem sido, no mais das vezes mencionada como "a capital de assassinatos dos Estados Unidos". No famoso romance de Louis-Ferdinand Céline (1894-1961), Voyage au Bout de la Nuit [Viagem ao Fim da Noite], de 1932, o percurso termina em Detroit.
Na chocante degradação dessa grande cidade, podemos notar as consequências de uma economia desumana - determinada a obter a máxima eficiência produtiva, mas alheia à ordem pessoal e à ordem pública. É claro que os fabricantes de automóveis de Detroit, nos primeiros anos de produção, não tinham noção de quais seriam os efeitos pessoais e sociais daquela ordem industrial extremamente bem-sucedida; ninguém tinham essa noção. No entanto, ainda parecem ignorar ou mesmo ficar indiferentes a tais infelizes consequências, desde que os lucros continuem a ser registrados.
Minha argumentação é a seguinte: a não ser que comecemos a pensar em humanizar a economia norte-americana, as cidades continuarão a se desintegrar, e o povo norte-americano ficará cada vez mais entediado e violento. Algumas autoridades estão começando a entender que a natureza humana pode revoltar-se por terem sido impostas à humanidade proporções tão desumanas. O fracasso do sistema de moradia popular baseado em edifícios de grande porte, numa infinidade de cidades, é uma ilustração dessa dura verdade. Em Newark, New Jersey - cidade ainda mais degrada do que Detroit, se é que isso seja concebível - as Scudder Homes, um monólito de "moradias" de treze andares, foi demolido com explosivos de alta potência, pois a vida se havia tornado intolerável para os habitantes de baixa renda do lugar. Casas geminadas, de dois ou três andares, estão sendo construídas no lugar dos edifícios: uma reação saudável ao coletivismo anônimo das moradias populares.
KIRK, Russell. A Política da Prudência. Tradução de Gustavo Santos e Márcia Xavier de Brito. São Paulo: É Realizações, 2013, p. 198-199.
0 comentários:
Enviar um comentário