sábado, 27 de junho de 2020
Belo crepúsculo, visto do meu apartamento: a apreciação da natureza é o principal exercício do juízo.
Ao longo do século XIII, quando os filósofos e escritores começaram a atentar para o tema da beleza, não foi a arte nem as pessoas o que dominou seu pensamento, e sim natureza e as paisagens. Em certa medida, isso refletia as novas circunstâncias da vida no campo. Os literatos viam com nostalgia uma relação mais simples e, segundo criam, inocente com o mundo natural do que aquela de que desfrutavam em seus gabinetes isolados. Além disso, a ideia da natureza como objeto a ser contemplado, e não utilizado ou consumido, propiciava certo consolo àqueles para quem os lenitivos da religião se tornavam cada dia mais implausíveis e remotos.
No entanto, havia ainda uma razão filosófica a motivar esse interesse pela beleza natural. Se ela deveria ter lugar entre os objetos da filosofia, a beleza - ou sua busca - deveria ser então um universal humano. Kant estava de acordo com Shaftesbury ao pressupor que o gosto é comum a todos os homens (...). Todos os seres racionais, cria ele, são capazes de emitir juízos estéticos; e, numa vida adequadamente vivida, o gosto é um componente crucial.
Contudo, muitos parecem viver num vácuo estético, preenchendo seus dias com cálculos utilitários e ignorando que estão deixando de lado a vida superior. Kant negaria isso. As pessoas, afirmou, só parecem viver num vácuo estético para aqueles que acreditam que o juízo estético deve ser exercido numa área específica, como a música, a literatura ou a pintura. A avaliação das artes, porém, nada mais é do que um exercício secundário do interesse estético. O principal exercício do juízo é a apreciação da natureza. Disso cada um de nós participa igualmente - e, embora possamos diferir em nossos julgamentos, todos consentimos em fazê-lo.
SCRUTON, Roger. Beleza. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações, 2013, p. 67-68.
0 comentários:
Enviar um comentário