“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«A Conquista da América», de Todorov

domingo, 10 de abril de 2016

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Finalmente li esse clássico, publicado pela paulista Martins Fontes em 1983 (um ano após a publicação do original, em francês). Ao analisar os cem anos que se sucederam à primeira viagem de Colombo, Tzvetan Todorov focou-se numa unidade de ação - a percepção que os espanhóis tiveram dos índios (o "outro exterior"). Para esse historiador (que nessa obra assume-se mais como um moralista), a descoberta dos ameríndios pelos espanhóis foi o encontro mais surpreendente da História, uma vez que produziu um sentimento radical de estranheza (p. 4).

Sem receio das críticas dos puristas, Todorov defende que no séc. XVI houve o maior genocídio da História. O ano de 1492 assinalou o início da era moderna pois foi justamente nesse momento em que os homens descobriram a totalidade da qual fazem parte. Vasco da Gama e Fernão de Magalhães talvez fizeram viagens mais difíceis, mas eles sabiam para onde estavam indo. Cristóvão Colombo, por outro lado, não tinha certeza sobre a existência do abismo ao final do oceano (p. 6). O navegador desejava enriquecer, mas a expansão do cristianismo lhe era muito mais importante do que o ouro. De qualquer forma, a necessidade de recursos e o desejo de impor a verdadeira fé não se excluíam, pelo contrário: a primeira era o meio, o outro era a finalidade (pp. 8-10). Já na primeira viagem Colombo esperava encontrar riquezas que fossem revertidas para a conquista de Jerusalém, então sobre domínio muçulmano (p. 11).

"Paradoxalmente, é um traço da mentalidade medieval de Colombo que faz com que ele descubra a América e inaugure a era moderna" (p. 12).

No capítulo "Colombo hermeneuta", Todorov afirma que existiram três impulsos para a sua façanha: o humano (riqueza), o divino e o natural (apreciação da natureza) (p. 15). Como homem de uma época de transição, Colombo acreditava (e encontrava) em ciclopes, sereias, amazonas e homens com caudas (p. 16). Contrariando os índios, ele também acreditava que Cuba era parte da Ásia, e não uma ilha (p. 22) e, por vezes, a sua interpretação, baseada na pré-ciência e na autoridade, nada tinha de "moderno" (p. 23).

Como não concebia que o mesmo termo tivesse significados diferentes segundo as diferentes tradições (ou línguas, ou contextos), Colombo cometeu erros grosseiros. O primeiro deles foi tomar as milhas árabes do astrônomo Alfragamus como milhas italianas, concluindo que a distância entre a Europa e a Ásia pela via ocidental parecia estar dentro do limite das suas capacidades (p. 29). Enfim, o grande navegador não foi bem-sucedido na comunicação humana porque não estava interessado nela; sua preferência era pela terra, não pelos homens (p. 32).

No capítulo "Colombo e os índios", Todorov ressalta que a primeira característica destacada por Colombo sobre os nativos foi a nudez. Além do vestuário, eles seriam desprovidos de qualquer propriedade cultural (costumes, ritos e religião) (p. 33). O navegador começou a descrever os índios a partir de sua beleza física, o que estava em consonância com a sua regra de descrição da natureza (p. 35).

Sobre a personalidade dos ameríndios, Colombo notou que eram generosos mas, ao mesmo tempo, medrosos. Ele contribui muito para a criação do mito do bom selvagem (pp. 37-39). Quanto aos índios, é possível que considerassem os espanhóis como de origem divina (p. 40).

O assimilacionismo (conversão dos índios) ou a relação de superioridade/inferioridade (escravização dos índios) pautaram a experiência da alteridade de Colombo (p. 41). Ele passou de um extremo ao outro, assim que observou que certos índios não aceitavam a catequese. Na sua visão, os resistentes deveriam virar escravos (p. 44). Em seus impulsos de naturalista, Colombo lidava com os índios como se fossem objetos vivos (p. 46).

"Colombo descobriu a América, mas não os americanos" (p. 47). 

Foi no ano de 1492 que a Espanha repudiou o seu Outro interior, derrotando os mouros em Granada e expulsando os judeus (p. 47). Colombo não percebeu o Outro, mas ele próprio não tinha nenhuma pátria (p. 48).  

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