“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos Comunismo e Fascismo

domingo, 1 de julho de 2018

1. Entre o socialismo e o pensamento antiliberal e antidemocrático, as cumplicidades são antigas. Desde a Revolução Francesa (1789-1799), a direita reacionária e a esquerda socialista compartilhavam a mesma denúncia do individualismo burguês e a mesma convicção de que a sociedade moderna, sem fundamentos reais, cativa da ilusão dos direitos universais, não possuía futuro duradouro. Grande parte do socialismo europeu, no século XIX, desprezou a democracia e exaltou a nação.

2. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) teve para a história do século XX o mesmo caráter matricial que a Revolução Francesa teve para o século XIX. Dela saíra diretamente os acontecimentos e os movimentos que estiveram na origem das três principais "tiranias" da primeira metade do século passado. A cronologia o diz à sua maneira, uma vez que Lênin tomou o poder em 1917, Mussolini em 1922 e Hitler fracassou em 1923, para ser bem sucedido dez anos mais tarde. Ela deixa supor uma comunidade de época entre as paixões despertadas por esses regimes inéditos, fazendo da mobilização política dos ex-soldados a alavanca da dominação isolada de um único partido. 

3. Tanto o comunismo quanto o fascismo foram fenômenos do século XX. Antes dessa época, eram desconhecidos no repertório dos tipos de governo. Arautos de grandes ambições, alimentaram o anúncio do homem novo e, de movimentos, tornaram-se rapidamente governos. A partir daí, imprimiram na história da Europa traços absolutamente novos. 

4. A emergência dessas ideologias tornou necessária a invenção do conceito de totalitarismo para designar essa realidade nova. Esta constituiu-se a partir de uma sociedade em parte totalmente sujeita a um Partido-Estado, que reina pela ideologia e pelo terror. Os termos "despotismo" ou "tirania", portanto, já não bastavam para definir os regimes comunista e fascistas. 

5. Em seus textos da década de 1930, o pensador Karl Kautsky (1854-1938) compara sem complexos o comunismo stalinista ao nacional-socialismo. Chega até a negar ao primeiro a vantagem sobre o segundo da boa intenção e do objetivo emancipador: "O alvo fundamental de Stálin, em todos os países, não é a destruição do capitalismo e sim a destruição da democracia e das organizações políticas e econômicas dos trabalhadores." A partir daí, o comunismo soviético não apenas se tornou comparável ao nacional-socialismo; é quase idêntico a ele. 

6. Assim, a comparação entre a União Soviética e os regimes fascistas era já um tema corrente já no período entreguerras e, mais ou menos em toda a parte, muitos intelectuais hostis à democracia liberal aproximaram tanto os dois regimes que hesitaram entre o comunismo e o fascismo nos anos 1920-1930. 

7. Nesse mesmo período (o entreguerras), o comunismo e o nazifascismo nascentes mantiveram relações recíprocas complexas, quer como movimentos ideológicos, quer como regimes políticos: essas relações de engendramento e de rejeição, de empréstimos tomados e de confronto, de paixões compartilhadas e de ódios inexpiáveis, de solidariedade tática e de beligerância pública, teceram o quarto de século mais sombrio da história europeia. 

8. "Filhos" da guerra, bolchevismo e fascismo extraíram dela o que possuíam de elementar. Levaram para a política aprendizagem recebida das trincheiras: o hábito da violência, a simplicidade das paixões extremas, a submissão do indivíduo ao coletivo, enfim, o amargor dos sacrifícios inúteis ou traídos. Foi justamente nos países vencidos nos campos de batalha ou frustrados pelas negociações de paz que esses sentimentos encontraram seu terreno mais eminente.  

9. A ideia nacional-socialista (ou fascista) tirou a sua força, portanto, da mesma fonte que o bolchevismo vitorioso: a guerra. Como o bolchevismo, ela permitiu mobilizar as paixões revolucionárias modernas, a fraternidade dos combatentes, o ódio à burguesia e ao dinheiro, a igualdade dos homens, a aspiração a um mundo novo. Ela, porém, lhes traçou um caminho diferente da ditadura do proletariado: o do Estado-Comunidade nacional. Ela constituiu o outro grande mito político do século XX.   

10. Outra característica também se mostrou comum às três grandes ditaduras da época: seu destino esteve suspenso à vontade de um só homem. Uma certa tradição historiográfica parece ter se esquecido disso, e não explica o papel espetacular de alguns homens nessa trágica aventura. Suprimamos o personagem de Lênin da História, e não há Outubro de 1917. Sem Mussolini, a Itália do pós-guerra teria seguido outro curso. Tanto este quanto Hitler tomaram o poder em parte graças ao consentimento resignado da direita, é verdade, mas nem por isso perderam sua desastrosa autonomia. 

11. Na realidade, os três homens conquistaram o poder derrotando regimes fracos pela força superior de suas vontades, inteiramente voltadas, com incrível obstinação, para esse únido alvo. E a mesma coisa pode ser dita do quarto, Stálin: sem ele, nada de "socialismo num só país!" E, por definição, nada de "stalinismo"!  

12. Lênin e Mussolini surgiram da mesma "família" política: a do socialismo revolucionário. O "Duce" (título que lhe foi dado pela primeira vez em 1912) esteve, durante toda a primeira parte da sua vida (aquela que antecede a Primeira Guerra Mudial) magnetizada pela ideia revolucionária em sua versão mais radical. Seu ativismo belicista fez com lhe excomungassem do Partido Socialista. Tanto Lênin como Mussolini demonstraram ter a mesma recusa pelo pacifismo, o mesmo desprezo pelo burguês, a mesma certeza de que a guerra serviria a sua ação. 

13. Tanto no fascismo como no comunismo existe uma ideia de futuro, baseada na crítica da modernidade burguesa. A doutrina tem uma árvore genealógica mais eclética do que o bolchevismo. Fabricou seu mel com um sem-número de correntes e de autores oriundos de horizontes muito diferentes, que detestavam de forma unânime a burguesia como o diabo. Assim, a doutrina fascista pretendeu restaurar a unidade do povo e da nação contra a desagregação da sociedade pelo dinheiro.

14. Embora situados nos dois extremos da paisagem ideológica europeia, Stálin e Hitler tiveram em comum paixões monstruosas e um mesmo adversário. O que levou Hitler ao poder, antes de tudo, foi sua capacidade de encarnar ideias e temores comuns a milhões de alemães. Ele amaldiçoou a democracia em termos democráticos. Destruiu-a em nome do povo. Sua diferença em relação aos bolcheviques é que ele pretendeu destruir a democracia, não em nome da classe, mas da raça. 

15. Esmagados militarmente por uma aliança de democracias que acabou por englobar a União Soviética, o nazismo alemão e, de maneira acessória, o fascismo italiano tiveram que assumir sozinhos o papel de inimigos da liberdade. A ideia inteiramente negativa de "antifascismo" era, no entanto, vaga o bastante que permitiu a Stálin aniquilar a democracia por onde o Exército Vermelho passou e precisa o suficiente para condenar como blasfematória qualquer comparação entre o seu regime e o de Hitler.

Bibliografia consultada: FURET, François. O Passado de uma Ilusão. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Siciliano, 1995, p. 193-230.

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