domingo, 2 de junho de 2024
Entre 1614 e 1643, cinco mil cristãos japoneses foram assassinados por ordem judicial, quase sempre em público. O total exato não é conhecido, mas há registro de três mil, cento e vinte e cinco casos individuais, setenta e um deles europeus. Quarenta e seis jesuítas e frades lograram "passar à marginalidade", mas, a longo prazo, isso só serviu para prolongar a agonia, já que não se podia reforçar a missão de forma eficaz e os fugitivos sofreram um acossamento sistemático e incansável. Infligiam-se as torturas mais aterrorizantes àqueles, geralmente japoneses, que se recusavam a cometer perjúrio. Alguns morreram de fome na prisão. Outros foram torturados até a morte. Os europeus eram, por vezes, decapitados. A maioria dos japoneses foi queimada viva - com um dos braços amarrado frouxamente a uma estaca, no meio de um círculo de fogo. Entre eles, havia mães com crianças pequenas nos braços. Os governadores locais desistiram dos horrores quando a simples fogueira mostrou-se incapaz de segurar a apostasia. Muitas vítimas foram mortas por tortura com água, nas fontes sulfúreas quentes de Unzen - a água fervente sendo derramada lentamente em cortes em sua carne. A partir de 1632, os mártires começaram a ser suspensos de cabeça para baixo sobre um poço, alguns deles vivendo até uma semana. Uma jovem japonesa suportou o tormento durante catorze dias, enquanto o velho provincial jesuíta, Christova Ferreira, abjurou após seis horas. Os jesuítas produziram manuais ensinando os fiéis a enfrentar o martírio: "(...) prepare-se com a confissão. (...) Nunca nutra pensamentos malignos com relação ao funcionário que comunica a sentença de morte, nem ao carrasco. (...) Durante a tortura, visualize a Paixão de Jesus". Em 1637, houve uma rebelião, ocasionada pela tortura da filha de um cristão japonês diante deste. Foi suprimida com o auxílio militar dos holandeses, que, assim, lograram pôr um ponto final no comércio português. O cristianismo sobreviveu por algum tempo na marginalidade, ainda que, mesmo se escondendo, os jesuítas e frades continuassem brigando. Em 1657-8, os cristãos foram arrebanhados nas cercanias rurais de Nagasaki: quatrocentos e onze apostataram. Uma menina, presa aos onze anos, continuou cristã até morrer na prisão, em 1722. Em Urakami, uma comunidade criptocristã conseguiu sobreviver até ser revelada em 1865, ainda batizando corretamente e insistindo no celibato clerical. O episódio como um todo, porém, parece indicar que a perseguição, se aplicada com suficiente impiedade, inteligência e pertinácia, acabará bem-sucedida, mesmo contra os mais corajosos. Assim, encerrou-se um capítulo notável e pungente da história cristã.
JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 511-512.
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