“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Lições da República romana

terça-feira, 7 de julho de 2015

                  
Cincinato deixa o arado para tornar-se ditador de Roma, Juan Antonio Ribera, c. 1806.

            O último rei romano, Tarquínio, o Soberbo, foi expulso em 509 a.C. No lugar da Realeza, os patrícios implantaram a República (do latim, res publica - "a coisa do povo", "a coisa pública"). Os reis foram substituídos por dois cônsules, magistrados eleitos para um ano, e com o poder de veto sobre as decisões um do outro.
            Para Políbio (200-118 a.C.), os cônsules, o Senado e as assembleias combinavam os elementos da política antiga - monarquia, aristocracia e democracia, respectivamente. Assim, a República romana reunia as virtudes de todos os sistemas políticos da Antiguidade e impedia a concentração do poder.
            Dentre os diversos exemplos de cidadãos virtuosos da literatura romana, destaca-se Lúcio Quíncio Cincinato (519-430 a.C.). Cidadão pobre, arava sozinho os seus campos quando, em 458 a.C., foi chamado para assumir temporariamente poderes absolutos e salvar a República de invasores estrangeiros. Cincinato se distinguiu tanto na sua missão que muitos queriam que ele permanecesse como único governante.    
            Contudo, o ideal romano de considerar o serviço público mais importante do que o sucesso individual impediu Cincinato de aceitar a oferta. Ele voltou ao seu arado. Sua história é um exemplo do amor à pátria, da dedicação à coisa pública, a condição de existência de qualquer Estado.
            Os romanos acreditavam que possuíam um sólido sistema de organização cívica. O objetivo desse sistema era equilibrar a distribuição de vantagens e de inconvenientes, de encargos e honrarias. Infelizmente, esse ideal nunca foi plenamente alcançado. A aristocracia dominava o governo e a sociedade. Consequentemente, entre os séculos V e III a.C.  as Revoltas da Plebe abalaram a República.
            Com a expansão territorial, a sociedade tornou-se escravista, e os plebeus desempregados encheram as cidades, onde eram distraídos com a política do "pão e circo". O exército de cidadãos foi substituído por um exército profissional, e líderes militares ambiciosos passaram a disputar o poder. No final do século I a.C. a República estava morta.
            Entretanto, o espírito republicano resistiu. O primeiro imperador, Otávio Augusto, governou de 27 a.C. a 14 d.C. e preservou as instituições republicanas. A era de paz e prosperidade que ele estabeleceu ficou conhecida como Pax Romana. A partir de então, os imperadores viam-se basicamente como preservadores da lei e da ordem social, ainda que alguns deles fossem verdadeiros tiranos.
            Entre o final do século I e o final do século II, os Antoninos provaram que era possível aos imperadores governar de forma "republicana". Tudo mudou, contudo, em 284. Neste ano, com o apoio do exército, Diocleciano tomou o poder e foi reconhecido formalmente como dominus - um termo usado pelos escravos para se referirem aos seus donos. O "Dominato" durou até o fim do Império Romano do Ocidente, em 476.  
            Muitos séculos após a República romana, a República brasileira foi marcada por governos autoritários, cujos exemplos mais recentes são o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar (1964-1985). Os brasileiros vivem uma experiência realmente democrática e republicana há apenas trinta anos.
            Nossa democracia precisa se fortalecer. Recentemente, a Câmara dos Deputados deu um importante passo ao votar em primeiro turno a criação do voto impresso e o fim da reeleição para os cargos do Executivo. Mas é preciso mais, muito mais.  
            Assolada pela corrupção, a desacreditada política brasileira precisa de líderes como o romano Cincinato - estadistas que se destaquem pelas contribuições ao bem comum, retornando de imediato à vida privada. Além disso, no exercício das suas funções, devem fazer tudo para "que os indivíduos que estiverem sob seu governo sejam os mais felizes do mundo" (Cícero, Carta do Bom Administrador Público, VIII.24). 

Publicado no jornal A Tribuna (07/07/2015)

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