“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Maçonaria na História do Brasil - I

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Logo do Grande Oriente Brasileiro, loja maçônica fundada por José Bonifácio.

Irineu Evangelista de Sousa, mais conhecido na história do Brasil por seus títulos nobiliárquicos (barão, e depois visconde de Mauá) teve seu mundo intelectual e empresarial aberto por Richard Carruthers, próspero empresário escocês que depois se tornaria seu sócio. Além disso, Carruthers também lhe abriu as portas de uma sociedade secreta: a maçonaria azul do rito inglês, à qual pertencia. Os maçons da Grande Loja de Londres eram monarquistas e acreditavam em Deus. Assim, não é de se estranhar que na Inglaterra tenha existido uma maior aliança entre os maçons e o Estado do que houve, por exemplo, na América Latina. 

Em 1725, a maçonaria de rito azul foi introduzida na França, onde foi alterada. O objetivo dos maçons ingleses era usar a maçonaria para enfraquecer a rival França, mas o plano deu errado. O rito francês identificava-se com a cor vermelha, e era contra a Monarquia e a favor do ateísmo e do republicanismo. Da França, o rito vermelho se expandiu e alcançou algumas colônias britânicas, incluindo as Treze Colônias. George Washington, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin pertenciam à maçonaria do rito francês. 

Franklin tornou-se embaixador em Paris e, sendo também grão-mestre, apoiou os revolucionários franceses. Jefferson, por sua vez, foi contactado pelos inconfidentes mineiros - tanto um como os outros eram maçons vermelhos. O triângulo vermelho da bandeira dos inconfidentes seria uma evidente influência da sociedade secreta no movimento. 

No Brasil, eram inevitáveis os atritos entre a Igreja Católica - que exercia grande influência no poder e no governo português - e a maçonaria. Apesar disso, vários membros da elite política portuguesa e brasileira eram católicos e maçons. Um deles foi José Bonifácio de Andrada e Silva, maçom azul do rito inglês. O "Patriarca da Independência" costurou um acordo com os maçons vermelhos e assim obteve o apoio das duas representações maçônicas para a independência do Brasil, preservando a Monarquia e o imperador. José Bonifácio conseguiu, inclusive, levar D. Pedro I a ingressar na maçonaria. 

Contudo, assim que sentiu-se suficientemente forte politicamente, D. Pedro I mandou fechar as lojas, perseguiu e exilou maçons azuis e vermelhos, incluindo seu ex-ministro Andrada. Em 1831, todavia, as maçonarias azul (Grande Oriente do Brasil) e vermelha (Grande Oriente Brasileiro) reabriram suas lojas e voltaram a ter representação e influência política. Foi nessa época que Carruthers iniciou Irineu no rito inglês da maçonaria. 

Adaptado de GARSCHAGEN, Bruno. Pare de Acreditar no Governo - Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 112-116.

O Assassinato de Marat

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Charlotte Corday depois de assassinar Marat (1860). Paul-Jacques-Aimé Baudry (1828-1886). 
Local: Museu de Artes de Nantes.

Na véspera do quarto aniversário da Revolução Francesa - isto é, dia 13 de julho de 1793 - uma desconhecida de 25 anos de idade viajou de Caen (o centro da resistência girondina nas províncias) a Paris. Seu nome era Charlotte Corday, e num ato ela deixaria sua própria marca indelével na Revolução. 

No contexto do Terror, alguns líderes girondinos (como Pétion e Louvet), originários de Caen, conseguiram fugir de Paris antes de serem presos e reuniram-se novamente em Caen. Ali publicavam um jornal girondino, desafiando frontalmente o Comitê de Segurança Pública. O jornal era uma convocação à rebelião; ele aviltava os jacobinos e denunciava Marat como o menos defensável, mais odioso e culpado de todos. Ora, Charlotte Corday era leitora desse jornal em sua cidade natal, e assumiu uma missão particular. Ela viajou a Paris de carruagem, comprou uma longa adaga no Palais Royal e visitou Marat na mesma noite na rue des Cordeliers. 

Marat estava sempre em casa. Segundo os seus próprios registros, ele dedicava seis horas por dia para ouvir as queixas de "uma multidão de desafortunados e oprimidos" que o consideravam como seu "defensor". Seu trabalho extenuante deixou-lhe debilitado; assim, ele buscava algum alívio para sua debilitante doença de pele em um banho medicinal. No banho mesmo ele escrevia suas petições, memorandos e respondia a cartas, além de editar seu jornal. Como seus dias eram cheios, ele não tinha opção. Foi em um momento assim que Corday o encontrou. Ela deu-lhe os nomes dos girondinos em Caen, e o dono de L'Ami du Peuple (o jornal de Marat) agradeceu e os anotou. Ele estava fazendo uma listagem quando Corday enfiou a adaga diretamente em seu coração. Não foi difícil assassiná-lo: pequeno, frágil, doente, nu e indefeso como estava.

Charlotte Corday foi guilhotinada quatro dias após seu crime. Marat, um dissidente em seu território enquanto viveu, tornou-se um herói dos jacobinos após sua morte. Por sua vez, os girondinos adotaram sua própria santa secular com a execução de Corday.     

Adaptado de SCURR, Ruth. Pureza fatal - Robespierre e a Revolução Francesa. Tradução de Marcelo Schild. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2009, p. 295-296.

A Ascensão das Elites Locais Brasileiras

terça-feira, 11 de julho de 2017

Charge de Storni, Revista Careta, Rio de Janeiro, 1927. O "voto de cabresto" foi uma das principais estratégias políticas dos coroneis na Primeira República.

"A República representou o fim do 'unitarismo' do Império, consagrado na Constituição de 1824 e utilizado até o fim como uma arma dos setores dominantes do Sudeste contra qualquer tentativa de autonomia regional. O advento da República e, com ela, da Federação consagrou os desejos de largas camadas das elites dominantes do país que, no sistema anterior, não tiveram, até então, qualquer possibilidade de ascensão ao poder. Ou, de outra forma, sua participação no poder dependido do grau de submissão e colaboração com a elite dominante do Império, no caso a poderosa classe de senhores de terras - os plantadores de café - associados com os interesses comerciais, tanto nacionais quanto do imperialismo. 

O estabelecimento da República, a bem da verdade o estabelecimento da Federação, permitiu que as diversas oligarquias locais ascendessem ao poder, no seu âmbito regional, assumindo o controle da máquina administrativa, em particular da fiscalidade, construindo mecanismos para sua eternização no poder. Essa era a alma do coronelismo." 

MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Da República Velha ao Estado Novo. Parte A - O aprofundamento do regionalismo e a crise do modelo liberal. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990, p. 302.

Doc. 'Napoleão Bonaparte' [History]

segunda-feira, 10 de julho de 2017

A Origem do Sistema das Indulgências

domingo, 9 de julho de 2017

Ilustração do dominicano e pregador alemão Johann Tetzel (ca. 1465-1519) vendendo indulgências dentro de uma igreja. 
Créditos: Kean Collection/Getty Images.  

"Dum modo geral, [em fins do século XV] a religião tornara-se mais mecânica e materialista do que fora antes. Havia, em relação à missa, uma atitude que podemos chamar de 'pôr dinheiro na caixa das esmolas'. Anedotas e testamentos revelam-nos com suficiente clareza que muitos leigos acreditavam que, para tornar mais eficazes as suas orações eucarísticas, bastava multiplicá-las. Multiplicar velas ou orações seria outra forma de aumentar as probabilidades de salvação da alma. Assim, um leigo tinha direito a entrar para uma sociedade de Colônia, mediante o pagamento duma quota anual de 11.000 Pai-Nossos e Ave-Marias. A popularidade das indulgências era outra indicação ainda da atitude das pessoas para com a religião. O sistema das indulgências tinha tido a sua origem no tempo das Cruzadas, como um meio de as pessoas compensarem a sua incapacidade de tomar parte numa cruzada e não deixarem, por isso, de ganhar o prometido perdão dos pecados, mediante um pagamento em dinheiro à Igreja. O fundamento teológico desse sistema era, conforme se mostrou na bula papal Unigenitus, de 1343, a crença de que o mérito representado pelo sacrifício de Cristo excedeu aquilo que seria necessário para a redenção de toda a raça humana; por consequência, esse mérito remanescente constituía um tesouro colocado nas mãos da Igreja. (...) Foi-se dando cada vez menos importância à penitência implicada na indulgência e mais importância ao perdão automático que o pagamento do dinheiro garantia." 

GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 128. 

Lutero: A Força da Moderação

sábado, 8 de julho de 2017

Centro comercial da moderna Zwickau, cidade de onde partiram os "profetas", influenciados por Thomas Müntzer, em dezembro de 1521.

Para Lutero, os profetas de Zwickau "não eram de Deus; eram, portanto, do diabo - ou, pelo menos, usados por Satã contra a verdade; era preciso desnudá-los e desmascará-los. Porque, enfim, muita gente clamava, contra os homens já perseguidos pelo magistrado de Zwickau, medidas rigorosas; e isso, não, Lutero não podia tolerar. Foi essa sua preocupação primeira: nada de sangue, nada de suplício! (...) Em 6 de março [de 1522], Lutero chegava a Wittenberg. Na véspera, de Borna, endereçara a Frederico sua famosa carta. Três dias depois, no domingo, 9, subiu ao púlpito. Tomou a palavra. Manteve-a por oito dias. 

Durante oito dias pregou, com simplicidade, força, clareza irresistíveis, com moderação singular também, com senso superior de medida e equidade. (...) 

Assim, em uma semana, os corações foram reconquistados e tocados, até os mais violentos, por aquela força serena. Ele estivera certo ao proclamar: pregada por ele, soberana era a Palavra. E então, já que também em outros lugares os espíritos se agitavam e deixavam seduzir, ele partiu. Viram-no, ouviram-no, sentiram sua força em Altenburgo, Borna, na própria Zwickau, também em Erfurt e em Weimar. Em todo lugar, sucesso, multidões subjugadas, a mesma demonstração de uma força e moderação repleta de autoridade."  

FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, Um Destino. Tradução de Dorothée de Bruchard. São Paulo: Três Estrelas, 2012, p. 250-251.

Robespierre e a Queda da Bastilha

sexta-feira, 7 de julho de 2017

La prise de la Bastille (1789), de Jean-Pierre Houël (1735-1813).

Em carta a Buissart, Robespierre fez menção ao exército patriótico de 300 mil homens que apareceu de forma surpreendente nas ruas de Paris. Ele incluía todas as classes de cidadãos, integrantes das guardas Francesa e Suíça, além de outros soldados. Robespierre maravilhou-se então quando, repentinamente, no dia 14 de julho de 1789, esse exército do povo tomou a Bastilha, a principal fortaleza na muralha alfandegária que cercava a capital francesa. A Bastilha era um símbolo de opressão antes da Revolução e "um trunfo iconoclasta" desde que caiu. Durante o Antigo Regime, os prisioneiros da Bastilha haviam sido privados da liberdade, em sua maioria, por lettres de cachet e encarcerados indefinidamente na imponente fortaleza com oito torres arredondadas e paredes com um metro e meio de espessura. 

No dia em que foi conquistada, existiam apenas sete prisioneiros na Bastilha. O prisioneiro mais famoso da Bastilha foi o marquês de Sade, que havia sido transferido no dia 5 de julho para outra prisão, após transformar seu urinol em um megafone para fazer discursos incendiários e sensacionalistas para os transeuntes: segundo ele, um massacre dentro da prisão era iminente; o diretor, Launay, estava matando os presos; o povo precisava derrubar as paredes antes que fosse demasiado tarde. Apesar desse incentivo, antes de atacar a Bastilha o povo investiu contra as barreiras de pedágios, a abadia de Saint-Lazare (estoque de armas de fogo) e o Invalides, por seu canhão e outras armas. 

A tomada da Bastilha começou no início da manhã e terminou no começo da noite do dia 14 de julho. Envolveu apenas cerca de 900 cidadãos, contra os guardas regulares da Bastilhas e alguns reforços do regimento suíço Salis-Samade. Robespierre apoiou explicitamente a violência da multidão contra o diretor Launay, Flesselles (o magistrado-mor da cidade) e Joseph François Foulon, um dos ministros escolhidos para substituir Necker. 

Após a queda da Bastilha, François Palloy, um dos 900 homens que fizeram o primeiro ataque à fortaleza, juntamente com outros quatro especialistas, foram colocados à frente da demolição. Em pouco tempo, o chão estava coberto de detritos que acabaram reciclados como souvernirs da Bastilha. Tinteiros, pesos de papel, adagas comemorativas e modelos decorativos da prisão esculpidos em suas próprias pedras tornaram-se populares e lucrativos nos anos subsequentes. Espectadores foram ao local e se espantaram com as correntes e algemas. Eles tocavam em instrumentos de tortura e se trancavam em celas úmidas nas quais seus compatriotas, importunados por ratos, apodreceram até a morte. Robespierre estava acima de tudo isso. Ele não se interessava muito nem por dinheiro e nem por sexo, até onde se sabe. Não possuía uma mente comercial e não conhecia emoções fortes. Não tinha, como Mirabeau, lembranças pessoais de encarceramento para esquecer, nem medos - não importa quão remotos - da ameaça que a Bastilha podia representar. Para ele, a fortaleza conquistada era meramente um enorme monólito sobre o qual podia projetar suas ideias.     

Adaptado de SCURR, Ruth. Pureza fatal - Robespierre e a Revolução Francesa. Tradução de Marcelo Schild. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2009, p. 110-117.