quinta-feira, 12 de março de 2020
A crise que Cuba atravessa não é somente de ordem econômica, política ou social; ela atinge cada indivíduo no mais profundo de sua existência.Segundo Oswaldo Payá, representante do Movimento Cristão Liberação, "a maioria das pessoas se queixa, mas ninguém age. Como se todos estivessem anestesiados..."
Até quando? Essa é a única questão que incomoda os cubanos. Na ilha enganosa, o tempo parou. Os turistas adoram: os velhos Cadillac, os palácios decrépitos, etc. Quanto aos cubanos, eles trabalham sem parar, inventando o cotidiano para não sucumbir à desesperança.
Resignados, agarrados às lembranças do socialismo dos anos 1980, quando o carnê de racionamento ainda dava direito a algumas roupas e lençóis para a casa, quando o óleo não faltava, quando os hospitais podiam oferecer lençóis limpos, quando havia lâmpadas e ventiladores nas salas de aula das crianças, os cubanos esperam.
Até no discurso moralista a revolução é derrotada pela realidade. Os barbudos de Sierra Maestra acreditavam ter fechado o "bordel dos Estados Unidos". Sessenta anos mais tarde, os clientes não são norte-americanos; eles vêm de todos os países da Europa a fim de sentir um pouco de volúpia nesse Éden socialista que possui os três "S" famosos que movem os turistas: sable, sexe et soleil [areia, sexo e sol]. O problema persiste, apesar da repressão ao proxenetismo, à corrupção de menores e à prostituição em si (reenvio das prostitutas da capital às suas regiões de origem; prisão domiciliar por um ano; trabalho em campos de limões e batatas para as reclacitrantes; e internação, por três anos, nos "centros de reeducação" para as reincidentes).
Sinal do pessimismo imperante, o final dos anos 90 em Cuba registrou a taxa de fecundidade mais baixa desde cerca de um século. Em 1950, a população cubana representava pouco mais de 3% do conjunto da América Latina e do Caribe. Em 2010, esse percentual terá se reduzido a 1,9%. Em 2020, a população da ilha começará a decrescer.
Quarenta por cento das gestações terminam em abortos, um índice tão elevado que incomoda as próprias autoridades cubanas. O país, que se apresenta como grande potência farmacêutica, precisou receber, no final de 1998, do Fundo das Nações Unidas para a população, uma ajuda de mais de 2 milhões de dólares para produzir as primeiras pílulas anticoncepcionais cubanas. Tal ajuda, no entanto, corresponde a apenas 5% das necessidades mais prementes da população.
A idade em que se dão as primeiras relações sexuais é cada vez mais precoce, inquieta-se também o jornal Juventud Rebelde, assinalando a progressão dos abortos praticados em jovens com menos de vinte anos.
Cuba detém outro recorde pouco invejável: o país possui um dos índices de suicídios mais elevados da América Latina (cerca de 20 para cada 100 mil habitantes; a média no resto do continente oscila entre 8 e 12 para cada 100 mil habitantes).
A um membro da guarda costeira norte-americana que perguntava a um jovem operário que acabava de fracassar em sua terceira tentativa de chegar à Flórida por que não punha sua energia a serviço de um movimento de oposição na ilha, este respondeu: "Não quero ser herói. Os heróis acabam sempre na prisão e não veem mais o sol."
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