segunda-feira, 30 de março de 2020
A cabana de Henry David Thoreau (1817-1862), construída nas proximidades do Lago Walden. Concord, Massachusetts, EUA.
Minha mobília, em parte feita por mim mesmo - e o restante não me custando nada de que eu já não tenha prestado conta -, consistia em uma cama, uma mesa, uma escrivaninha, três cadeiras, um espelho de uns sete centímetros de diâmetro, um par de pinças e grelhas para lareira, um tacho, uma caçarola, uma frigideira, uma concha, uma bacia, duas facas e garfos, três pratos, uma xícara, uma colher, uma moringa para óleo, outra para melado, e um lampião esmaltado. Ninguém é tão pobre que precise se sentar em uma abóbora. Isso seria indolência. Existem muitas cadeiras desse tipo que eu gosto nos sótãos da vila só esperando que alguém as leve embora. Mobília! Graças a Deus, posso sentar e ficar de pé sem precisar recorrer a uma loja de móveis. Quem senão um filósofo não se envergonharia de ver seus móveis em uma carroça viajando expostos à luz do céu e aos olhos dos homens, pobre amontoado de caixas vazias? Lá vai a mobília do Spalding. Jamais conseguiria dizer inspecionando tal carregamento se pertencia a um rico ou a um pobre; o dono da mudança sempre parece um pobretão. De fato, quanto mais coisas você tem, mais pobre você é. Cada carregamento desses parece conter itens de uma dúzia de barracos; e se um barraco já é pobre, o carregamento é doze vezes mais pobre. Eu me pergunto, por que outro motivo mudamos sempre senão para nos livrarmos dessa mobília, de nossa exuviae; e, por fim, partirmos desse mundo para outro recém-mobiliado, e deixarmos esta queimar? É como se todas essas armadilhas estivessem penduradas no cinto de um homem, e ele não conseguisse se mexer no terreno acidentado em que nossas linhas estão esticadas sem cair nelas - arrastando as próprias armadilhas. Feliz da raposa que perdeu só a cauda na armadilha. O rato-almiscareiro roerá sua terceira pata para se libertar da armadilha. Não é de estranhar que o homem tenha perdido a sua elasticidade. (...) Hoje veio a Inglaterra como um velho cavalheiro que viaja com um excesso de bagagem, tralhas que acumulou durante anos cuidando de casa e agora não tem coragem de queimar; arcas, caixas, bolsas, baús. Jogue fora um terço disso pelo menos. Excederia as forças de um homem saudável hoje em dia pegar sua maca e andar, e eu certamente aconselharia a um doente que deixasse o leito onde está e saísse correndo. Quando encontrei um imigrante cambaleando embaixo de um fardo que continha tudo o que era seu - parecendo um enorme cisto que crescera em sua nuca - , tive pena, não porque aqueles fossem todos os seus pertences, mas porque ele precisava carregar tudo aquilo. Se eu tiver de arrastar minha arapuca pelo mundo, tomarei cuidado para que seja leve e não me arranhe nenhuma parte vital. Mas talvez o mais sábio seja nunca meter a pata nessa cumbuca.
THOREAU, Henry David. Walden ou A Vida nos Bosques. Tradução e notas de Alexandre Barbosa de Souza. São Paulo: Edipro, 2018, p. 60-62.
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