“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O Professor das Sete Lições

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Ensinar significa coisas diferentes em lugares diferentes, mas há sete lições que são universais. Elas compõem um currículo nacional pelo qual os cidadãos pagam de mais maneiras do que podem imaginar, então talvez seja bom que o conheçam. As "Sete Lições" abaixo foram elaboradas por John Taylor Gatto (1935-2018), professor por mais de 30 anos e "professor do ano" da cidade de Nova York em 1989, 1990 e 1991, e de todo o estado de Nova York em 1991. 

1. A primeira lição que ensino é a confusão. Tudo que ensino está fora de contexto. Eu ensino a não-relação de tudo. Ensino desconexões, e ensino excessivamente. Mesmo nas melhores escolas, uma avaliação minuciosa do currículo e suas sequências mostrará uma falta de coerência, um conjunto de contradições internas. A lógica do pensamento escolar é de que é melhor sair da escola com um kit de jargões superficiais derivados de economia, sociologia, ciências naturais (e assim por diante) do que com entusiasmo genuíno por um assunto.

O que seres humanos buscam é sentido, não fatos desconexos, e a educação é um conjunto de códigos para extrair sentido a partir de dados brutos. Apesar disso, eu ensino a não-relação de tudo, uma infinita fragmentação, o oposto da coesão. O que eu faço tem mais relação com um programa de televisão do que com a criação de um sistema ordenado. Em um mundo em que os pais trabalham, ou se mudaram muitas vezes de emprego ou a família se mudou muitas vezes de casa, o lar é meramente um fantasma. Assim, os alunos estão muito confusos para manter uma relação familiar, e eu lhes ensino como aceitar a confusão como seu destino.  

2. Posição de classe. Ensino que as crianças são numeradas, e cada uma deve permanecer na classe correta. Numerar crianças é um empreendimento grande e lucrativo, ainda que a finalidade dessa estratégia não seja óbvia.

Em todo caso, isso não é problema meu. Meu trabalho é fazer com que gostem de ficar trancadas com outras crianças com números iguais aos seus. Ou ao menos que suportem tudo isso, que saibam levar na esportiva.

3. Indiferença. Essa é a terceira lição que ensino. Ensino que as crianças a não se importarem muito com nada, embora seja desejável parecer que se importam. Faço isso sutilmente, exigindo que se envolvam nas minhas aulas, pulando de empolgação em suas carteiras. Mas quando o sinal toca, insisto para que parem o que estamos fazendo e prossigam rapidamente para a próxima estação de trabalho. Elas devem ligar e desligar como um interruptor. Assim, os alunos nunca passam por uma experiência completa, tudo é dividido em prestações. 

4. A quarta lição que ensino é a dependência emocional. Através de riscos de caneta vermelha, sorrisos, testas franzidas, prêmios, honras e desgraças, ensino as crianças a cederem sua vontade à cadeia hierárquica adequada. A individualidade está sempre tentando se auto-afirmar entre crianças e jovens, então faço meus julgamentos grosseira e abruptamente. A individualidade é uma contradição da teoria de classes, uma maldição a todos os sistemas de classificação. 

5. Dependência intelectual. Bons alunos esperam os professores dizerem o que devem fazer. Esta é a lição mais importante de todas: devemos esperar outras pessoas, mais qualificadas do que nós, dar sentido às nossas vidas. O especialista faz todas as escolhas importantes. Somente eu, o professor, posso determinar o que meus alunos devem estudar. Ou melhor, somente as pessoas que me pagam podem tomar tais decisões, que eu então executo. Esse poder de controlar o que as crianças pensarão me permite separar alunos bem-sucedidos dos malsucedidos muito facilmente.

6. Autoestima provisória. Nosso mundo não sobreviveria a uma grande quantidade de pessoas confiantes por muito tempo, então eu ensino que o respeito próprio de uma criança deve depender da opinião de um especialista. Meus alunos são constantemente avaliados e julgados. Algumas pessoas, contudo, se surpreenderiam com quão pouco tempo e reflexão são dedicados à composição desses registros. A lição dos boletins, notas e provas é a de que as crianças não devem confiar em si mesmas ou em seus pais, mas, em vez disso, deveriam confiar na avaliação de autoridades credenciadas. É necessário que se diga às pessoas o valor que têm.

7. Não é possível esconder-se. Ensino aos alunos que estão sempre sendo observados, que todos estão sob cerrada vigilância da minha parte e dos meus colegas. Não há espaços privados para as crianças. Não há nenhum momento de privacidade. Os alunos são incentivados a delatar uns aos outros e inclusive a delatar seus próprios pais.

Essa vigilância constante e essa negação da privacidade significam que não se pode confiar em ninguém, que a privacidade não é algo legítimo. A vigilância já era respaldada em obras como República, Cidade de Deus, nas Institutas da Religião Cristã, na Nova Atlântida, no Leviatã, etc. Todos os autores desses livros, que nunca tiveram filhos, descobriram a mesma coisa: deve-se vigiar as crianças atentamente caso se queira manter uma sociedade sob um rigoroso controle central.          

Adaptado de GATTO, John Taylor. Emburrecimento programado - o currículo oculto da escolarização obrigatória. Tradução de Leonardo Araujo. Campinas, SP: Kírion, 2019, p. 41-50.

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