quarta-feira, 13 de novembro de 2019
Mais uma biografia lida. Desta vez, o objeto da pesquisa foi Péricles (c. 495-429 a.C.), o estadista que emprestou o seu nome ao século V a.C., na Grécia. Poucos homens deram o seu nome a um momento da história, ainda que "o século de Péricles", segundo Barthélemy, corresponda apenas ao período entre 444 e 404 a.C. (data do fim da Guerra do Peloponeso). Para outros autores, todavia, os limites cronológicos de tal "século" são outros: 480-404 a.C. ou 462-429 a.C. (sendo esta última a data da morte de Péricles).Como lembou Plutarco, Péricles não devia a autoridade que exercia sobre o povo apenas ao poder de sua palavra, a sua maestria na arte de persuadir, em suma, as qualidades de orador. Ele a devia também "à reputação de que gozava e à confiança que seu modo de vida inspirava: todo mundo sabia que ele era desprendido e incorruptível" (XV, 3). Plutarco procurou contrapor o comportamento de Péricles à imagem, difundida pela tradição, do demagogo, do orador popular venal. Como estratego, o estadista ateniense era prudente, nunca se lançando de livre vontade a um combate que implicasse incertezas e muitos perigos (XVIII, 1).
Em relação à vida privada, a fofoca mais "quente" sobre Péricles era relativa ao seu desejo excessivo por mulheres - diziam que Fídias lhe arranjava mulheres, e proporcionava encontros até mesmo na casa do escultor. Dentre todos os seus casos amorosos, destaca-se Aspásia, oriunda de Mileto. Na obra de Plutarco, ela é apresentada como uma cortesã, uma mulher livre que recebia em sua casa Sócrates e seus discípulos, e homens influentes que para lá levavam suas mulheres "para que ouvissem sua conversa" (XXIV, 5). Péricles a amava profundamente, tanto é que reconheceu seu filho ilegítimo que teve com ela após a morte de seus dois filhos. E, mais: após voltar à chefia da pólis depois de ter sido afastado, não hesitou em violar uma lei que ele próprio instituíra para permitir que seu filho com Aspásia pudesse ser inscrito em sua fratria e receber seu nome.
Péricles preocupou-se em garantir renda para os cidadãos pobres, em primeiro lugar através dos mistos (a utilização de dinheiro público para remunerar a prestação de um serviço cívico). Por meio da mistoforia, todo cidadão, quando sorteado para exercer as funções de juiz e de conselheiro, estava a serviço da cidade. Além disso, através da atribuição de lotes de terra nas clerúquias, mas também, e talvez principalmente, oferecendo oportunidades de trabalho aos pobres da cidade, graças ao seu programa de construções públicas, Péricles beneficiou os pobres. Pela primeira vez na história, uma soberania era colocada nas mãos da comunidade dos cidadãos.
Claude Mossé conclui lembrando que "nunca haveremos de saber ao certo quem foi Péricles, ainda mais que só nos é possível ter uma visão de sua personalidade através dos outros" (p. 235). "(...) Pode-se interpretar de várias maneiras a 'monarquia pericliana' de Tucídides: seja como um confisco do poder soberano do démos por uma personalidade hábil e forte por conta de sua capacidade de persuadir, seja como uma homenagem prestada a uma comunidade de cidadãos respeitosos do direito de expressão de cada um e entre os quais se estabelecem distinções somente com base no mérito, cidadãos verdadeiramente detentores do poder de decisão e que não hesitarão em se afastar de Péricles quando a política deste ameaçar seus interesses" (p. 239).
Referência: MOSSÉ, Claude. Péricles - o inventor da democracia. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade, 2008.
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