domingo, 30 de julho de 2017
Iluminura que mostra um clérigo, um guerreiro e um servo, integrantes das três ordens da sociedade medieval.
Desde a época dos Pais da Igreja, os autores cristãos encontraram nos antigos, estoicos e principalmente platônicos, um antigo quadro de reflexão sobre o sistema social concebido como uma concórdia de ordens reguladas a partir do modelo de harmonia dos planetas.
O cristianismo trouxe ao fundo antigo elementos inovadores. Os escritos do apóstolo Paulo, inspiração de todas as futuras reflexões eclesiais, contribuíram fortemente para a descentralização operada pelo organicismo cristão. Veja, por exemplo, 1 Coríntios 7:22 e 12:12. Em Gálatas 3:28, o apóstolo insiste na igualdade dos fiéis no batismo e na ausência de consideração das pessoas no chamado de Deus. Tais são as bases bíblicas que permitiram aos autores medievais pensar o social em termos de mobilidade e reversibilidade. De fato, a mobilidade das pessoas ligadas às conversões sempre foi importante na sociedade medieval, especialmente a partir da era gregoriana.
Ainda nos tempos apostólicos, surgiram as primeiras distinções entre os fiéis (plebs) e o grupo de administradores da "herança do Senhor" dentro das comunidades (clerus). No Baixo Império Romano, os clérigos acumularam privilégios: isenção do serviço militar, liberação em relação ao direito civil e isenção de taxas públicas.
Na época carolíngia, a construção carolíngia elaborou-se em profundo mimetismo com o Império Romano, cujas estruturas políticas procurou-se cristianizar. Aimon, mestre da escola de Auxerre, fez das três partes da sociedade civil romana as três ordens da Igreja: os sacerdotes, clérigos conduzidos pelos bispos; os homens guiados pelos príncipes; finalmente, o grupo indistinto dos produtores. Após 860, a teoria das três ordens funcionais tornou-se um lugar comum da teologia política, que no entanto só foi universalmente conhecida no século XII.
De 1050 até cerca de 1200, a história da noção de ordem(ns) resultou principalmente do lento processo de diferenciação do papel dos atores na sociedade medieval. Esse processo deveu-se, essencialmente, ao aumento de poder da instituição eclesiástica nos séculos XI e XII.
O papa Gregório VII (1073-1085) deu uma vigorosa definição da ordem numa carta (VI, 35). Tornou-se uma marca dos novos tempos o cuidado em distinguir as ordens e em colocar um superior no topo da hierarquia. Uma regulamentação estrita das esferas de atividade no interior da sociedade cristã buscava evitar qualquer confusão entre o material e o espiritual. Os leigos possuíam apenas um acesso indireto ao sagrado e, no "único superior", escondia-se uma personagem que adquiriu nesta época um relevo até então inusitado, o papa. Na teoria e na prática, procurou-se instalar o papa em uma posição intocável, no topo e no princípio da hierarquia.
Em suma, a sociedade de ordem(ns) nunca foi um sistema de castas. O mundo medieval sempre foi de um holismo bem moderado e suas estruturas de controle relativamente plásticas. A teoria das três ordens (oratores [clero], bellatores [guerreiros] e laboratores [trabalhadores]), valorizava o conjunto das funções e, apesar de distinguir graus, todas as tarefas - incluindo as mais insignificantes - eram reconhecidas. Uma das revoluções do cristianismo foi ter feito do trabalho um valor.
Das três funções, só a dos guerreiros constituiu-se pouco a pouco em grupo relativamente fechado de especialistas. O sentimento de pertencimento a este grupo cimentou uma prática comum da profissão das armas e uma minuciosa ética nobiliárquica, além de um estatuto jurídico e prerrogativas do poder temporal.
Ao contrário, a terceira função acolhia grupos muito diversos: agricultores, burgueses, mercadores e múltiplos subgrupos originados do desenvolvimento das cidades. Nesse sentido, tal função era "um lugar de indeterminações socialmente fecundas."
Adaptado de IOGNA-PRAT, Dominique. Ordem(ns). Tradução de Eliana Magnani. In: LE GOFF, Jacques. & SCHMITT, Jean-Claude (organizadores). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2006, p. 305-313.
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