“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

As Relações Feudo-Vassálicas

domingo, 2 de julho de 2017

Um nobre medieval com um falcão.

O feudalismo clássico na Europa existiu entre os séculos X e XIII. No início desse período o sistema das instituições feudo-vassálicas atingiu seu pleno desenvolvimento. Nessa época, essas instituições deixaram de ser específicas dos estados derivados do desmembramento da monarquia franca: grosso modo, as atuais França, Alemanha e Itália, além do reino da Borgonha. A conquista da Inglaterra pelo duque da Normandia, em 1066, introduziu o feudalismo nesse país. Em certo grau, a reconquista fê-lo penetrar na Península Ibérica. As cruzadas deram-lhe acesso ao reino de Jerusalém, bem como ao efêmero Império Latino do Oriente. 

O feudalismo do Oriente latino possuiu caracteres muito particulares - eles se relacionam ao seu desenvolvimento no quadro de estados criados por um exército de senhores e de vassalos e que constituíram, por outro lado, espécies situadas em zonas fronteiriças especialmente expostas. Com exceção do condado de Barcelona, unido à França até 1258, pelo menos teoricamente, o feudalismo espanhol e português apresentaram instituições bastante diferentes das que se desenvolveram ao norte dos Pirenéus. 

Nos séculos X e XI, as relações feudo-vassálicas em França, no reino da Borgonha, no Oeste e, com menos intensidade, no Sul da Alemanha generalizaram-se. Isso chegou a ponto de um homem livre provido de hábitos militares, combatendo a cavalo e dono de alguns bens, quase sempre estar comprometido com laços de vassalagem. Em si, as relações de vassalo para senhor nada tinham de hereditário, mas o desejo dos vassalos de fazer passar para os seus filhos o benefício desde muito cedo deu a estas relações um caráter hereditário. 

As relações vassálicas provieram do contrato que existia à época da dinastia carolíngia. O primeiro dos atos desse contrato era a homenagem, que devia ser realizada sem coação entre nobres e compreendia dois elementos: 

1º) O immixtio manuum: o vassalo, geralmente ajoelhado, com a cabeça descoberta e desarmado, colocava as mãos juntas nas mãos do seu senhor, que as fechava sobre as do vassalo. 

2º) O volo, uma declaração de vontade do vassalo, feita nos mesmos termos em quase toda a parte. O senhor também podia pronunciar algumas palavras para exprimir a sua própria vontade. 

Nesses dois elementos, o gesto das mãos era, evidentemente, mais essencial que a declaração verbal da vontade das partes. Portanto, tornar-se vassalo era sobretudo fazer um gesto com as mãos. O rito da homenagem era um rito de entrega de si próprio. 

A homenagem era seguida do juramento de fidelidade. Este devia ser prestado de pé, com a mão sobre os Santos Evangelhos ou sobre um relicário. Por vezes, o vassalo começava assumindo o compromisso de ser fiel e, em seguida, confirmava esta declaração com um juramento. Como tornou-se comum um vassalo prestar homenagem a vários senhores, alguns destes passaram a exigir a homenagem "lígia": dentre os senhores distinguia-se aquele a quem era preciso servir com todo o rigor próprio da essência da vassalidade primitiva. 

A homenagem e a fidelidade eram acompanhadas - sobretudo em França - pelo osculum, o beijo. Contudo, ao contrário dos outros dois atos, o osculum não era essencial e nem indispensável à conclusão do contrato. É importante ressaltar que todos esses atos eram orais, como sucedia com a maioria dos atos jurídicos da Alta Idade Média. 

O contrato vassálico estabelecia, por um lado, um poder do senhor sobre a pessoa do vassalo. Por outro, fixava obrigações para ambas as partes. O vassalo devia ser fiel ao seu suserano, o que significa que não devia fazer-lhe nada que o pusesse em perigo, e nem fazer-lhe qualquer coisa que pudesse causar-lhe prejuízo. 

Na prática, o vassalo devia ao seu senhor o auxilium, prestação de serviço militar, que era a essencial razão de ser do contrato vassálico. Esse serviço não era remunerado, mas na segunda metade do século XI, em França, os vassalos conseguiram limitar a quarenta os dias de prestação de apoio militar sem o pagamento de soldo. O auxilium também compreendia a ajuda pecuniária, em casos excepcionais. Ao lado do auxilium, outra prestação devida pelo vassalo ao seu senhor era o consilium (a obrigação de auxiliá-lo em seus conselhos). 

O suserano, por sua vez, também devia obrigações ao vassalo. A primeira delas era a proteção: o aspecto mais essencial era o militar, mas o senhor também podia ser obrigado a defender seu vassalo em justiça e ajudá-lo em seus conselhos. Além disso, devia-lhe o sustento, que podia ser direto, em sua corte ou casa; poderia ser também indireto, através da concessão de um feudo (que poderia ser uma renda - o "feudo de bolsa") ou, em casos muito mais raros, um alódio. A concessão do feudo se dava através de uma cerimônia denominada investidura: após receber a homenagem e o juramento de fidelidade, o suserano entregava ao vassalo um objeto que simbolizava o bem - um bastonete ou uma imagem mais sugestiva, um punhado de terra. Quando o feudo era uma área cultivável, era conveniente que estivesse povoada por foreiros sujeitos tanto ao pagamento de tributos quanto à prestação de serviços. Tal trabalho era essencial ao cultivo do manso senhorial. 

A concessão em feudo tinha por duração natural a do vínculo humano, que era a sua razão de ser. Contudo, a falta de uma das partes aos seus deveres - a chamada "felonia" - podia acarretar na ruptura da fidelidade. A falta grave do vassalo provocava o confisco do feudo.      

Bibliografia consultada: 
BLOCH, M. A Sociedade Feudal. Tradução de Liz Silva. Lisboa: 70, 1987.  
GANSHOF, F. L. Que é o Feudalismo? Tradução de Jorge Borges de Macedo. Lisboa: Europa-América, 1974.  

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